teseberkeley3.1-termos gerais

III.1 - Termos Gerais

O foco privilegiado da Introdução é o modo de significação das palavras. Se o grande

problema da Nova Teoria da Visão era mostrar como idéias heterogêneas se relacionam, a

questão chave da Introdução será "como as palavras podem ser generalizadas?". Porém para

resolver esta questão Berkeley precisa retornar às idéias: as palavras só podem ser gerais

porque as idéias também podem sê-lo, ainda que elas o sejam somente em função da

generalidade das palavras. (80)

A teoria clássica da generalização, exemplarmente representada pela teoria da linguagem de

Locke, estabelece uma relação de dependência entre generalização e nomeação de idéias

abstratas. A tarefa de Berkeley na Introdução será portanto a formulação de uma teoria da

generalização que dispense estas idéias, provando assim sua inutilidade e, mais do que isso,

sua nocividade. A generalização é necessária para que a linguagem cumpra suas duas funções

mais importantes: a simples comunicação (o uso comum de nomes próprios e termos gerais),

e a ampliação do conhecimento (a demonstração científica). Esta última será apresentada por

Berkeley como decorrente diretamente da função de comunicação: a generalização pela qual

são possíveis os termos gerais na linguagem comum é de mesma natureza que a

generalização que torna possível a demonstração na ciência: ambas dependem da

possibilidade de generalização das idéias. Porém a estas duas função da linguagem Berkeley

acrescentará uma função que chamaremos de "pragmática": a linguagem serve também para

produzir certos efeitos como provocar emoções ou dispor o interlocutor a executar

determinadas ações.

Berkeley afirma na seção 12: "By observing how ideas become general, we may the better

judge how words are made so". Pela primeira vez Berkeley não diz "as idéias significam

como as palavras", como o fazia frequentemente na Nova Teoria da Visão, mas diz "as

palavras (termos gerais) significam como as idéias (gerais)". Idéias da percepção e palavras

são, então, perfeitamente intercambiáveis? Como vimos, idéias e palavras pertencem à

mesma categoria geral dos signos. Mas tanto faz dizer "as idéias significam como as

palavras" e "as palavras significam como as idéias"? A primeira condição para que isto seja

verdadeiro é que pensemos as idéias fora do paradigma substancialista/dualista e as palavras

fora do paradigma referencialista, que são interdependentes e estão ainda em pleno vigor na

filosofia de Locke. Berkeley só pode dizer "a visão funciona como a linguagem" e depois "a

linguagem funciona como a visão" porque para ele as idéias da visão não são mais

representações e as palavras não são mais apenas nomes de idéias. Berkeley substitui a noção

de relação causal entre coisas pela noção de relação contingente entre idéias. A maneira

pela qual a palavra se relaciona com seu significante é mais imediatamente evidente e mais

intuitivamente compreensível do que a forma pela qual as idéias significam umas às outras.

Mas nem por isso esta relação deixa de ser uma relação tão contingente quanto aquela entre a

palavra e seu significado, pois sua regularidade aparentemente necessária funda-se apenas no

hábito. Sem a conexão que aprendemos a estabelecer pela experiência, a visão não pode

antecipar o tato. Porém uma vez esta conexão estabelecida, tanto a visão pode significar o

tato quanto o tato pode significar a visão, (81) pois, como vimos, a relação significante

admite, ao contrário da relação causal, o sentido inverso: o significante pode passar a

desempenhar o papel de significado e vice-versa. (82) Se na Nova Teoria da Visão Berkeley

começa usando a significação das palavras como modelo para a significação das idéias, é

porque assim a exemplificação é mais facilmente compreensível, mas nada impediria que o

modo de significação entre idéias da visão e do tato fosse usado como exemplo e modelo

para a linguagem das palavras, como realmente acontece quando se trata de explicar a

generalização das palavras, na Introdução ao Principles.

Os exemplos de como uma idéia pode ser utilizada como signo geral são todos tirados da

geometria. Pelo menos três vezes Berkeley repete na Introdução: assim como na

demonstração geométrica a figura de um triângulo particular desempenha a função de signo

de todos os triângulos possíveis, assim também a palavra "triângulo" desempenha a função

de termo geral, ou seja, é signo de todos os triângulos particulares que pertencem à classe

dos triângulos e não o nome de uma idéia abstrata de triângulo. Assim como na

demonstração uma idéia particular, sendo usada como signo, exerce a função de idéia geral,

assim também a palavra que a nomeia, sendo nome de uma idéia particular, ao ser utilizado

como signo passa a desempenhar o papel de termo geral.

Deixa de ser tão surpreendente que o mesmo mecanismo pelo qual se dá a demonstração seja

tomado como modelo de toda generalização se lembrarmos que a linguagem da ciência é,

para Berkeley, um prolongamento da linguagem comum: ambas são de natureza

eminentemente prática. Tanto na linguagem comum quanto na ciência a linguagem está a

serviço do mesmo objetivo, que já era a função da própria percepção: a previsão e, com isso,

a otimização da ação. Em ambos os casos os objetos são divididos em classes, identificadas

por termos gerais para que a comunicação e a ação ganhem em alcance e eficácia. (83)

Berkeley nega, na Introdução Manuscrita, que as idéias possam ser gerais. Apenas as

palavras podem sê-lo, porém não nomeando uma suposta idéia abstrata e sim várias idéias

particulares, referindo-se às vezes à uma, às vezes à outra. Na Introdução Publicada

Berkeley utiliza exatamente os mesmos exemplos porém afirmando: as idéias visadas pelo

termo geral não podem ser abstratas, porém podem ser gerais. Mas em que consiste, agora,

esta possível generalidade da idéia? Tudo indica que se trata do mesmo tipo de relação

afirmado na Introdução Manuscrita, com uma diferença: continua sendo uma exigência da

significação de qualquer palavra que alguma vez ela tenha nomeado uma idéia determinada,

mas não é preciso exigir que cada vez que a utilizemos ela deva estar presente na mente sob

a forma de imagem ou de lembrança. Assim como utilizamos as letras na álgebra sem

precisarmos a todo momento traduzir os valores simbolizados ou como no jogo utilizamos

fichas sem que a todo momento sejamos obrigados a convertê-las ao seu real valor,

utilizamos os termos gerais - de forma exemplar na demonstração mas também na linguagem

comum - sem preocuparmo-nos com uma possível referência direta a uma idéia particular. A

linguagem das palavras nasce sobre o fundo da linguagem das idéias e delas depende em sua

origem. Porém isto não a impede de adquirir uma dinâmica e autonomia próprias, podendo

assim os termos gerais ser significantes sem referência imediata e constante a idéias

particulares ou a conjuntos determinados destas idéias.

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