TeseBerkeley2.2-magnitude

II.2 - Magnitude

A percepção da magnitude ou tamanho, assim como a percepção da distância, não depende

unicamente das idéias imediatas da visão, pois o tamanho da imagem visual de um objeto

muda à medida em que dele nos aproximamos ou nos afastamos. Como vimos, a óptica

geométrica explicava a percepção do tamanho como uma inferência fundada em uma relação

necessária entre os ângulos e a distância: entre dois objetos situados a uma mesma distância,

será maior aquele cujos raios incidem sobre a pupila com uma convergência maior; entre dois

objetos cujos ângulos de convergência dos raios são iguais, será maior aquele que estiver a

uma maior distância. Berkeley recusa esta solução, argumentando que nem a distância e nem

os ângulos são idéias imediatas. As mesmas idéias visuais imediatas que sugerem a distância

sugerem também o tamanho, mas independentemente. Por isso não é preciso primeiro

calcular a distância e depois compará-la com os ângulos para assim deduzir o tamanho. O

tamanho visual varia constantemente; o tamanho tátil é sempre o mesmo. (30) Quando

dizemos "o tamanho daquele objeto" estamos nos referindo sempre ao seu tamanho tátil pois

se nos referíssemos ao tamanho visual a palavra "tamanho" teria um significado instável e

ambíguo. As idéias sempre variáveis da imagem visual sugerem um tamanho tátil estável

numa relação proporcional constante: quanto maior é o tamanho visual, maior é o tamanho

tátil e vice-versa.

Porém existem outras características da imagem visual imediata que funcionam como

mediação para a percepção do tamanho e estas são as mesmas que sugerem maior ou menor

distância: sua maior ou menor confusão e sua maior ou menor clareza. É preciso, portanto,

levar em conta que entram em jogo pelo menos estas três variáveis na percepção do tamanho,

variáveis estas que tornarão a relação entre o tamanho visual e o tamanho tátil (que

normalmente é pensada como sendo perfeitamente regular) mais complexa e variada. Assim,

uma imagem visual maior pode significar um tamanho menor se ela é pouco clara e uma

imagem visual menor pode significar um tamanho maior se ela é confusa. Uma mesma

imagem visual, isto é, de tamanho visual aparente constante, pode significar pequeno

tamanho se confusa, um tamanho maior se perfeitamente distinta e um tamanho ainda maior

se obscura. E finalmente, é preciso levar em conta outras circunstâncias adicionais - as

mesmas que entravam em jogo na percepção da distância - que sugerem o tamanho. O mais

importante deles é o conhecimento que já possuímos por experiência dos objetos e que

usamos para compará-los: uma imagem de um homem e de uma torre, de mesmo tamanho

visual, significarão diferentes tamanhos táteis.

Um problema que sempre intrigou os ópticos será utilizado por Berkeley para pôr à prova a

concepção geométrica da percepção da magnitude: a lua parece ser maior quando está

próxima do horizonte do que quando está no zênite. E há dias em que ela parece estar ainda

maior do que em outros de acordo com a variação da nebulosidade atmosférica. Porém, se

medirmos o tamanho da imagem visual veremos que ela é sempre constante. Aplicando a

técnica geométrica de relacionar ângulos e distância, Wallis explicava o fenômeno

comparando o tamanho aparente, medido em ângulos, e o aumento da distância aparente

resultante da interposição. (31) Quando vemos a lua ou o sol no horizonte, diz Wallis, a

percepção de tudo que preenche o espaço intermediário nos sugere uma maior distância. (32)

Vimos como para Berkeley o tamanho deve ser sugerido por idéias imediatas e não pela

comparação do tamanho aparente com a distância. A contraprova à solução de Wallis é

simples: se olharmos a lua no horizonte por detrás de um muro que esconde todos os objetos

intermediários, isto em nada mudará sua magnitude aparente. E de nada adianta pensar que

há lagos, vales e montanhas que sugerem maior distância, pois isto em nada alterará o

tamanho visual. Além disso, Wallis não dá conta do fato de que em algumas ocasiões a lua

parece ser maior do que em outras.

Berkeley explica o fenômeno relacionando a idéia visual imediata da lua e o tamanho por ela

sugerido. Quando a lua está próxima do horizonte uma quantidade muito maior de atmosfera

se interpõe entre ela e o observador. Isto significa que uma grande quantidade de partículas

como vapor dágua, poeira, etc, contribuirão para tornar mais fraca, mais obscura, sua

imagem visual. Ora, vimos que a maior obscuridade da imagem imediata sugere maior

tamanho e isto independentemente do fato de sugerir maior distância. Vimos também que a

idéia visual é importante não em si mesma mas porque antecipa uma idéia tátil, ou seja, um

contato direto que, este sim, é de importância vital à conservação do indivíduo. A idéia

significada é o fim e portanto mais importante do que a idéia significante, o meio. (33) Esta

tendência a se levar mais em conta o significado do que o significante faz com que pensemos

mais na lua sugerida do que na lua como imagem imediata, mais em sua extensão estável do

que em sua extensão aparente, e isto nos faz crer que vemos uma lua maior quando na

verdade seu tamanho aparente é sempre o mesmo. (34) Como a composição da atmosfera

varia e com ela varia a clareza da imagem visual, vemos uma lua às vezes "maior" e às vezes

"menor".

Poder-se-ia objetar, diz Berkeley, que segundo esta solução a interposição de um corpo com

certo grau de opacidade entre o olho e a lua - retendo assim uma parte dos raios e tornando

sua imagem mais fraca - deveria levar à percepção de um aumento de seu tamanho aparente.

Esta dificuldade é uma boa ocasião para que Berkeley reafirme o caráter contingente das

relações significantes entre idéias: afirmar que uma imagem imediata mais fraca deve sugerir

maior tamanho em toda e qualquer situação é pressupor que a relação entre a idéia visual e a

idéia tátil é invariável e necessária. Mas esta relação é, na verdade, apenas regular, ou seja,

repete-se na experiência de forma constante mas pode sempre variar de acordo com o

contexto onde está inserida. A experiência é sempre particular e a relação que aprendemos a

estabelecer entre certas idéias se dá em determinadas situações sempre semelhantes. Nossos

olhos estão adaptados para uma visão horizontal e é assim que utilizamos a visão a maior

olhos estão adaptados para uma visão horizontal e é assim que utilizamos a visão a maior

parte do tempo. A experiência ensina que a imagem mais fraca de um objeto sugere um

maior tamanho, mas isto em um contexto específico, ou seja, quando o objeto em questão

esta localizado horizontalmente em relação ao corpo. Mudando o contexto, a relação

significante pode também mudar. Prova-o o fato de que um mesmo homem, situado a uma

mesma distância, será sempre julgado maior estando no solo do que estando, por exemplo,

no alto de uma torre. Assim como uma palavra pode significar coisas diferentes em contextos

diferentes, uma idéia imediata pode sugerir tamanhos diferentes em situações diferentes. (35)

É a afirmação do caráter contingente e dinâmico da relação significante que dá toda a força

aos argumentos de Berkeley: assim como na solução ao problema de Barrow o mesmo

aumento de confusão aparente sugere maior ou menor distância segundo seja produzida por

convergência ou por divergência, na solução do problema do tamanho aparente da lua a

mesma variação de intensidade da imagem visual sugere diferentes tamanhos em diferentes

situações. (36) É uma propriedade dos signos, sejam eles idéias ou palavras, poderem

significar coisas diferentes em contextos diferentes. (37)

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