Debaixo do sol escaldante de um sábado comum, voluntários do Instituto EcoFaxina atravessam os manguezais de Santos e São Vicente recolhendo plásticos, pneus, eletroeletrônicos e até restos de apetrechos de pesca. Não é incomum encontrar embalagens de produtos vencidos há anos. O cheiro é forte, o trabalho é pesado, mas a missão é clara: tentar salvar o ecossistema antes que seja tarde demais.
Da pesca à poluição: o impacto ambiental nas comunidades ribeirinhas
Impacto do lixo nos ecossistemas costeiros
Ele conta que a dificuldade de encontrar pescado fez com que muitos pescadores abandonassem a profissão ou recorressem à pesca predatória, agravando ainda mais o desequilíbrio ambiental. “É um ciclo cruel. A poluição tira o sustento de quem vivia do rio, e sem alternativa, muitos acabam contribuindo, sem querer, com a própria destruição do ecossistema. Falta apoio, falta política pública. E quem sofre primeiro é quem está mais próximo da natureza.”
Segundo ele, houve uma diminuição dos resíduos industriais lançados nos rios – uma vitória conquistada com fiscalização e pressão ambiental. No entanto, isso deu lugar ao crescimento desenfreado do esgoto doméstico e do lixo sólido urbano, reflexo direto da expansão populacional em áreas sem infraestrutura básica.
A Baixada Santista abriga o estuário de Santos, um dos locais com maior concentração de microplásticos do mundo. Além disso, é recorrente a presença de coliformes fecais nas águas das praias, o que afeta diretamente a balneabilidade e representa riscos à saúde pública.
Esses resíduos não apenas contaminam a água e ameaçam os animais marinhos, mas também podem afetar a qualidade da água potável consumida na região. Com a erosão comprometendo mananciais e o sistema de drenagem sobrecarregado, especialistas alertam para um risco iminente ao abastecimento de água.Também há preocupação com a elevação da temperatura do mar e a acidificação dos oceanos, fenômenos impulsionados pelo aquecimento global. Esses processos impactam diretamente a vida marinha: espécies sensíveis podem desaparecer, e todo o equilíbrio ecológico do oceano pode ser comprometido.
A oceanógrafa Paloma Kachel Gusso Choueri, especialista nos impactos da poluição marinha, destaca que os efeitos das micropartículas de plástico vão muito além do que os olhos conseguem ver. “Os impactos são numerosos e abrangem todos os níveis de organização biológica, desde efeitos em moléculas e células até alterações em comunidades e potencialmente ecossistemas inteiros. Além do potencial de afetar diretamente os organismos marinhos por diferentes vias, como a ingestão involuntária e a liberação de aditivos tóxicos presentes nos plásticos, essas micropartículas também atuam como vetores de contaminantes presentes na água, absorvendo substâncias químicas potencialmente perigosas.”
Paloma ainda reforça a importância de enxergar a crise ambiental também como uma crise de saúde pública: “É fundamental adotar a perspectiva da saúde única, que reconhece a interdependência entre a saúde humana e ecológica. Ou seja, os impactos que afetam o ambiente marinho inevitavelmente repercutem sobre nós, seja por meio da cadeia alimentar, da contaminação da água ou da degradação dos serviços ecossistêmicos”
“Na nossa região, esses processos podem dificultar o acesso à água potável, principalmente em períodos
de estiagem, com reflexos diretos na saúde pública e na segurança hídrica da população.”
Segundo a oceanógrafa, a poluição e a erosão também representam ameaças diretas à qualidade da água nos mananciais. “A entrada de sedimentos, nutrientes e contaminantes pode comprometer a qualidade dos corpos hídricos, exigindo tratamentos mais complexos e onerosos para tornar a água potável. Além disso, a redução da vegetação nas margens dos corpos d’água favorece o assoreamento e a instabilidade do solo, impactando diretamente a capacidade de armazenamento e a regularidade do abastecimento.”
As medidas de contenção ainda são tímidas. A instalação de ecobarreiras em alguns pontos dos canais, por exemplo, ajuda a conter parte do lixo flutuante, mas está longe de ser suficiente. Já a Sabesp e a Cetesb, que foram procuradas por e-mail e whatsapp para comentar as ações em andamento e os planos de enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas, não responderam até o fechamento desta edição.
A população, por sua vez, começa a se mobilizar. Iniciativas como as do Instituto EcoFaxina unem ciência e ação social, propondo soluções que envolvem as próprias comunidades no combate à degradação ambiental. Um dos projetos mais ambiciosos é o Sistema Ambiental de Coleta de Resíduos, que prevê o treinamento de moradores das áreas de mangue para atuar como agentes ambientais. A proposta une geração de renda, inclusão social e preservação.
Enquanto isso, as marés continuam trazendo lixo. E a pergunta que fica é: por quanto tempo ainda poderemos virar as costas para um oceano que pede socorro?
Jelson Henrique
Paulo Felipe
Victor Hugo