Com acesso a milhões em emendas e poder de articulação, parlamentares da Baixada Santista ainda tratam a crise climática com distanciamento — mesmo quando o mar avança e a água bate à porta
A chuva que deixou de cair no semiárido, o rio que transborda no Sul. Incêndios que varrem biomas inteiros, deslizamentos que soterram casas, ilhas de calor que fazem as cidades ferverem, rios contaminados que invadem espaços urbanos. Em um país de extremos, o Brasil vive um clima cada vez mais tenso – e letal.
Mas os corredores climatizados e as sessões ordinárias, tanto no Congresso Nacional quanto na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), parecem respirar outro ar. Viral foi atrás dos deputados que representam a Baixada Santista para entender o que pensam – ou deixam de pensar – sobre um problema que há tempos deixou de ser previsão e virou manchete: a crise climática.
A análise do colunista político Sandro Thadeu, do Portal BS9, funciona como um mapa para interpretar as respostas que ouvimos nos bastidores do Legislativo sobre a ação climática. Os deputados, estaduais ou federais, são peças estratégicas no xadrez da política pública. “Eles têm grande influência”, observa. Com esse poder de fogo, podem pressionar secretarias, governos, ministérios – redirecionar verbas, articular políticas, destravar projetos.
Thadeu considera que a atuação parlamentar é ainda mais necessária porque muitos dos municípios, especialmente na Baixada, não têm recursos suficientes para tocar obras complexas. “Essas obras de macrodrenagem são milionárias. Santos precisou recorrer a um empréstimo internacional para viabilizar obras na Zona Noroeste”, lembra. O jornalista se refere ao sistema que inclui a Estação Elevatória, instalada em 2023, no bairro Castelo, com financiamento do Banco de Desenvolvimento da América Latina.
É nesse cenário que os parlamentares podem – e devem – agir com firmeza. “Eles votam o orçamento da União e do Governo do Estado e têm o poder de direcionar recursos para projetos de prevenção, mitigação de desastres naturais e adaptação às mudanças climáticas”, explica.
Ele chama atenção para outro ponto: a estrutura da Defesa Civil, geralmente precária. Deputados, segundo ele, têm o poder de destinar verbas para fortalecer esse sistema essencial, inclusive via emendas parlamentares. “Cada deputado federal tem, neste ano, R$ 37,2 milhões em emendas impositivas. Metade disso tem que ir para a saúde, mas a outra metade pode ser direcionada a áreas como essa”. No plano estadual, o valor é menor, mas a lógica é a mesma: “R$ 12,6 milhões em emendas impositivas, sendo metade obrigatoriamente para a saúde”.
Mais do que repassar dinheiro, os parlamentares têm instrumentos de pressão e fiscalização que não podem ser ignorados: audiências públicas, requerimentos, CPIs. “Eles devem cobrar explicações da Sabesp, da CPFL, da Elektro, da Comgás, do governo. Chamar a sociedade para opinar”, defende. Para Thadeu, o poder de influência do deputado vai além do voto ou da tribuna: está em como – e onde – ele escolhe fazer barulho.
E é justamente para entender como os representantes da região estão usando – ou deixando de usar – essa força política que procuramos os deputados da Baixada Santista para entender o que pensam, como votam e qual o envolvimento de cada um com relação às mudanças climáticas.
A reportagem entrou em contato com todos os parlamentares da região, tanto na esfera federal quanto estadual, com perguntas objetivas sobre ciência, ações legislativas e a atuação frente aos efeitos do aquecimento global. O objetivo foi medir o grau de engajamento, conhecimento e responsabilidade de cada um frente a um tema que já impacta diretamente a vida da população da Baixada.
No Congresso Nacional, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) e Rosana Valle (PL) atenderam a reportagem. Em contrapartida, Delegado da Cunha (PP) disse que tem "outras prioridades".
Acredita nos estudos científicos sobre a elevação do nível do mar e os alagamentos na Baixada Santista?
“Não há como negar que esta é uma possibilidade, visto que pesquisas científicas indicam que, com o avanço do aquecimento global, há uma probabilidade significativa de que cidades costeiras, como as da Baixada Santista, sofram com o avanço do mar, o que trará impactos ambientais, sociais e econômicos relevantes”.
Quais foram os trabalhos apresentados na Câmara Federal sobre a questão das mudanças climáticas?
“Tenho atuado de forma firme na Câmara dos Deputados em relação às mudanças climáticas. A PEC 31/2024 propõe a criação do Conselho Nacional de Mudança Climática, da Autoridade Climática Nacional e de um Fundo Nacional de Mudança Climática, uma proposta estruturante, que busca fortalecer a governança climática no país. Também apresentei projetos com medidas emergenciais voltadas ao Rio Grande do Sul”.
As medidas tomadas até agora pelas prefeituras da Baixada Santista são suficientes para conter os efeitos das mudanças climáticas?
“As ações adotadas pelas prefeituras da Baixada Santista representam avanços importantes no enfrentamento das mudanças climáticas. Durante nosso mandato à frente da Prefeitura de Santos, implantamos medidas relevantes nesse desafio, como o Plano de Ação Climática (PACS), que define metas concretas de adaptação e redução de emissões. No entanto, diante da velocidade e intensidade com que os efeitos do clima têm avançado, essas medidas ainda precisam ser complementadas, tanto em Santos quanto nas demais cidades da nossa região”.
Foto por: Renato Araujo/Câmara dos Deputados
Acredita nos estudos científicos sobre a elevação do nível do mar e os alagamentos na Baixada Santista?
“Sim, dados comprovam que o aumento do nível do mar e eventos climáticos estão afetando todo o mundo".
Quais foram os trabalhos apresentados na Câmara Federal sobre a questão das mudanças climáticas?
“O projeto de lei 654/2023 propõe medidas para aumentar a proteção em situações de calamidade, especialmente durante eventos extremos. Durante minha campanha à Prefeitura de Santos, usei esse tema para destacar a necessidade de soluções integradas. Contudo, apesar dos grandes investimentos e empréstimos contraídos pelas últimas gestões, os problemas de enchentes permanecem sem solução efetiva”.
As medidas tomadas até agora pelas prefeituras da Baixada Santista são suficientes para conter os efeitos das mudanças climáticas?
“Não. Acredito que ações isoladas não sejam suficientes para enfrentar esse desafio. Mesmo com grandes empréstimos – que visam obras de macrodrenagem, desassoreamento e contenção de encostas – os alagamentos continuam afetando a cidade. Isso demonstra que, embora sejam necessárias intervenções em cada município, as águas pluviais não respeitam fronteiras administrativas. É fundamental integrar os esforços para reduzir os impactos dos eventos climáticos extremos de forma sustentável e coordenada”.
Foto por: Divulgação/Câmara dos Deputados
Se a maré sobe e o céu desaba, o silêncio se instala – ao menos entre os que deveriam falar por nós. Diante do avanço do mar e do risco que ameaça a linha costeira da Baixada, mais da metade dos representantes da região na Alesp escolheu o mutismo. Paulo Corrêa Jr. (PSD), Paulo Mansur (PL) e Tenente Coimbra (PL) não responderam às perguntas da reportagem. Da assessoria de Coimbra, veio a justificativa de que o deputado se recupera de uma cirurgia e que “possui outras pendências”. Já Caio França (PSB) e Solange Freitas (União Brasil) não se furtaram ao debate e compartilharam suas impressões sobre um futuro que já bate à porta com os pés molhados.
Acredita nos estudos científicos sobre a elevação do nível do mar e os alagamentos na Baixada Santista?
Sabemos que os riscos são significativos devido à elevação do nível do mar e ao aumento da frequência de eventos climáticos extremos, como ressacas. O estudo científico configura uma ferramenta essencial para o Poder Público”.
Quais foram os trabalhos apresentados na Alesp sobre a questão das mudanças climáticas?
"Tenho projetos que falam sobre política de mobilidade urbana sustentável, energia renovável e monitoramento da qualidade do ar”.
As medidas tomadas até agora pelas prefeituras da Baixada Santista são suficientes para conter os efeitos das mudanças climáticas?
“Santos é uma das cidades pioneiras no planejamento preventivo de ações para conter os impactos do aumento dos níveis dos mares. No entanto, vivemos em uma região metropolitana, então é importante que este planejamento aconteça também de forma regional e que todos possam contribuir para esse enfrentamento, adotando medidas preventivas diante daquilo que deixou de configurar imprevisibilidade”.
Foto por: Fábio Costa/Alesp
Acredita nos estudos científicos sobre a elevação do nível do mar e os alagamentos na Baixada Santista?
“Devemos ficar atentos. As cidades da região já sentem os reflexos dos fenômenos naturais em ressacas mais intensas, quando determinados trechos de bairros alagam mesmo sem chuva, somente pela alta da maré”.
Quais foram os trabalhos apresentados na Alesp sobre a questão das mudanças climáticas?
Quando se fala em mudança climática, não podemos apenas relacionar às chuvas e às ressacas. O calor intenso também reflete na vida das pessoas e vimos isso recentemente com a sequência de ondas de calor no verão. Com isso, tenho lutado pela climatização dos ônibus intermunicipais. Na Baixada Santista, conseguimos 100 veículos com ar-condicionado com a possibilidade de vir mais ônibus ainda este ano”.
As medidas tomadas até agora pelas prefeituras da Baixada Santista são suficientes para conter os efeitos das mudanças climáticas?
O trabalho é amplo e árduo. Envolve remoção de famílias, melhorias em encostas, enfrentamento das ressacas, do forte calor, das podas de árvores para evitar tragédias... Isso requer recursos e passa pelo meu trabalho de parlamentar acionar o Estado quando sou procurada pelas prefeituras”.
Foto por: Divulgação/Alesp
No fim, o clima esquenta, mas o debate segue frio. Entre respostas protocolares, omissões e notas lapidadas pelas assessorias, o que se conclui é que os parlamentares ainda tratam a crise climática como uma pauta fria. Mesmo com verbas disponíveis, instrumentos de pressão e influência direta sobre o orçamento, boa parte dos deputados da Baixada Santista prefere ver as enchentes e desastres que atingem o litoral do alto da serra.
O cenário exige ação coordenada, planejamento regional e enfrentamento de temas complexos como habitação em áreas de risco, drenagem e adaptação urbana. Mas, por enquanto, o que se vê é um desequilíbrio não apenas climático, mas também político.
Diogo Andrade
DadosGustavo Pimentel
RedatorGustavo Sampaio
DiagramadorRodrigo Cirilo
FotosFoto de capa: Fabiana Domingues de Lima/Wikimedia Commons