Crise ambiental, desastres extremos e o bombardeio constante de más notícias estão deixando marcas na saúde mental. Conheça o impacto silencioso da mudança climática nas emoções e por que transformar medo em ação virou uma urgência coletiva
O calor sufocante que paira sobre as cidades, o céu avermelhado pelos incêndios florestais e a urgência nos alertas de desastres naturais. Se antes as mudanças climáticas pareciam um assunto distante, hoje são parte do cotidiano – e não apenas no aspecto ambiental. Há um novo tipo de sofrimento em ascensão, silencioso, mas cada vez mais presente: a ansiedade climática.
Mais do que um sentimento passageiro, essa forma de angústia ganhou nome, foi estudada e agora começa a ser reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como um desafio de saúde mental global, principalmente entre as novas gerações, que deverão lidar com um planeta em transformação.
Foto: Gabriel Zanuti
Também conhecida como eco-ansiedade, a ansiedade climática é definida por especialistas como uma resposta emocional crônica à crise ambiental e seus impactos – reais ou antecipados. É o medo constante de um futuro em colapso. E esse medo não é infundado.
Sintomas como preocupação excessiva com o futuro, sensação de impotência, culpa ecológica, tristeza, irritabilidade, insônia e até crises de pânico estão entre os mais comuns. Um estudo global realizado em 2021 por pesquisadores do Reino Unido, Finlândia e Estados Unidos com 10 mil jovens de 16 a 25 anos, incluindo brasileiros, mostrou que mais de 60% deles se dizem “muito” ou “extremamente preocupados” com as mudanças climáticas. No Brasil, os índices de preocupação foram ainda maiores: 86% dos jovens brasileiros consideram o futuro assustador, e 45% afirmam que esses sentimentos afetam negativamente sua vida diária.
Outros grupos também estão mais expostos, como os moradores de áreas de risco. Um exemplo disso é a história da Beatriz Luz, de 20 anos, estudante de Publicidade e Propaganda na Universidade Santa Cecília, vive no morro da Vila Baiana, no Guarujá. Ela relata que na última chuva forte, em fevereiro de 2025, a sirene não parava de tocar durante a madrugada. “A gente não sabia se o morro ia deslizar, se daria tempo de sair. Foi um terror silencioso”. No meio de tudo aquilo, teve uma crise. Seus pais, também abalados, fizeram o que puderam para acalmá-la. “É um medo que paralisa, que toma conta do corpo”.
Em um artigo publicado na Forbes Brasil, intitulado "Ansiedade Climática: Como a Seca Pode Afetar Sua Saúde Mental", o professor Arthur Guerra, da Faculdade de Medicina da USP e da Faculdade de Medicina do ABC, discute o impacto psicológico profundo dos fenômenos climáticos, especialmente quando experimentados de maneira direta. Ele destaca que a seca e as enchentes no Brasil têm gerado um aumento significativo nos casos de ansiedade e depressão, com um impacto ainda mais severo em populações vulneráveis.
Mas o problema vai além do que acontece do lado de fora. A internet e a superexposição às más notícias ambientais também influenciam. Davy Bastos, estudante de psicologia da Universidade Santa Cecília, 23 anos, revela que "a internet piora tudo" e que sente que é constantemente bombardeado com informações negativas sobre o planeta, chegando uma hora em que "você trava".
Essa sobrecarga de más notícias, sem soluções visíveis, gera o que especialistas chamam de “paralisia climática”: a ideia de que nenhum esforço individual é suficiente para reverter o cenário, alimentando a frustração e a impotência.
A ansiedade climática atinge todas as idades, mas é especialmente forte entre os jovens. Uma pesquisa realizada pela Unicef Brasil em 2024 com 3 mil jovens entre 16 e 24 anos apontou que 57% deles sentem altos níveis de estresse relacionados às mudanças climáticas, embora apenas 16% participem de ações ambientais.
Natália Diogo, 23 anos, ativista do coletivo santista Juventude pelo Clima, desabafa que é difícil pensar no futuro quando se sente que "não vai ter um futuro". Ela conta que sofreu uma crise de pânico durante o trajeto diário para casa no verão de 2023 — o mais quente já registrado. Na ocasião, estava em um ônibus superlotado, saindo de Cubatão rumo ao trabalho, no Canal 3, em Santos. "Eu estava antes da catraca quando comecei a sentir fraqueza e tontura. Os sons ficaram distantes… Quando voltei a mim, os passageiros estavam me chamando."
A frota da linha em que Natália viajava, operada pelo consórcio BR Mobilidade, é uma das poucas na Baixada Santista que ainda não contam com ar-condicionado em grande parte dos veículos. “Desci com ajuda dos passageiros, liguei para o meu pai, que foi me buscar. Foi desesperador”, ela lembra.
Foto: Gabriel Zanuti
Uma das formas de lidar com a ansiedade climática é compreendê-la melhor. A psicóloga Carla Meneghetti, pesquisadora da Unifesp e especialista em impactos costeiros, destaca que os estudos ambientais muitas vezes adotam uma abordagem excessivamente global, o que pode dificultar o entendimento prático de seus efeitos.
“Dizer que o nível do mar vai subir é uma coisa. Mostrar que isso pode afetar o comércio da Ponta da Praia ou as palafitas no Dique da Vila Gilda é algo completamente diferente”, explica Carla. “A ansiedade diminui quando entendemos o que está ao nosso alcance e onde isso nos afeta diretamente.”
Entre as recomendações da profissional para quem sofre com esse tipo específico de ansiedade estão: se desconectar das redes sociais com frequência; buscar contato com a natureza — mesmo em áreas urbanas —; e participar de movimentos ou projetos socioambientais locais.
A oceanógrafa Adriana Lippi, integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano, utiliza suas redes sociais para divulgar ciência e compartilhar vivências. Ela conta que divide um pouco da sua experiência de 20 anos no movimento ambientalista e do que acompanha nos grupos com os quais atua. “A ideia de luto climático ainda é relativamente nova. E, se o seu sofrimento estiver te paralisando, não hesite em procurar ajuda profissional.”
Adriana também chama atenção para as desigualdades no impacto da crise climática, ressaltando que é fácil perceber como um jovem da periferia ou um indígena que perdeu a roça por falta de chuva enfrenta preocupações muito mais urgentes do que alguém de classe média alta, que tem condições de se mudar para outra cidade ou até mesmo para outro país.
No Brasil, dois centros se destacam nas pesquisas sobre saúde mental e mudanças climáticas: o Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas em Subjetividade e Instituições (LIPSI), vinculado ao Instituto de Psicologia da USP, e o Laboratório de Psicologia Ambiental da UFRJ. Ambos desenvolvem estudos sobre o chamado “luto ecológico” e buscam oferecer estratégias e dados atualizados para enfrentar os impactos psíquicos da emergência climática.
Pesquisas apontam uma ligação direta entre a saúde mental e a exposição a riscos climáticos. Em uma matéria publicada no portal de notícias da PUC-RS, intitulada “Ansiedade Climática: o impacto psicológico das mudanças ambientais mundiais”, o psicólogo Christian Kristensen — coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse da universidade — explica que, no Brasil, a ecoansiedade é um fenômeno emocional associado a sentimentos de angústia, tristeza, impotência e até raiva diante da crise climática. Segundo ele, essas emoções podem intensificar quadros de depressão e ansiedade generalizada.
A psicologia climática, um campo ainda recente, busca entender e tratar esses impactos. Para o psicólogo e professor da Universidade Santa Cecília, Odair Dias Filho, a responsabilidade não pode ser individualizada. Ele questiona: o que o Estado está fazendo para reduzir o impacto?
Segundo ele, é preciso criar políticas públicas que tratem da saúde mental em contextos climáticos. “Estamos falando de algo que afeta o coletivo. Faltam programas de saúde, educação ambiental e responsabilidade das grandes potências. Sem isso, a ansiedade climática vai se tornar epidemia”.
Felipe Santos
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RedaçãoRafael Domingues
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