Entenda por que esse fenômeno, até então, pouco conhecido tem se intensificado ano após ano
Até poucos anos atrás, o assunto não estava nas rodas de conversa e nem nos boletins meteorológicos, mas no último verão, as ilhas de calor viraram pauta obrigatória nos escritórios, nas mesas de bar e principalmente nos postos de saúde. Santos, de uma hora para outra, ficou conhecida por ser uma das cidades que abriga o maior número de ilhas de calor em um espaço relativamente pequeno.
O fenômeno ocorre devido a um aquecimento forte do clima, que é agravado pela presença de materiais como asfalto, concreto e superfícies escuras, que absorvem e retém maior quantidade de calor. A escassez de vegetação e a impermeabilização do solo contribuem para piorar a situação, gerando zonas muito quentes que dificultam o fluxo do ar e prejudicam principalmente a saúde das pessoas idosas.
Segundo o técnico da Defesa Civil de Santos, Franco Cassol, as ondas de calor e as temperaturas acima da média registradas no verão de 2025 na Baixada Santista, sendo a mais alta 42,2ºC e sensação térmica acima de 50ºC no dia 17 de fevereiro, foram causadas por um grande bloqueio de avanço de sistemas meteorológicos, que impediu a chegada de frentes frias e ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul) e por conta disso, uma extensa massa de ar quente predominou por semanas deixando os dias muito quentes. Dessa forma, as garrafas de água, ventiladores e ar-condicionado foram os melhores amigos de grande parte da população.
O verão que era esperado pelos santistas, como um período de festividades, descanso e curtição, principalmente perto do mar, tinha a promessa de ser mais ameno por conta do fenômeno La Niña, que age resfriando as águas do Oceano Pacífico, porém não foi o que aconteceu em 2025. Aqueles que esperavam um clima agradável, tiveram que lidar com o desconforto de conviver com o aumento na temperatura, fora e dentro de suas casas.
“Neste verão estávamos sobre a condição do La Niña, que teoricamente desfavoreceria as ocorrências das ondas de calor. No verão anterior, de 2023 para 2024, estávamos sob o El Niño, que é o oposto do La Niña e favorece para que o clima tenha temperaturas mais altas, o que realmente acabou se confirmando, mas este ano realmente não seguiu o parâmetro normal, foi algo atípico”, diz Cassol.
O técnico explica que o fenômeno das ilhas de calor é relativamente comum nas metrópoles e ressalta que existe uma diferença entre elas e as ondas de calor. As ondas são um resultado de um bloqueio atmosférico, já as ilhas de calor são uma combinação de excesso de concreto e falta de arborização e vegetação original em algumas áreas de cidades grandes.
Quanto maior a cidade, mais ilhas de calor surgem e mais intensas elas são: “Materiais como concreto e alumínio possuem uma capacidade calorífica muito alta. Eles não conseguem absorver CO2 e rapidamente esquentam. Pensando em uma metrópole como São Paulo, o índice de ilhas de calor é muito alto. Na Baixada Santista, bairros mais concentrados no centro das cidades têm mais chances de se tornarem locais de ilhas de calor”.
Outro fator que pode contribuir para o aumento das temperaturas na região são os ventos vindos do Noroeste, que se deslocam do interior do estado e da capital em direção às cidades litorâneas. Esses ventos atravessam a Serra do Mar e chegam à costa com temperaturas mais elevadas.
Isso acontece porque o ar que vem dessas altitudes mais elevadas possui uma movimentação vertical que provoca compressão, o que gera aquecimento. Esse processo é contrário ao que ocorre na formação das nuvens, quando o ar de camadas mais baixas sobe, se expande e resfria, mesmo que inicialmente esteja quente.
O aumento da temperatura tem deixado inúmeras consequências, principalmente à saúde. Pessoas com comorbidades como hipertensão enfrentam dificuldades em lidar com temperaturas altas:
“O calor, em algumas circunstâncias, gera um aumento da frequência cardíaca, o que leva a uma sobrecarga e uma desidratação do sistema cardiovascular, principalmente nos mais vulneráveis. Isso porque o calor modifica a homeostase, que é o processo pelo qual o corpo mantém seu ambiente interno estável e equilibrado, mesmo quando ocorrem mudanças no ambiente externo do corpo humano. Idosos e crianças têm uma porcentagem de água corporal menor do que um jovem adulto, portanto, eles desidratam mais facilmente em uma situação de calor extremo”, aponta o médico infectologista e vereador em Santos, Marcos Caseiro.
Mas o calor não vem sozinho. Ele costuma vir acompanhado de velhos inimigos em novas versões. Entre eles, o mais persistente: a dengue. “A grande questão é que o calor excessivo facilita a proliferação do mosquito da dengue e favorece o surgimento de doenças como Chikungunya, Zika e febre amarela Nós tivemos chuva e calor o ano inteiro. Tendo uma temperatura média acima de 20°C, haverá a replicação do mosquito e, consequentemente, a transmissão do vírus”.
E quando o calor sufoca, o que resta? A resposta é tão simples quanto desafiadora: água. “A orientação mais importante para prevenir doenças relacionadas ao calor é a hidratação, não há outro caminho. É importante usar roupas leves, evitar atividades físicas nos períodos de mais calor, deixar o ambiente arejado, com uma circulação de ar e principalmente manter o nível de hidratação adequado”.
Sobre a possibilidade de calor excessivo nos próximos anos, Cassol acredita que é difícil prever, pois efeitos como El Niño e La Niña, que contribuem para a alteração das temperaturas, só são previsíveis de quatro a cinco meses antes, mas o histórico global indica uma possível piora na situação.
Em 2024, a temperatura do planeta bateu o recorde alarmante de 1,6ºC de elevação no aumento da temperatura média global em relação aos níveis pré-industriais superando o ano de 2023 As projeções do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) apontam que nas próximas décadas as temperaturas subirão ainda mais. Há previsões de aumento de 1,5ºC a 2,0ºC até 2040 e até 5ºC de elevação até 2100.
A verdade é que, mesmo que os números possam parecer distantes e até insignificantes, o efeito cumulativo do aumento da temperatura, do nível do mar e dos extremos climáticos já começa a desenhar um futuro cada vez mais incerto, e mais urgente.
Briza Pirré
DadosDaniel Soares
fotosPedro Postigo
DiagramadorYasmim Ribeiro
Redator