Os riscos de incidentes com as descargas elétricas são maiores em praias do que no interior das cidades
A Baixada Santista tem registrado nos últimos verões um aumento na incidência de raios. Uma das causas para o fenômeno, segundo o Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é a combinação de uma geografia que facilita a formação de tempestades e o aumento de temperatura. Para que se tenha uma ideia, neste ano de 2025 foram registrados mais de 10 mil raios em um único dia na região. Isso aconteceu no mês de fevereiro e significou um avanço, se comparado a tempestades anteriores, como a ocorrida no verão de 2020, que registrou em um mesmo dia, pouco mais de oito mil descargas elétricas.
Para entender o que está atrás da formação dessas descargas é preciso prestar atenção a uma combinação explosiva entre umidade, calor e instabilidade atmosférica, o que leva à formação de nuvens carregadas de eletricidade. Com as mudanças climáticas, os riscos de acidentes com raios aumentam significativamente.
Dados do mês de fevereiro/2025 (SITE)
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Com o aumento da incidência de raios em toda a Baixada Santista nesses últimos cinco anos, o estado de São Paulo foi o terceiro com o maior número de óbitos causado por raios no Brasil, saltando para segundo lugar no ranking, de acordo com levantamento do INPE.
ELAT informa que a chance de uma pessoa ser atingida diretamente por um raio é muito baixa, sendo em média menor do que 1 para 1 milhão. Contudo, se a pessoa estiver numa área descampada embaixo de uma tempestade forte, esta chance pode aumentar em até 1 para mil. Pesquisas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Instituto de Tecnologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro apontam que a probabilidade de uma pessoa sobreviver sendo atingida por uma queda de um raio é de 2%. Essa probabilidade reflete nos dados registrados entre os anos 2000 a 2019, quando foram registrados 327 óbitos por descargas elétricas em São Paulo, segundo o estudo do ELAT. Com o aumento dos raios nas regiões a cada ano, a tendência são esses números em duas décadas aumentarem.
A bióloga Marizete Bandini, 64 anos, que sobreviveu a um acidente com raio quando tinha 18 anos, ainda tem fresco na memória o impacto de receber uma descarga elétrica. O acidente aconteceu quando ela estudava na Universidade Estadual Paulista, em Rio Claro. Marizete conta que foi um dia estranho, “porque o céu estava cinzento, mas não havia nuvens”.
Ela e mais dois amigos da escola, Suzana e Zé Carlos, esperavam uma carona. O raio caiu quando eles estavam prestes a entrar no carro e foram atingidos com intensidades diferentes. “Fiquei desacordada, a Suzana ficou com queimaduras no corpo e Zé Carlos ficou bem mal. Eu logo me recuperei e fomos levados para o hospital. Suzana ficou em coma uma semana e depois veio a óbito. Zé Carlos foi transferido para um hospital em Campinas, sua cidade, onde ficou internado alguns meses em estado vegetativo e depois também faleceu”.
Passados dezenas de anos, a recordação da tragédia ainda é amarga. “Foi muito traumático porque eu fui a única sobrevivente. É muito difícil, porque você carrega uma culpa por estar vivo, mas com o tempo você vai superando tudo o que aconteceu.
Mas quais são as causas de tantos raios na região da Baixada Santista? A tendência é que a incidência de raios aumente cada vez mais com as mudanças climáticas? Melissa Dias, metereologista do Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas da Unisanta tem respostas para essas questões. “A alta incidência de raios na região é resultado da combinação entre calor, umidade e o relevo local. A proximidade com o oceano favorece a constante entrada de umidade, especialmente durante o verão”.
Além disso, segundo a metereologista, a presença da Serra do Mar contribui para a elevação do ar úmido — seja por ventos como a brisa marítima ou pela passagem de sistemas frontais (frentes frias) —, o que favorece a formação de nuvens do tipo cumulo nimbus. “Essas nuvens têm desenvolvimento vertical e estão frequentemente associadas a tempestades e descargas elétricas”, acrescenta.
As mudanças climáticas representam um conjunto de alterações a longo prazo nos padrões do clima, incluindo o aumento da temperatura média do planeta, eventos climáticos extremos e outras mudanças que podem impactar no aumento da incidência de raios.
Adriano Bastos
EditorDaniel Simões
RedatorFelipe Belmonte
Fotógrafo