O voo silencioso
das limícolas
O voo silencioso
das limícolas
A vida de um biólogo entre as rotas das aves e as mudanças climáticas.
O som dos pássaros representa a natureza de diversas formas. É como uma confirmação de que, naquele momento, estamos entre árvores, vegetação, flores ou no entorno calmo das praias. Um contraste marcante com o ambiente agitado da vida urbana, onde as aves são silenciadas pelas buzinas dos veículos e pelo ruído constante da cidade.
Para o biólogo e ornitólogo Bruno Lima, 43 anos, as aves são como amigos de longa data, parte essencial de sua rotina e fonte de harmonia para os seus dias. Ele vive a profissão mesmo nos momentos de descanso. Ao lado da esposa, Karina, também bióloga,dedica a vida aos “velhos amigos”.
“Nas horas vagas, quando não estamos trabalhando, sempre fazemos algo pela natureza, participando de ações de educação ambiental, mutirões de limpeza de praia ou encontros de observação de aves”, conta Bruno, com o olhar de quem fala não apenas de trabalho, mas de um modo de viver.
Os dois se conheceram em 2014, em um grupo do Facebook. Bruno estava a procura de revistas para publicar seus artigos, quando a imagem de Karina vivendo em Chihuahua, no México, chamou sua atenção. Movido pela curiosidade e talvez por algo mais, Bruno enviou uma solicitação de amizade. Ela aceitou no dia 21 de abril e em 24 de setembro ele atravessou o continente para conhecê-la. Dois meses depois, os dois uniram não apenas suas vidas, mas também suas pesquisas, um casal que fez do amor e das aves o mesmo voo.
Foto: Karina Ávila
Foto: Karina Ávila
O interesse pela biologia vem desde a infância. Os olhos brilham quando lembra dos pensamentos de um garoto sonhador que tinha a vontade de mudar o mundo. “ Nunca aceitei espécies ameaçadas e miséria. Acho que a maioria de nós, né? Vi na biologia uma forma de poder mudar o mundo, me dedicando aos animais”.
Formado em Biologia Marinha em 2006 pela Universidade Santa Cecília, o pesquisador viu seus colegas seguirem explorando a vida subaquática, enquanto ele se encantou por outra vertente.
As limícolas
Dentro do carro, na companhia da família, o biólogo segue pela estrada no escuro da noite, encerrando mais um dia de trabalho em campo, depois de horas observando as limícolas, sua especialidade. Essas aves migratórias vivem à beira-mar e se alimentam de pequenos moluscos e outros vermes marinhos. Bruno é membro do Projeto Aves Limícolas, voltado à pesquisa, à educação ambiental e à elaboração de políticas públicas voltadas à preservação dessas aves e de seus habitats.
Diretamente afetadas pelas mudanças climáticas, as limícolas são constantemente ameaçadas pelo avanço do mar e pelos efeitos do aquecimento global, funcionam como um verdadeiro termômetro dessas mudanças.
Ele faz uma breve pausa antes de completar: “Inclusive, elas enfrentam ciclones e ventos mais fortes durante suas rotas migratórias, especialmente na Jamaica, que fica exatamente no caminho da rota Atlântica.”
Com o passar do tempo, a situação dessas pequenas aves se torna cada vez mais alarmante. Bruno vive uma corrida contra o tempo para compreender por que elas têm deixado de aparecer. Integrante do Conselho Nacional das Aves Limícolas, ele e seus colegas buscam entender os efeitos climáticos que vêm transformando silenciosamente o comportamento e a sobrevivência dessas espécies.
“Meus colegas já demonstraram que os bichos que iam para o Rio Grande do Sul não estão chegando no estado, como por exemplo o maçarico de papo vermelho, que está ficando mais para o nordeste, talvez por conta das inundações no Sul. De modo geral, essas aves estão em declínio, como maçaricos e batuíras.”
Foto: Karina Ávila
Morador de Peruíbe, o ornitólogo observa que na Baixada Santista o descanso das aves é um desafio constante por causa de um fenômeno pouco comum que vem transformando o cenário costeiro: os ventos intensos provocados por ciclones, cada vez mais frequentes no litoral, em razão do aquecimento global, alteram rotas, comportamentos e o frágil equilíbrio entre as aves migratórias e o ambiente que as acolhe.
“Estamos vendo fenômenos aqui que antes não tínhamos, como os ciclones. No Atlântico Sul diziam que era impossível esses ventos aparecerem por aqui.”
Não apenas como pesquisador, mas como alguém que respira o ritmo da vida ao ar livre. Ao lado da esposa, desenvolve uma pesquisa de campo para o doutorado dela sobre o piro-piro, uma pequena ave costeira que costuma se reproduzir em grande número na Ilha Comprida. Este ano, porém, a paisagem revelou um silêncio inquietante. Quase não encontraram ninhos.
As fortes ressacas que atingiram o litoral duas vezes apenas neste mês levaram areia, conchas e esperança destruindo áreas propícias para a construção de ninhos e deixando marcas visíveis de um ambiente em transformação. Para o casal, que acompanha de perto cada mudança na maré e no comportamento das aves, é como assistir à natureza tentando resistir ao colapso. Eles sentem na pele o impacto das mudanças climáticas.
Redator
Diagramador
Entrevistadora