A aula está para começar. São 13h05, os alunos conversam animadamente e sequer percebem que o tempo passou. Até que a professora Márjori, com seus cabelos ruivos e óculos redondos, surge na porta projetando uma sombra de fora para dentro da sala de aula. Ela abre a porta, dá um passo adiante, ergue a cabeça de forma a impor um ar de autoridade e já começa a escrever na lousa. Interrompe a escrita para explicar o sentido das palavras, gesticula, provoca e lança perguntas aos desavisados.
Faz todo esse movimento sem deixar de reparar naqueles que estão de fato prestando atenção na aula e nos que continuam na conversa. De repente ela para e se aproxima do aluno tagarela. Com a mesma caneta grossa e azul de escrever na lousa, rabisca o braço do aluno, em meio à gargalhada da turma. O gesto espontâneo e descontraído, tem apenas o propósito de capturar sua atenção para a matéria.
Adorada pelos alunos, ela faz questão de que todos participem da aula, do mais introvertido até ao mais extrovertido, com perguntas sobre a matéria e com respostas sobre questões do livro.
Depois do fim da aula, alguns alunos compartilham suas opiniões sobre a professora. Um deles, Marcus Vinícius, elogia o profissionalismo de sua mestra. “É uma grande amiga, sempre está nos momentos bons e ruins ajudando todos nas matérias e nas provas. Espero que ela possa ser feliz da forma que ela trabalha para o resto da vida”.
Se dentro de aula Márjori é uma profissional séria, fora é uma pessoa divertida e carismática.
A aluna Letícia Savioli gosta desse estilo divertido da professora. “Ela é uma pessoa encantadora, as aulas são incríveis e a didática é muito boa, enfim, é uma pessoa que eu amo muito.
Julia Dacol também tem um carinho enorme pela bióloga. “Ela gosta muito de conversar e ensinar, sempre inovando em sua aula e está sempre disposta a ajudar qualquer um, sem distinção”.
Professora de Ciências na Escola Progresso Bilíngue, Márjori Amaral Henrique busca desvendar os mistérios da natureza, usando a tecnologia como suporte pedagógico. Junto com os alunos, ela criou o podcast Ciência em Progresso, que está na grade do canal Radioatividade do Youtube. O conteúdo desenvolvido trata das questões mais urgentes ligadas ao meio ambiente.
O programa trata das ciências da natureza e normalmente é composto por três disciplinas, Biologia, Física e Química. O projeto, no formato de uma roda de conversa entre alunos, professores e, eventualmente, de convidados, busca colocar em debate o que agride e o que recupera os ecossistemas.
Durante a semana os alunos pes quisam sobre o tema escolhido e dão ideias de temas para episódios posteriores.
“A função dos estudantes é muito mais do que só trabalhar no programa ao vivo, é ajudar a criar um repertório para que eles consigam fazer uma redação, ou até mesmo em seu dia a dia dialogarem sobre assuntos relacionados ao meio ambiente”.
A vocação para ensinar vem da infância. Desde pequena, Márjori era fissurada pela professora Marília, dona de grandes unhas grandes e óculos chamativos. Chegou a buscar na farmácia de seus pais, em um antigo mostruário de esmaltes, o formato das unhas da professora. Recortava, colava com durex na ponta dos dedos e depois pedia uma pequena lousa para dar aula às plantas da farmácia. Ainda hoje, um de seus passatempos, além de joguinhos no celular, é o cultivo de plantas para presentear seus amigos, colegas e familiares.
Imitar a professora Marília foi um passo determinante para a escolha de sua carreira. Hoje, aos 59 anos, Márjori dedica quase toda jornada a ensinar. E foi tão fiel à sua vocação que optou por não constituir família, sem qualquer razão mais específica. Não que família seja para ela um tema pouco importante. Ao contrário, ela gosta de lembrar, com uma ponta de nostalgia, das suas histórias com o pai, Geraldo Amaral, um farmacêutico de Potirendaba, cidade do calorento noroeste paulista. Todos os anos ela ajudava o pai, católico fervoroso, a enfeitar as ruas da cidade para as comemorações do Corpus Christi. “Meu pai sempre me levava para brincar de criar bonequinhos de barro na beira dos riachos”.
Quando tinha apenas 5 anos, a família mudou-se para a Baixada Santista. O pai queria que filhos vivessem em uma cidade maior para terem um futuro melhor. Moraram 25 anos em São Vicente no andar de cima da nova farmácia do seu Geraldo, e todos ajudavam no dia a dia do comércio. A professora lembra que o bairro era muito pobre, tanto que os vizinhos enxergavam a família como médicos e pediam ajuda até na madrugada, caso algum familiar estivesse passando mal.
Márjori bem que tentou fazer a vontade dos pais e chegou a cursar o primeiro ano de Farmácia, mas, surpreendentemente, odiou a experiência.
Márjori estava com 30 anos quando a família Amaral resolveu mudar para Santos. Foi quando ela se inscreveu no curso de Biologia. Na época, ela não pensava em dar aula, mas sua irmã, professora de Ciências, fez um convite forçado para que assumisse temporariamente o lugar de uma professora que se mudara para a Itália.
Por influência do seu Geraldo, a professora traz ainda na mente e no coração os ritos e santos católicos, mas admite não ser uma praticante e confessa uma certa simpatia pelo espiritismo. Foi ensinada a fazer o bem e acreditar em algo maior, não especificamente em algo ou alguém que tenha um nome.
Fé e ciência fazem hoje uma combinação perfeita na rotina de Márjori para conseguir conscientizar não só os alunos, mas cidadãos a pensarem sobre consequências futuras relacionadas ao meio ambiente.
Trazendo o assunto para a politização da pauta ambiental, a professora acredita que os políticos que negam de todas as maneiras a existência das mudanças climáticas visam só o lucro, muitos estão mais preocupados em defender as empresas e seus interesses pessoais e comerciais.
Mas o cidadão comum negar a existência dessas mudanças, segundo ela, chega a ser um absurdo. “O cidadão que é conhecedor, já frequentou escola e é uma pessoa culta, não há razão para que ele negue, a não ser que ele esteja ganhando alguma coisa com isso ou é ideologia política”, acredita.
Pessoalmente ela reconhece que o problema do clima é de fato uma ameaça. “Eu moro em Santos há quase 20 anos e sempre morei a uma quadra atrás do Aquário, onde sempre tinha uma grande faixa de terra, que chegava do restaurante Tertúlia até o canal 6. Com o passar dos anos, o mar foi tomando esse espaço”.
Na avenida Epitácio Pessoa, onde ela reside, não ocorriam problemas com enchentes, mesmo com chuvas intensas, mas ultimamente tem sido uma constância esse problema. Há dias que ela não consegue nem sair de sua residência.
“Não tenho uma visão positiva do que venha a acontecer sobre essas mudanças, minha visão é bem negativa ao ponto do insuportável. Já fizemos vários podcasts sobre essa agressão que o homem faz ao meio ambiente que interfere diretamente nesse assunto global”.
E ela também enfatiza que a responsabilidade todo mundo tem que ter, mas a consciência é melhor do que a atitude. E ela finaliza que temos que ter voz, como fazer manifestos, buscando autoridades para esses tipos de situações, que vão abrir o problema para a sociedade, do que só ficar em casa separando lixo limpo. “Todo mundo precisa entender que todos fazem parte desse planeta e que ninguém está sozinho”.