À frente de um espaço de inovação cidadã, Mauro Fecco constrói pontes para neutralizar os efeitos da crise climática na região
O ambiente transmite uma serenidade difícil de explicar. Há algo no ar, uma vibração que talvez não se perceba fisicamente, mas que está ali, presente em cada detalhe. O espaço se molda à voz de Mauro Fecco, coordenador de Inovação do Instituto Procomum, enquanto ele fala sobre urbanismo, justiça climática e a urgência de agir.
Em um refúgio de ideias no bairro Vila Nova, em Santos, ele lidera a Rede Polo Clima, uma iniciativa do Instituto Procomum, com o objetivo de enfrentar os desafios das mudanças climáticas e promover a justiça climática na região a partir de uma rede colaborativa.
O projeto articula laboratórios cidadãos, oficinas de formação e ações comunitárias que conectam o combate à crise climática ao cotidiano das pessoas. Entre as práticas, estão o Clima LAB, espaço de experimentação e criação de soluções sustentáveis, e o fortalecimento da governança do Plano Municipal de Ação Climática (PACS), envolvendo moradores em decisões sobre o território.
Nas paredes, obras de arte chamam a atenção pela simplicidade e força simbólica. Atrás dele, uma caixa d’água gigante exibe uma pintura em tons azulados e roxos. Mais adiante, um pequeno santuário, hoje danificado, ainda guarda vestígios de um brilho antigo. É nesse cenário que Mauro fala com naturalidade sobre a desconexão da realidade:
“As pessoas que não vivem essa realidade, que não estão próximas a essas áreas vulnerabilizadas, não veem. E o ser humano só acredita no que vê — é como São Tomé: tem que ver pra crer.”
Sem se prender a dogmas, Mauro se define como alguém aberto à espiritualidade, atuando em um espaço que representa um refúgio de ideias com impacto direto em questões urgentes.
Espaço comum para as ideias
Ao nos apresentar o espaço, ele se atrapalha com um grande chaveiro e comenta, sorrindo: “Nossa, são muitas chaves... não sei se isso é o caos ou um sinal das oportunidades que temos aqui.” Definitivamente, é o segundo. Em cada sala e parede, percebe-se que o lugar é fruto de muitas mãos e vozes. Uma construção coletiva, movida por um propósito em comum: fazer a diferença.
Ao assumir a coordenação do projeto Rede Polo Clima em 2024, Mauro logo entendeu que seria necessário olhar para o passado. Antes de continuar cada projeto, ele busca compreender tudo o que foi construído, não apenas em números, mas em relações humanas. Assim, inicia um processo de mapeamento das iniciativas, um trabalho que ele faz questão de destacar como coletivo.
“Junto com toda a equipe — porque a equipe é maravilhosa — a gente vai entendendo o que pode absorver de construtivo”, explica. “Aqui no Procomum, a gente acredita muito que não faz nada sozinho. Tudo passa pelas pessoas.”
Nesse momento, Mauro reflete sobre como esse olhar colaborativo se conecta ao urbanismo, campo que o encantou por unir o pensamento técnico ao compromisso social. Ele se sente privilegiado por, através de seu trabalho, proporcionar experiências transformadoras a estudantes, moradores e lideranças comunitárias.
Compreensão em meio ao caos climático
Mesmo em meio à calmaria do espaço, Mauro não hesita em falar sobre o caos das crises climáticas que atravessam o mundo. “Como ser social, como cidadão, a gente sempre tem uma posição política, e a gente tem nosso viés de conhecimento, as coisas que nos movem, né?”, reflete.
Ao observar Santos, ele reconhece sinais evidentes de mudança: o bairro Rádio Clube enfrenta enchentes mesmo sem chuva; o nível do mar segue em elevação; e prédios históricos dão lugar a espigões voltados à especulação imobiliária. Essas percepções o levam a estudar o território e a compreender como as transformações afetam a vida cotidiana. Ele destaca que, por ser uma zona litorânea, Santos sofre de forma particular, com estações desreguladas e temperaturas instáveis.
No entanto, os efeitos não recaem de forma igual sobre todos. São as populações mais vulnerabilizadas que sentem primeiro e com mais intensidade as consequências, seja por viverem em áreas de risco ou pelas limitações econômicas. Retomando a citação de São Tomé, ele reforça que não adianta fazer campanha se o tema não chega aos ouvidos de quem precisa, muitos, por negacionismo ou distância, só acreditam quando veem.
Mauro também observa que a sensibilização gerada por tragédias climáticas na mídia costuma ser passageira. A rotina retoma seu curso e a urgência se dilui. Ele alerta que as marés sobem de forma cada vez mais evidente e que obras no porto impactam diretamente a faixa costeira, o espaço comum da população.
O município de Santos é pioneiro em políticas climáticas, tendo lançado o primeiro Plano Municipal de Ação Climática (PACS) do país em 2016. Ainda assim, para Mauro, há muito a avançar.
Dentro do Clima LAB, laboratório cidadão do Procomum, já existem metas para 2030 e 2050. O coletivo se dedica a criar soluções que fortaleçam a participação cidadã e a governança do PACS. “Quando olhamos para o Plano, a questão da governança nos falou muito alto”, diz Mauro, explicando o foco em organização comunitária e na formação de cidadãos capazes de se posicionar sobre as decisões em seu território.
O Mauro das experiências
Antes, o espaço do Instituto Procomum abrigava a Associação Prato de Sopa, onde o avô de Mauro já fazia doações nos anos 1990. Anos depois, o local se torna o ponto de partida para seus primeiros projetos na faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Coincidentemente, o que hoje é o Galpão Ateliê foi transformado pelo grupo de trabalho que ele integrava na época, que, em espírito lúdico, transportava materiais em um pequeno trem improvisado de bicicletas.
Sua trajetória sempre esteve ligada à produção manual e ao desejo de compreender as pessoas. Mas, antes de mergulhar na própria história, Mauro avisa: “Olha, esse processo é um pouco longo... vou tentar não ser prolixo.”
Longe disso. Sua fala é detalhista, quase artesanal. Ele conta que sua mãe trabalhava na antiga Feira Hippie, e desde cedo ele circulava entre os expositores, aprendendo e se encantando pelo fazer manual. Esse encanto o levou à música, sua primeira vocação artística. Compositor e arranjador, ele chegou a trabalhar em gravadora e tocar em bandas, mas as dificuldades do mercado o fizeram repensar o caminho.
É nesse ponto que ele retoma sua conexão com o artesanato, mas com um novo propósito. “Quando eu volto para o artesanato, decido que quero viajar — ponho a mochila nas costas e vou vivendo um dia de cada vez através da minha arte.”
É nesse ponto que ele retoma sua conexão com o artesanato, mas com um novo propósito. “Quando eu volto para o artesanato, decido que quero viajar — ponho a mochila nas costas e vou vivendo um dia de cada vez através da minha arte.”
As viagens marcam uma fase intensa, mas o corpo sente o peso dos trajetos. Ele retorna a Santos e uma nova oportunidade surge: atuar em um laboratório Maker na antiga Unimonte. “Durante toda a minha trajetória eu já tinha feito cursos de software de desenho e modelagem, porque sempre gostei disso. Então já tinha alguma experiência no mundo maker, sem saber.”
Ali, um sonho antigo volta à tona. Em 2018, com quase 44 anos, decide cursar Arquitetura e Urbanismo. Ele descobre na faculdade o urbanismo e se apaixona, percebendo como o campo dialoga com suas experiências de escuta e convivência. Em 2021, ingressa no Instituto Procomum, onde encontra um espaço para experimentar o urbanismo na prática, trabalhando com diversas comunidades e territórios.
A partir dessa experiência, Mauro passa a representar o Instituto no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) de Santos, onde atua ativamente nas discussões sobre o planejamento da cidade.
Ao final, caminhamos até a saída e, com um olhar renovado, sentimos a atmosfera do lugar ainda mais intensa. A percepção do ambiente reflete os efeitos das crises climáticas: ao atravessar a rua, um caminhão provoca uma mudança densa no entorno, empurrando plantas que caem da fachada do Procomum, um lembrete de que a cidade e o clima estão em constante transformação.