De uma infância marcada pela poluição industrial à criação de políticas públicas ambientais, Cleiton Jordão transformou a curiosidade em compromisso com a recuperação socioambiental da cidade de Cubatão
Enquanto os amigos corriam e brincavam pelas ruas de Cubatão, no litoral de São Paulo, Cleiton Jordão Santos, 44, preferia ficar parado, observando a Serra do Mar. Queria entender o que existia além daquelas montanhas que cercam a cidade como um muro verde e, entre as décadas de 1980 e 1990, exibiam feridas abertas pela ocupação humana. Da rua onde eu morava, via a Serra do Mar toda arranhada e não entendia o porquê”, lembra.
Ao mesmo tempo bela e inquietante, a imagem marcou a infância de quem cresceu em um dos lugares mais emblemáticos da industrialização brasileira e, também, de seus impactos ambientais. Foi essa curiosidade, nascida do contraste entre o verde e a fumaça das chaminés do pólo industrial da cidade, que mais tarde o levaria à área da Engenharia Ambiental.
Cleiton cresceu na Vila Fabril, uma pequena comunidade de ruas estreitas e casas simples, delimitada pela Rodovia Anchieta, o Rio Cubatão e a rua Faixa do Oleoduto. De acordo com a Prefeitura de Cubatão, o bairro nasceu junto às indústrias que moldaram a economia local e, por muito tempo, foi um retrato da cidade: trabalhadores, famílias grandes, e uma rotina ditada pelo som das fábricas.
“Quando a gente está na periferia, não tem aquele olhar de oportunidade. É tudo muito distante. O máximo que enxergávamos era trabalhar no polo industrial”, conta.
Mesmo diante das dificuldades, havia algo que tornava o ambiente mais leve e humano: a solidariedade. “O bom da periferia é que as pessoas se ajudam. Tem pouco, mas do pouco se compartilha”, lembra Cleiton. Entre partidas de futebol que tomavam conta das ruas e longas conversas de fim de tarde na calçada, ele aprendeu cedo o valor da coletividade, senso de união e empatia que, mais tarde, se tornaria um dos pilares de sua atuação na vida pública.
O futuro, embora ainda distante, começou a ganhar forma por meio de exemplos próximos, vindos de dentro da própria comunidade. “O Carlinhos, vizinho da rua, fazia curso de elétrica. A gente pensava: ‘poxa, quero ser igual ao Carlinhos’. E tinha outro, que virou juiz. Estudava o tempo inteiro, jogava menos bola. Era diferente”, recorda, com um sorriso de quem enxerga nas lembranças uma motivação permanente.
Mas o maior impulso veio de dentro de casa, quando sua mãe, mulher de força e determinação, decidiu voltar a estudar. “Ela terminou o fundamental, o médio e entrou na faculdade de Serviço Social. Eu já tinha 21 anos”, conta. A decisão dela foi um divisor de águas. “Foi meio que um tapa na cara. Eu pensei: preciso. Minha mãe está dando um grande exemplo”. A partir dali, Cleiton entendeu que educação era uma ferramenta de transformação, capaz de mudar realidades, começando pelo próprio lar.
Na Secretaria de Meio Ambiente, Cleiton reforça a importância de políticas locais de sustentabilidade.
Seu percurso escolar foi marcado por desafios que testaram a paciência e a determinação. Cleiton repetiu três vezes a 5ª série após enfrentar dificuldades de aprendizado, e ainda enfrentou questões de saúde que o afastaram dos estudos. “Tive um problema sério nos rins, uma nefrite, e perdi um ano. Depois o estudo foi ficando maçante”, relembra.
A vontade de mudar a realidade falou mais alto e, para continuar estudando, precisou entrar cedo no mercado de trabalho. “Comecei num lava-rápido, ganhando um real por carro. Comprei uma bicicleta e ia pela Anchieta até o Quintino de Março, onde fazia o supletivo.” Pense em uma cena de filme clichê: um jovem pedalando todos os dias pela rodovia que liga Cubatão a Santos, dividindo espaço com caminhões e enfrentando chuva ou sol. Foi o que aconteceu.
A recompensa veio em forma de conquista acadêmica. O empenho o levou até a universidade, mais precisamente ao curso de Engenharia Ambiental na Cruzeiro do Sul (UNICSUL), no ano de 2015. A nova empreitada foi quase uma reconciliação com a própria cidade. Cubatão, conhecida nos anos 1980 como o “Vale da Morte” por causa da poluição industrial e dos casos de anomalias congênitas, começava a se transformar em um exemplo de recuperação ambiental, e Cleiton quis fazer parte desse processo.
“Quando comecei a estudar, entendi o que era aquela Serra arranhada da minha infância. Eram as áreas de desmatamento. A natureza estava gritando”, recorda. Foi nesse momento que o olhar curioso do menino deu lugar à consciência crítica do futuro gestor. (destacar)
Vieram as pós-graduações em Direito, Pedagogia e Gestão Pública - áreas que, segundo ele, se complementam e ajudaram a moldar uma visão mais ampla sobre administração e políticas públicas. “As pessoas olham para o meu currículo e acham bonito, mas eu me considero uma pessoa muito esforçada. Meu esforço vem de olhar dentro de casa e ver o exemplo da minha mãe”, afirma. O incentivo familiar sempre foi seu maior combustível para seguir estudando e crescendo profissionalmente.
O ingresso na administração pública de Cubatão aconteceu em 2005, dando início a uma trajetória de quase duas décadas no serviço público. Ao longo desse período, Cleiton passou por diferentes cargos e setores, o que lhe proporcionou um entendimento prático sobre o funcionamento da máquina pública e sobre os desafios de gerir uma cidade industrial e ambientalmente sensível como Cubatão.
Em 2016, ele assumiu a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semam). A passagem foi breve, de apenas nove meses, mas deixou um legado: a criação do Fundo Municipal de Meio Ambiente (FMMA). O instrumento, de acordo com o secretário, foi essencial para garantir que os recursos provenientes de multas ambientais e compensações fossem aplicados diretamente em ações locais.
“Antes, o dinheiro ia para o fundo difuso do Estado, mas o dano era aqui. Então o recurso tem que ficar aqui para ser reparado aqui”, explica. (destacar)
A medida representou um passo importante para a autonomia do município em questões ambientais, permitindo que Cubatão pudesse investir de forma mais ágil e direcionada em projetos de recuperação, preservação e educação ambiental.
O engenheiro ambiental diante do desafio de conciliar desenvolvimento e preservação.
Em 2024, Cleiton reassumiu o comando da área, agora reformulada e fortalecida sob o nome de Secretaria de Meio Ambiente, Segurança Climática e Bem-Estar Animal. Ele conta que a nova estrutura foi pensada para integrar políticas públicas voltadas à sustentabilidade, ao enfrentamento das mudanças climáticas e à defesa dos animais, reunindo frentes que antes atuavam de forma separada.
Segundo ele, a mudança representa um avanço na gestão ambiental do município. “O César me deu uma autonomia gigantesca. Isso é bom, porque você consegue criar mais. Ele acredita muito no meu trabalho, e isso é fundamental”, destaca Cleiton, em referência ao prefeito César Nascimento e à vice-prefeita Andréa Castro.
Com a ampliação, a Secretaria passou a contar com diretorias técnicas e divisões especializadas, além de cargos ocupados por engenheiros, biólogos e gestores ambientais aprovados em concurso público. A ideia é garantir uma atuação mais qualificada e permanente, capaz de planejar e executar ações com base técnica.
“Hoje a gente tem uma engrenagem completa, feita para funcionar”, resume Cleiton, ao definir a nova fase da pasta, que une experiência administrativa, estrutura técnica e respaldo político para colocar em prática projetos de longo prazo.
Após duas décadas dedicadas ao serviço público, Cleiton enxerga o trabalho com simplicidade e propósito. “Eu não tenho a ganância de mudar tudo. Tenho vontade de trabalhar, escutar as pessoas e fazer um pouquinho de cada vez. O resultado é consequência do trabalho”.
Ainda assim, pensa no futuro pessoal. “Quero ter liberdade financeira, liberdade de escolha. Talvez, um dia, ter uma empresa. Hoje eu estou a serviço da população, mas amanhã posso estar em outro papel. E isso também faz parte do ciclo”.
Entre as lembranças da infância e as responsabilidades do presente, Cleiton continua movido pela mesma curiosidade que o fazia encarar a Serra do Mar em silêncio. Hoje, entende que as “arranhaduras” da serra e da cidade são também marcas de transformação e que, ao longo do tempo, ele próprio se tornou parte dessa reconstrução.
Alex Castro
FotografiaBianca Novais
ProduçãoRenan da Paz
Redação e diagramação