O título e a dimensão simbólica da obra



Rei D. João V (1689-1750)    



Esta obra está repleta de simbologia, porque tudo o que existe nela são elementos simbólicos. 

Começando com o título, "Memorial do Convento", Saramago pretende, acima de tudo e conferindo-lhe o devido mérito, tornar memorável e inesquecível, o verdadeiro obreiro da construção do edifício - o povo anónimo - que foi explorado, obrigado e forçado a trabalhar nas obras do Convento. Este é ignorado pela história, que celebra apenas o promotor da construção, o rei D. João V, que somente manda construir o edifício

A obra procura mostrar também que o sonho e a vontade o as forças motoras que conduzem à evolução e ao progresso, há um sonho de construir a passarola,  mas é a vontade humana que a fará voar. 

Temos assim uma oposição entre a passarola e o Convento. A passarola construiu-se como um bem em prol do desenvolvimento humano. Para a sua construção, foram apenas necessárias três pessoas - Baltasar, Blimunda e Bartolomeu Lourenço - todas  de nomes começados com a mesma letra, B, o que fortalece a sua união, funcionando como um triângulo perfeito, assim como o da Santíssima Trindade. Juntos, representam uma Trindade Terrestre, unidos e movidos pela vontade e pelo sonho de pôr a máquina a voar. No final da página 129 e início da 130, "O padre veio para eles e abraçou-se também, subitamente perturbado por uma analogia, assim dissera o italiano, Deus ele próprio, Baltasar seu filho e Blimunda o Espírito Santo, e estavam os três no céu", podemos assistir a esta trindade presente na obra. Domenico Scarlatti era também um elemento importante para este trio, já que a sua música tinha um poder libertador e revolucionário, o que levava a um espírito inovador e de aposta no futuro. O Convento é um simples resultado da vaidade e do poder de um rei, que levou ao sofrimento e morte de milhares de trabalhadores, representando, por um lado, o poder da Igreja e o absolutismo do rei e, por outro, a opressão do povo.   


Baltasar Mateus, conhecido como Sete-Sóis e Blimunda de Jesus, alcunhada de Sete-Luas, carregam uma enorme simbologia na obra. O sol e a lua encontram-se em união para representar a perfeição, visível não só nas alcunhas, como no número sete - símbolo de renovação. Este é mágico e simboliza uma totalidade: sete são os dias da criação do mundo; os dias da semana; as cores do arco íris; os pecados mortais e as virtudes. Sete foram também as vezes que Blimunda passou por Lisboa à procura de Baltasar, como vemos na página 243, no início do segundo parágrafo: "Encontrou-o. Seis vezes passara por Lisboa, esta era a sétima.".


O Sol representa o dia, a força física, o trabalho e a própria vida, o que faz corresponder Sete-Sóis a Sete Vidas, que transforma Baltasar no representante de todo o povo. Por outro lado, o sol para nascer, tem que vencer as trevas e os guardiões da noite, do mesmo modo que Baltasar vence as forças obscuras da ignorância, vê "às claras" e o medo de voar. Isto permite-lhe adquirir um estatuto de herói mítico e, para que o destino de herói mítico clássico seja completo, Baltasar morre tragicamente pelo fogo (um símbolo regenerador e purificador).  

A Lua é tradicionalmente simbolizada por não ter luz própria, o que metaforicamente falando, lhe permite ver "às escuras", assim como Blimunda, que tem capacidades sobrenaturais que dependem das fases da lua. Esta é o símbolo rítmico da Terra, a medida do tempo, logo é responsável pelo ciclo da vida. Dessa forma, Blimunda recolhe as vontades humanas do povo e passa-as para a passarola, transformando-as em energia vital. A personagem descreve este seu poder no final e início das páginas 46 e 47, respetivamente, “O meu dom não é heresia, nem é feitiçaria, os meus olhos são naturais (…) eu só vejo o que está no mundo, não vejo o que é de fora dele, céu ou inferno (…) Vejo o que está dentro dos corpos, e às vezes o que está no interior da terra, vejo o que está por baixo da pele, e às vezes mesmo por baixo das roupas, mas só vejo quando estou em jejum, perco o dom quando muda o quarto da lua, mas volta logo a seguir”.   

O número nove está também ligado ao casal, já que este corresponde ao número de anos que Blimunda esteve à procura de Baltasar, simbolizando na obra a determinação e insistência da personagem, o que faz dela uma pessoa com um coração bondoso, altruísta, generoso, o que lhe confere esta sua vontade enorme de trabalhar em prol de um amor universal e incondicional a todos. Podemos confirmar o referido na página 241, logo no primeiro período, “Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar.”