O PODER DA MÚSICA NA OBRA «MEMORIAL DO CONVENTO»

Na obra Memorial de Convento, a música está muito presente, uma vez que "eleva o homem e revela o poder curativo". Este poder aparece em dois principais momentos na obra.

A MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DA PASSAROLA

-página 173 a 191, PDF Memorial do Convento

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No corrente destas páginas, é revelada a importância da música em diversos momentos, por exemplo através da preocupação cultural do rei D.João V quando diz: «Está a menina sentada ao cravo, tão novinha, ainda não fez nove anos, e já grandes responsabilidades lhe pesam sobre a redonda cabeça», aqui ele revela a sua preocupação quanto à menina que tão "novinha" já carrega as responsabilidades de aprender a colocar os dedinhos curtos nas teclas certas, com esta afirmação D. João mostra também a sua preocupação pela música. Para além disso, padre Bartolomeu de Gusmão revela a Scarlatti a possibilidade de fazer a passarola voar através da música, «trarei para cá um cravo e tocarei para eles e para a passarola, talvez a minha música possa conciliar-se com esse misterioso elemento»

O padre tinha a crença de criar um elo de ligação entre a terra e o céu, ou seja, a ligação entre a libertação do espírito e a passagem para um outro estado de existência (morte), a isso apelida de " Passarola". Juntamente com Baltasar, apesar de maneta, e Blimunda, foi possível realizar esse sonho, e assim ambos construíram a passarola.

A MÚSICA NA DOENÇA DE BLIMUNDA

-página 173 a 191, PDF Memorial do Convento

Descanso na colheita

William-Adolphe Bouguereau 

Blimunda e Baltasar trabalhavam na construção da passarola aquando Scarlatti se sentou a afinar o seu cravo junto deles, «Nessa mesma tarde veio Domenico Scarlatti, ali se sentou a afinar o cravo, enquanto Baltasar entraçava vimes e Blimunda cozia velas». O compositor após ter concluído essa afinação começou mesmo a tocar para eles, «E tendo concluído a afinação,[...], Scarlatti pôs-se a tocar». Blimunda e Baltasar gostavam bastante do que ouviam, achavam agradável a presença da música, assemelhando-a a uma companhia, apesar da sua ignorância musical, «De música sabiam pouco Baltasar e Blimunda, [...] tanto pareciam brinquedo infantil como colérica objurgação, tanto parecia divertirem-se anjos como zangar-se Deus».

Ainda neste capítulo, Blimunda ficou doente por recolher as vontades dos homens, «duas mil vontades nos frascos. Então, Blimunda caiu doente», Scarlatti começou então a visitar Blimunda, acabando certo dia por decidir começar a tocar para Sete-Luas, « e um dia retirou o pano de vela que cobria o cravo, sentou-se e começou a tocar, branda, suave música», após o compositor verificar que, com a sua música, Blimunda melhoraria,  «Não esperaria Blimunda que, ouvindo a música, o peito se dilatasse tanto, um suspiro assim, como de quem morre ou de quem nasce», começa a dedicar-se à cura de Blimunda: «o músico foi tocar duas, três horas, até que Blimunda teve forças para se levantar».

 A música de Scarlatti funcionava, então, como "musicoterapia", dando a Sete-Luas harmonia na recuperação, sendo as músicas "calmas e brandas" responsáveis pela recuperação de Blimunda.

UNIVERSALIDADE DA MÚSICA

Ao longo da obra, é de realçar a presença da música e o impacto que esta tem nos vários momentos referidos.

A música revela-se muito importante uma vez que tem, por um lado, o poder curativo, mas também um poder de companheirismo, "tenros corações se deixam embalar pela música", a melodia tinha a capacidade de "abraçar" o coração humano, transmitindo paz e harmonia para quem a ouvia e permitindo que desfrutassem dela e a sentissem.

Quanto à música no século XVIII, era usada para convívios da alta classe social, serenatas, óperas, e qualquer evento frequente na época. No estrato do povo, servia para levar a esquecer as vicissitudes da vida no embalo dos sons cativantes.

PODER CURATIVO DA MÚSICA NA OBRA

Em suma, observa-se que Domenico Scarlatti tem um papel crucial tanto na cura da  doença de Blimunda como na construção da passarola.

Assim, verifica-se que a música tem um papel imprescindível no enredo da obra, visto que, sem ela, vários acontecimentos não teriam sido possíveis, o que inevitavelmente levaria a um desfecho diferente.

«Scarlatti e a sua música são o que inspira e enaltece a alma de quem o escuta.»