26 de Agosto 2022

Eixo 3 - Questões metodológicas: posicionalidade e desigualdades epistêmicas

9H BR

Apresentação do eixo 3

Kelly Russo (UERJ) / Corina Borri-Anadon (UQTR)

10H BR

Plenária


10H30 BR


Pausa


Apresentação dos.as estudantes



11H BR

Vertigem no posicionamento e na reflexividade: nem aqui, nem lá

Roberta de Oliveira Soares (UdeM)

Breve descrição : Em Montreal, os alunos que são considerados incapazes de falar francês suficientemente bem para serem enviados diretamente para a classe regular devem passar algum tempo em uma classe de acolhimento. Esses alunos passam por duas classificações: uma para entrar e outra para sair da classe de acolhimento (Ministère de l'Éducation, du Loisir et du Sport, 2011, 2014). A classificação dos alunos na classe de acolhimento poderia estar ligada a juízos acadêmicos, discriminação linguística e desigualdades escolares, sobretudo no que diz respeito ao tratamento (Armand, 2016; Blanchet, 2013; Bressoux, 2003, 2018; Candelier, 2008; Cho, 2017; Crahay, 2012; Duru-Bellat, 2002; Felouzis et al., 2016; Monseur & Lafontaine, 2012). Assim, minha pesquisa de doutorado propõe: 1) um retrato inédito do processo de classificação dos alunos antes e depois de sua permanência na classe de acolhimento, em Montreal; 2) pistas, ou mesmo protocolos, para orientar as decisões de classificação desses alunos, numa perspectiva de educação inclusiva e equitativa 3) uma reflexão sobre os modelos teóricos comumente utilizados para refletir acerca dos processos de classificação; 4) Aprofundar a discussão sobre as boas práticas relativas aos alunos em classe de acolhimento. A fim de compreender os diferentes caminhos possíveis para esses estudantes, especialmente após a permanência na classe de acolhimento (classe regular, educação especial, formação geral de adultos), alguns conceitos considerados interpretativos são úteis, tais como: habitus e tipos de capital (Bourdieu, 1986), normalização e poder disciplinar (Foucault, 1975) e estigmatização (1986); além do conceito crítico de interseccionalidade (Crenshaw, 1989; Collins & Bilge, 2016). Esta pesquisa etnográfica qualitativa utiliza como técnicas: a análise documental, observações participantes e entrevistas individuais semidirigidas (Cellard, 1997; Foucault, 1969; Goffman, 1959; Hunting, 2014; May, 2011; Rodriguez, 2019; Pepin, 2011; Vienna, 2005) e realiza uma análise indutiva e dedutiva dos tipos e temas relacionados às categorias sociais (Becker, 1971; Beaud & Weber, 2012; Bilge, 2009; Rodriguez, 2019).

Justificativa eixo : Entretanto, há questionamentos sobre a utilidade ou não da postura epistemológica interpretativa ou da postura epistemológica crítica, se esses dois tipos poderiam ser considerados críticos e quais seriam seus limites em termos de mudança social ou reprodução social. Considerando os conceitos sociológicos utilizados, o lugar da sociologia no campo da educação, como sociologia da educação ou como sociologia em educação, também pode ser questionado, já que ambos os campos parecem ter formas diferentes de fazer pesquisa e, portanto, expectativas distintas no que diz respeito aos resultados que a pesquisa deveria trazer.

Além disso, para conduzir uma pesquisa considerada crítica, espera-se que o posicionamento da pesquisadora seja especificado. Os conceitos de estigmatização (Goffman, 1986) e de interseccionalidade (Crenshaw, 1989; Collins & Bilge, 2016) são úteis para refletir sobre os participantes da pesquisa (alunos e atores escolares) e o posicionamento da pesquisadora, já que isso pode influenciar a conceituação da pesquisa.

Por essas razões, consideramos importante levantar alguns questionamentos relativos à condução da pesquisa e ao posicionamento na pesquisa, por exemplo: quem tem o direito de estudar o quê e quem? Quem tem o direito de citar quem? E qual é o propósito de se fazer pesquisa?


11H40 BR

Reflexões sobre o ensino da Libras em um curso de formação de educadores indígenas

Ana Carolina Machado Ferrari (UFMG)

Breve descrição : O objetivo deste trabalho é refletir sobre o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos cursos superiores de formação de educadores indígenas, levando-se em consideração as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Formação de Professores Indígenas em cursos de Educação Superior e de Ensino Médio, instituídas através da Resolução 01 (BRASIL, 2015), em especial os incisos II e IV do artigo 1 e os incisos II e VI do artigo 7. As décadas de 1980 e 1990 foram promissoras às propostas de políticas públicas voltadas à Educação Escolar Indígena (EEI) e à Educação Especial (EE), preconizando o respeito às diversidades e o direito de ser diferente. Os povos indígenas, por meio de resistência, reivindicações e negociações, conseguiram assegurar seu direito a uma educação diferenciada, levando em consideração suas culturas, proporcionando uma proposta de educação bilíngue, com valorização das culturas (BRASIL, 2009). Entretanto, ao verificarmos as questões voltadas especificamente para os surdos indígenas, seus direitos linguísticos e acessibilidade comunicacional em sua língua de sinais, é possível observar a inexistência de políticas específicas para o atendimento desse público, havendo somente políticas línguísticas voltadas para os surdos dos centros urbanos. Tal inexistência de políticas linguísticas específicas incide inclusive na formação de professores indígenas, cujos cursos de formação inicial possuem em sua matriz curricular a disciplina obrigatória da Língua Brasileira de Sinais (Libras), sem considerar as questões relacionadas às línguas de sinais indígenas e as tensões entre o Decreto, que exige a inserção desse conteúdo curricular, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores indígenas. Tendo por objetivo investigar as línguas de sinais indígenas e sua interculturalidade com a Libras a partir da formação de professores indígenas, esse trabalho caracteriza-se enquanto pesquisa etnográfica, com embasamento teórico-metodológico na Teoria Ator-Rede (TAR) (LATOUR, 2012). A TAR nos permite descrever as agências dos actantes na construção de uma rede, essencial para investigarmos as línguas de sinais indígenas em seus territórios e uma possível interculturalidade com a Libras, entendendo-se essa interculturalidade enquanto uma “coexistência dialógica” (NASCIMENTO, 2016, p.6). Nessa perspectiva, entende-se que as línguas de sinais indígenas circulam de forma simétrica com a Libras nos territórios, principalmente na escola, a partir do momento em que os professores indígenas têm contato com essa língua, sendo esta reconhecida inicialmente pelas legislações como a “língua natural dos surdos brasileiros” (BRASIL, 2002). Dada as novas demandas emanadas pelo COVID-19, como o distanciamento social e a interdição das terras indígenas à entrada de não indígenas, a pesquisa de campo – que engloba interações virtuais com os alunos do curso de Formação intercultural de educadores indígenas (FIEI- FaE-UFMG), bem como o acompanhamento das aulas de Libras – será feita de forma remota, por meio de entrevistas online não estruturadas, bem como de rodas de conversas virtuais, com a apresentação dos sinais identificados no território e sua comparação com a Libras. Para isso, faz-se necessário lançar mão de diferentes aplicativos de conversação em áudio e em vídeo, como o Google Meet e o Whatsapp, preocupando-se com a acessibilidade de quem os utilizar. A realização de chamadas de vídeo no contexto dos estudos surdos se faz essencial, pois assim conseguiremos observar não somente a gesticulação dos professores indígenas ouvintes como, principalmente, dos indígenas surdos usuários de suas respectivas línguas de sinais (que poderão ser convidados para participar das rodas de conversa).


Justificativa eixo : As políticas voltadas para a educação das pessoas surdas, a Lei nº10.436/2002 (BRASIL, 2002) reconheceu a Libras como a língua natural dos surdos brasileiros (UZIAN et al., 2008), sendo a obrigatoriedade do seu ensino nos cursos de licenciatura e fonoaudiologia regulamentada a partir do Decreto 5626/2005 (BRASIL, 2005). Entretanto, embora haja esse reconhecimento, pesquisas nacionais alicerçaram discussões sobre a existência de línguas de sinais específicas em diversos Territórios Indígenas, indicando a necessidade de maior aprofundamento da temática, mapeando tais línguas, o que é essencial na busca de se garantir o direito linguístico dessas pessoas. Nessa perspectiva, estudos têm buscado esse aprimoramento, focalizando a questão em diferentes etnias, como os Kaingang (GIROLETTI, 2008), Terena (VILHALVA, 2009; SUMAIO, 2014; ARAÚJO, 2018; SOARES, 2018), Guarani Kaiowá (COELHO, 2011; 2019; LIMA, 2013), Sateré-Mawé (AZEVEDO, 2015), Akwê Xerente (BARRETO, 2016), Paitér Suruí (COSTA, 2017; ELER, 2017; GREGIANINI, 2017), Pataxó (DAMASCENO, 2017; JESUS, 2018) e Tapeba (LOPES, 2020). De acordo com os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, há atualmente 896 mil pessoas no Brasil que se declaram indígenas, sendo que, destes, 36,2% vivem em área urbana e 63,8% na área rural. Essa população se encontra distribuída em 305 etnias e possui em torno de 274 línguas diferentes. Somado a isso, ao verificarmos as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas em cursos de Educação Superior e de Ensino Médio (BRASIL, 2015), observamos como princípios, dentre outros, a necessidade de se considerar a interculturalidade e a valorização das línguas indígenas na organização do currículo dos cursos de formação inicial e continuada de professores indígenas.


12H20 BR

Colaborar com as comunidades: análise da pesquisa colaborativa e das tensões associadas ao processo de colaboração para a coconstrução de saberes

Karine Gélinas (UQTR)

Breve descrição : Estudar os genocídios em contexto de sala de aula traz certos desafios para os docentes. A complexidade desses fenômenos, a falta de consenso sobre a forma de abordá-los e a própria definição do conceito de "genocídio" podem, inclusive, levar os professores a evitar esse tema sensível (Hirsch e Moisan, 2022). Entretanto, acontecimentos recentes – a descoberta de túmulos de crianças não identificadas em terrenos de antigas escolas residenciais, a invasão da Ucrânia pelo exército russo, notadamente – põem constantemente em evidência a necessidade de escolas que formem cidadãs e cidadãos capazes de contribuir para uma melhor convivência, mas também para reconhecer e compreender o processo genocida, a fim de poder, pelo menos no plano individual, contribuir para sua prevenção. Isso é ainda mais importante quando se considera que a ideologia por trás do genocídio é o racismo (Moisan et al., a ser publicado). Se abordar o tema dos genocídios é algo delicado nas escolas, o mesmo acontece em um contexto de pesquisa, por razões que são relativamente semelhantes àquelas mencionadas acima. Portanto, os recursos – humanos e materiais – consultados, as palavras utilizadas e os acontecimentos escolhidos para falar sobre um genocídio são determinantes. Por um lado, esses elementos podem contribuir para o processo de cura das vítimas e, por outro lado, podem alimentar teorias negacionistas ou preconceitos contra certas comunidades. Mais ainda, eles podem contribuir para a manutenção de uma relação de poder entre os grupos e para uma hierarquização dos saberes. Ao lidar com essa complexidade, Hirsch e Moisan (2022) desenvolveram uma abordagem interdisciplinar para analisar os genocídios e ensinar a respeito no segundo ciclo do secundário (últimos 3 anos do ensino fundamental) nos programas de ética e história. Essa abordagem propõe analisar nove genocídios do século XX, incluindo o dos Primeiros Povos no Canadá, com base na definição do conceito de genocídio proposto pela ONU (1948) e uma versão simplificada do modelo em dez estágios de Gregory H. Stanton (2016). Trata-se do resultado de uma extensa pesquisa colaborativa com especialistas, profissionais e membros de comunidades que foram vítimas de genocídio, presente no guia "Estudar os genocídios" (www.education-genocide.ca). Nosso projeto de pesquisa, que mobiliza os conceitos de “colaboração” e “comunidade”, decorre dessa experiência. Tem os dois objetivos seguintes: 1) documentar e analisar o processo desta pesquisa colaborativa e 2) identificar e interrogar as tensões associadas ao processo de colaboração na coconstrução de saberes com os membros das comunidades envolvidas. Este projeto é um estudo de caso, metodologia que permite aprofundar a compreensão de um fenômeno em seu contexto e, portanto, produzir saberes concretos e práticos nele ancorados (Flyvbjerg, 2006). Para esse fim, a realização de entrevistas individuais semidirigidas e a análise de documentos escritos também estão previstas.

Justificativa eixo : Nosso projeto de pesquisa contribui para o Eixo 3 "Questões metodológicas: posicionalidade e desigualdades epistêmicas" por diversas razões. De forma geral, é uma reflexão sobre a pesquisa colaborativa, um tipo de pesquisa que faz parte da grande família das pesquisas participativas (Couture et al., 2007; Desgagné et al. 2001) e que visa relações mais simétricas de coconstrução dos saberes. O projeto se concentra mais especificamente no processo de uma pesquisa colaborativa realizada com membros de comunidades vítimas de genocídio (Hirsch e Moisan, 2022), a fim de coconstruir saberes que "lhes concernem de perto e sobre os quais possuem elementos de compreensão" (Bednarz, 2013). Entretanto, é importante destacar que, a depender de sua história, as comunidades envolvidas nesta pesquisa já vivenciaram, ou ainda estão vivenciando, relações sociais desiguais. Alguns aspectos de sua experiência e conhecimento são, portanto, desconhecidos, não considerados, ou mesmo errôneos. Nesse sentido, nosso projeto lança um olhar crítico sobre as relações de poder observadas durante o processo de pesquisa, sobre o papel dos atores da pesquisa, sobre a hierarquização do saber e sobre a legitimidade da fala. Dessa forma, ele fornece alguns elementos para responder à seguinte pergunta: como podemos fazer pesquisa para e com?


13H BR


Pausa para o almoço


Apresentação dos.as estudantes



14H BR

Práticas educativas de autodefensoria (self-advocacy) no Brasil: Uma pesquisa colaborativa

Flavio Murahara (McGill)

Breve descrição : As barreiras sociais que impedem o desenvolvimento integral das pessoas com deficiência têm sido historicamente enfrentadas; trata-se de uma longa trajetória de posicionamento contra a discriminação e exclusão (Stiker, 1999). Principalmente, as décadas de 60 e 70 foram historicamente significativas, pois, introduziram o movimento social “Nada sobre nós, sem nós” em que pessoas com deficiência clamaram estar no centro das tomadas de decisões sobre suas próprias vidas que outrora eram protagonizadas por profissionais ou parentes. Esta iniciativa foi definida como movimento de self-advocacy ou autodefensoria (Wehmeyer, 2013). Desde este período certo progresso ocorreu em termos de sociedades se tornarem mais inclusivas, como podemos observar através do avanço de políticas públicas sobre inclusão e participação social (Januzzi, 2006).

No entanto, são muitos os desafios presentes na vida daqueles com deficiência, particularmente, as pessoas com deficiência intelectual que ainda encontram complexas barreiras à uma participação plena na sociedade.

Mesmo as políticas de inclusiva mais recentes, como a abrangente lei Brasileira de inclusão, não definem claramente como promover a autodefensoria/participação social ao longo do desenvolvimento do individuo, ou seja, não há diretrizes claras como escolas podem promover a autodefensoria/participação social de seus educandos. Portanto, esta pesquisa tem como objetivo investigar práticas de autodefensoria em escolas no Brasil através da elaboração e avaliação de um programa de formação para educadores baseado na experiência colaborativa de um grupo de autodefensores do município de São Paulo.


Este projeto de pesquisa foi estruturado em duas fases. No primeiro momento, um grupo de autodefensores (N=13) foi entrevistado com o objetivo compreender a experiência de autodefensoria do grupo através das trajetórias escolares dos membros e das presentes experiências no grupo. O primeiro estágio da pesquisa conclui-se com a elaboração de um programa de formação para educadores e um protocolo de práticas educativas de autodefensoria.

O segundo momento da pesquisa tem como objetivo implementar o programa de formação de educadores e o protocolo de práticas de autodefensoria em seis escolas públicas do Sudeste Brasileiro. Duas escolas nos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte serão recrutadas para o projeto de pesquisa. Em cada escola espera-se trabalhar com educadores (N=6) que atuem com o atendimento educacional especializado (AEE) da escola e com um grupo de educandos com deficiência intelectual e ou/transtornos do desenvolvimento (N=36).

No presente momento, a pesquisa encontra-se no processo de recrutamento das escolas para a segunda fase. Enquanto desenvolve-se a elaboração do programa de formação de educadores que conta com a colaboração do grupo de autodefensores. Esta metodologia de construção colaborativa (Kristiansen e Bloch-Poulsen, 2012) consiste em um processo de envolvimento dos participantes como colaboradores e co-construtores do conhecimento. As especificidades deste procedimento como a relação de poder entre pesquisador e participantes, e tomada de decisão serão discutidas enquanto elementos fundamentais do conceito de autodefensoria.

Justificativa eixo : A presente pesquisa alinha-se ao terceiro eixo de discussões sobre questões metodológicas ao questionar o papel do participante da pesquisa enquanto um colaborador que co-constrói o conhecimento sobre a questão da pesquisa (Kristiansen e Bloch-Poulsen, 2012). Por se tratar de uma pesquisa sobre autodefensoria (self-advocacy) que tem a tomada de decisão e a questão da representatividade como temas centrais, faz-se necessário refletir sobre a estrutura metodológica da pesquisa que tem como base a produção de um conhecimento construído colaborativamente. Portanto, na presente pesquisa, o cuidado com a transparência dos objetivos e dos procedimentos encontram-se permeados desde o primeiro contato com os participantes até a proposta de comunicação da pesquisa. De forma que consistentemente com o conceito de autodefensoria, os participantes colaboram a partir da escolha sobre a confidencialidade e utilização de nomes próprios na pesquisa, como também no tratamento dos dados e nas decisões sobre a divulgação da pesquisa.

Vale ressaltar que a questão de uma universalidade sobre o conceito de autodefensoria pode ser compreendida como parte das discussões dos critical disability studies em que se questiona a hegemonia de estudos produzidos sobre o tema comumente centrados em uma perspectiva do Norte global (Meekosha, 2011). Portanto, ao olharmos para os aspectos revelados sobre a compreensão da autodefensoria a partir do olhar dos próprios autodefensores, propõe-se uma abordagem colaborativa e de pesquisa ação que contestam a universalidade do conceito de autodefensoria (self-advocacy). Em suma, a possibilidade de construção concreta de um conhecimento transformador a ser aplicado à educação inclusiva (formação de educadores) refere-se a uma proposta de pesquisa que foge de uma narrativa centrada no dano alinhando-se a uma perspectiva decolonial (Tuck, 2009).


14H40 BR

Onde está o Haiti no espaço escolar? Análise do processo de formação identitária dos "ti dyaspora" haitianos no Brasil na relação entre família de origem e escola pública

Marc Donald Jean Baptiste (UEL)

Breve descrição :O objetivo desta tese é analisar a influência do ambiente escolar brasileiro e da família haitiana na construção identitária das crianças de origem haitiana no Brasil. De fato, o terremoto que aconteceu no Haiti em 2010 permitiu que os imigrantes haitianos se beneficiassem das políticas migratórias implementadas pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003- 2011) e Dilma Rousseff (2011- 2016) para entrar no Brasil como "refugiados humanitários". Como resultado, entre 2010 e 2017, o fluxo migratório de haitianos em solo brasileiro chegou a 94.000 pessoas, de acordo com Handerson (2019).

E assim, durante esse período, observamos que alguns haitianos chamavam seus filhos, que geralmente não falam crioulo (a língua de origem de seus pais), ti blan (pequeno branco). Por que os haitianos chamam suas crianças negras de brancos? O que isso diz da construção da identidade dessas crianças? Como o ambiente escolar brasileiro e o ambiente familiar dos filhos de imigrantes haitianos influenciam sua formação identitária?

Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada em três momentos: pesquisa documental, revisão de literatura e pesquisa de campo. Participaram da pesquisa: três educadoras; quatro pais e doze crianças entre oito e treze anos, matriculadas em uma escola de ensino fundamental situada na cidade de Cambé, Brasil. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semiestruturadas com os professores e pais, uma oficina de desenho com as crianças, a observação da vida diária dos pais e alunos, e um diário etnográfico.

Os resultados parciais mostram que:

  • A categoria "ti dyaspora" (pequena diáspora) é o achado central da tese. É uma concepção da infância desenvolvida por algumas famílias haitianas no Brasil. Algumas famílias haitianas no Brasil constroem a identidade de "ti dyaspora" para seus filhos como um lugar de prestígio social para que se destaquem de uma criança que vive no Haiti. Trata-se de uma realidade multidimensional e transfronteiriça pautada nas relações entre o país de origem e o país de estabelecimento. No Brasil, um "ti dyaspora" é percebido como um quase brasileiro, um quase branco, e a categoria funciona como uma estratégia identitária utilizada pelas famílias para contornar o racismo existente contra os haitianos, já que elas percebem o racismo como xenofobia. O racismo brasileiro seria dirigido exclusivamente aos estrangeiros, de acordo com sua concepção.

  • Há uma invisibilidade dos estudantes haitianos no projeto político e pedagógico do contexto escolar estudado e no Plano Municipal de Educação (2014-2024), a diversidade está pouco presente;

  • As famílias haitianas têm uma visão ambígua da realidade escolar brasileira: positiva em alguns aspectos e negativa em outros (resultado de certos choques culturais).

  • O sentimento de autodesqualificação das famílias haitianas em sua relação com a escola e as estratégias desenvolvidas para atender às exigências de monitoramento escolar das crianças

Justificativa eixo : Os aspectos metodológicos desta pesquisa inspiram-se na abordagem de Gilberto Velho (2013) em nossa dupla condição (pesquisador e haitiano), o que nos permitiu lançar um olhar mais profundo sobre algumas práticas no cotidiano dos imigrantes haitianos. Procuramos nos distanciar das práticas familiares e nos familiarizar com outras, mais distantes de nossa realidade. O uso cotidiano de 'blan' (realidade familiar) e a organização comunitária dos imigrantes em torno de uma igreja (realidade distante) são dois exemplos desse processo.

As publicações (COHN, 2003, 2005; QVORTRUP 2010; AMÂNCIO, 2016) consultadas sobre o conceito de infância nesta pesquisa mostra que se trata de uma categoria sócio-histórica e cultural que se expressa com muitas variações e particularidades de acordo com o contexto. Aquilo que reforça a infância está longe de ser uma realidade homogênea; a experiência das crianças é cultural e contextual (COHN, 2005).

Nessa perspectiva, Cohn (2005) desenvolveu sua teoria sobre a antropologia da criança e não da infância, que é uma forma particular, e não universal, de pensar a criança, pois a autora se baseia na determinação do sistema simbólico em que a criança está inserida para produzir suas ações. Assim, o ponto de partida dessa lógica analítica é a busca da resposta às seguintes perguntas: o que é uma criança no referido sistema simbólico? Como vivem e pensam as crianças? Quando começa e quando termina a infância?

Isso nos permitiu realizar a pesquisa com e para as crianças, envolvendo os adultos ao seu redor, com base na ideia de que a criança não é um ser imaturo, e sim diferente Cohn (2005).


15H20 BR

Encerramento do dia

  • Como fazer pesquisa por e para?

  • Quais são as abordagens promissoras?

  • Como avançar para uma pesquisa decolonial?

  • Como levar em conta a posicionalidade do pesquisador e a colonialidade do saber nas escolhas metodológicas?

  • Como as pesquisas narrativas, as pesquisas que valorizam as histórias de vida e as pesquisas participativas de modo geral podem contribuir com esse debate?

  • Do ponto de vista metodológico, geopolítico e conceitual o que tem sido elaborado a partir desse diálogo envolvendo as crianças, suas histórias, culturas e contextos?