24 de Agosto 2021

Tema do dia : Interculturalidade e/ou inclusão? Desafios da educação em contexto indígena

Seminário de pesquisa : apresentação de projetos dos participantes



9h10 BR


Na escola dos colonos: Análise da representação do papel do corpo docente nas relações entre indígenas e não-indígenas

Xavier St-Pierre (UQTR)

Problemática

O projeto de pesquisa que venho elaborando no âmbito de meu mestrado versa sobre as relações entre indígenas e não-indígenas em contexto escolar não-indígena.

Como acontece com outros grupos minorizados, foi negado aos povos indígenas a oportunidade de trazer suas perspectivas para a escola, e isso ocorre ainda hoje (KANU, 2006). Tal exclusão pôde tão somente contribuir para a construção de representações estereotipadas e parciais a respeito dos indígenas no currículo quebequense (CERP, 2019). Nesse contexto, os relatórios da Comissão de Verdade e Reconciliação e da Comissão de Inquérito sobre as relações entre os indígenas e alguns serviços públicos do Quebec ressaltaram que eram necessárias mudanças no sistema educacional e que deveriam envolver toda a população (TRC, 2015; CERP, 2019). No entanto, a educação das pessoas não-indígenas, particularmente no Canadá francófono, continua a ser um tema pouco estudado (CÔTÉ, 2019).

Diversos autores mostraram que a instalação dos colonos franceses e, depois, de ingleses, e a construção de sua identidade - quebequense ou canadense - foi feita pela desvalorização das identidades culturais indígenas (BATTISTE, 2013; GRANDE, 2018; KANU, 2011; SMITH et al., 2019). Isso coloca a educação no centro do empreendimento de despossessão cultural e de manutenção de relações sociais desiguais ligadas ao colonialismo de povoamento (BATTISTE, 2004; TUCK e YANG, 2012). Partindo dessas observações, coloco o problema de pesquisa: como a escola contribui para a reprodução das relações sociais desiguais entre não-indígenas e indígenas?


Quadro teórico

A abordagem desta pesquisa situa-se no cruzamento da pedagogia inclusiva, de abordagem pós-colonial, e da sociologia interacionista. Assim, no intuito de trazer respostas ao problema de pesquisa, algumas abordagens foram identificadas, como a pedagogia inclusiva e os estudos pós-coloniais que permitem compreender as relações entre não-indígenas e indígenas. Além disso, o quadro de análise interacionista adotado nesta dissertação toma emprestado os conceitos da análise da representação da vida quotidiana desenvolvida por Erving Goffman (1973).

Em primeiro lugar, para considerar o pluralismo no campo da educação, inscrevo minha reflexão em diálogo com a abordagem inclusiva (POTVIN, 2018), que exige um esforço de reconhecimento das desigualdades, permitindo desenvolver uma capacidade de transformação dos atores escolares diante dos processos de exclusão para manter uma cultura de equidade. Para tanto, como sugerem alguns autores, importa analisar as relações sociais desiguais que atravessam o campo da educação (GOYER & BORRI-ANANDON, 2019; POTVIN, 2018).

Em segundo, os estudos pós-coloniais trataram extensivamente das questões ligadas às relações de poder e à construção e transmissão dos conhecimentos. A abordagem pós-colonial é uma abordagem crítica que propõe uma desconstrução dos saberes dominantes, no intuito de reabilitar as margens para e pelas margens, numa compreensão construtivista da identidade. No contexto deste projeto, trata-se de uma análise das relações sociais desiguais relativas à racialização, à etnicidade e ao colonialismo que atravessam e estruturam os conhecimentos e as práticas no campo da educação (KANU, 2006).

Essa abordagem não contradiz, portanto, a educação inclusiva, mas alimenta sua vertente crítica ao re-centrar a análise sobre as relações sociais desiguais. Isso permite ultrapassar os limites da educação inclusiva e renovar seu aspecto crítico na análise das relações étnicas na escola. De fato, essa postura pós-colonial propõe que se passe de uma lógica de não-normalização a uma lógica de descolonização. A diferença situa-se no fato de nomear o sistema de normas - ligado à branquitude e ao colonialismo - que o processo desconstrói. A descolonização propõe a desconstrução do sistema de normas com o qual a sociedade colonial de povoamento ocupa e legitima a ocupação dos territórios, sejam simbólicos ou físicos. Assim, a descolonização da educação permite construir, a partir da eliminação de potenciais situações de exclusão, uma escola inclusiva que não reproduza relações sociais desiguais relacionadas ao colonialismo.

Por fim, uma postura interacionista (BECKER, 1985; GOFFMAN, 1973) será adotada para a análise das relações étnicas, permitindo “compreender como as relações entre os grupos (indígenas e não-indígenas) são negociadas e se organizam” (DUFOUR, 2020, p. 140). Mais precisamente, a análise se sustenta sob a perspectiva dramatúrgica do mundo social de Erving Goffman (1973). Esse referencial permite descrever como as(os) docentes dão sentido às suas ações e definem as relações entre indígenas e não-indígenas. Trata-se de compreender, a partir da análise do papel das(os) docentes, como as relações desiguais entre indígenas e não-indígenas se reproduzem na escola dos colonos.


Metodologia e resultados preliminares

No âmbito deste projeto de pesquisa, seis entrevistas semiestruturadas com docentes (ética e cultura religiosa, matemática, geografia, história e francês) foram realizadas. As suas transcrições foram objeto de uma análise temática.

Os resultados preliminares assemelham-se às representações parciais dos indígenas no currículo e apontam para um desconhecimento de suas perspectivas e realidades contemporâneas por parte das(os) docentes. As análises das entrevistas com docentes indicam que, embora se reconheça a necessidade de um contexto favorável à integração das perspectivas indígenas, ela está associada principalmente à identidade dos alunos, enquanto a identidade dos(as) docentes é concebida como sendo neutra.


Referências

Battiste, M. (2013). Decolonizing Education: Nourishing the Learning Spirit. Purich Publishing.

Battiste, M. (2004, 29 mai). Animating sites of postcolonial education: Indigenous knowledge and the humanities. Plenary Address.

Becker, H. S. (1985 [1963]). Outsiders : Études de sociologie de la déviance. Metaillé.

Borri-Anadon, C., Potvin, M. et Larochelle-Audet, J. (2015). La pédagogie de l’inclusion, une pédagogie de la diversité. Dans N. Rousseau (dir.), La pédagogie de l’inclusion scolaire (3e éd., p. 49-63). Presses de l’Université du Québec.

Commission d’enquête sur les relations entre les Autochtones et certains services publics: écoute, réconciliation et progrès (CERP). (2019). Rapport final. Gouvernement du Québec.

Commission de vérité et réconciliation du Canada (CVR). (2016). Pensionnats du Canada-Les Séquelles : Rapport Final de la Commission de Vérité et Réconciliation du Canada (Vol. 5). McGill-Queen's Press-MQUP.

Côté, I. (2019). Théorie postcoloniale, décolonisation et colonialisme de peuplement : quelques repères pour la recherche en français au Canada. Cahiers franco-canadiens de l’Ouest, 31 (1), 25–42. https://doi.org/10.7202/1059124ar

Coulthard, G. S. (2018). Peau rouge, masques blancs : contre la politique coloniale de la reconnaissance. LUX.

Dufour, F. G. (2019). La sociologie du nationalisme: Relations, cognition, comparaisons et processus. Presses de l’Université du Québec.

Goffman, E. (1973). Les rites d’interaction. Les Éditions de Minuit.

Gouvernement du Québec. (1998). Une école d’avenir. Politique d’intégration scolaire et d’éducation interculturelle, Québec, Ministère de l’Éducation. Repéré à http://www.education.gouv.qc.ca/fileadmin/site_web/documents/education/adaptation-scolaire-services-comp/PolitiqueMatiereIntegrationScolEducInterculturelle_UneEcoleAvenir_f.pdf

Goyer, R. et Borri-Anadon, C. (2019). Le paradigme inclusif à travers le prisme des rapports sociaux inégalitaires. McGill Journal of Education/Revue des sciences de l’éducation de McGill, 54 (2), 194-205.

Grande, S. (2018). Refusing the university. Dans Spooner, M., et J. McNinch (Eds.) Dissident knowledge (p. 47–65). University of Regina Press.

Kanu, Y. (2011). Integrating Aboriginal perspectives into the school curriculum: Purposes, possibilities, and challenges. University of Toronto Press.

Kanu, Y. (2006). Introduction. Dans Y. Kanu (Ed.), Curriculum as cultural practice: Postcolonial imaginations. University of Toronto Press.

Potvin, M. (2018). De l’interculturel à l’inclusion au Québec : des changements de paradigmes?. Dans C. Borri-Anadon, G. Gonçalves, S. Hirsch, et J. d. P. Queiroz Odinino (Eds.), La formation des éducateurs en contexte de diversité ethnoculturelle: une perspective comparative Québec-Brésil (p.75-90). Deep Education Press.

Smith, L. T., Tuck, E. et Yang, K. W. (2019). Introduction. Dans Smith, L. T., Tuck, E., Yang, K. W. (Eds.) Indigenous and decolonizing studies in education: Mapping the long view. (p. 1-23). Routledge.

Tuck, E., et Yang, K. W. (2012). Decolonization is not a metaphor. Decolonization: Indigeneity, education & society, 1(1).


9h30 BR


O candomblé kongo angola na construção de uma educação pluriversal

Kamila Gomes Borges (UFSB)

Esta pesquisa visa oferecer novos subsídios para o cumprimento das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que orientam sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras. Ela parte da constatação de que os africanos contribuíram por vários séculos na manutenção sócio-econômica e cultural da sociedade brasileira. Pode-se observar os efeitos desta relação na língua falada, que é em grande parte caracterizada pela influência de línguas africanas, principalmente o kimbundo e o kicongo, do tronco bantu. Segundo Castro (2005), dos cerca de quatro milhões de indivíduos transplantados da África subsaariana para o Brasil, setenta e cinco por cento foram trazidos do mundo bantu. A História do Brasil é, portanto, inseparável das contribuições do universo bantu. Em particular, de territórios situados atualmente em Angola e nos dois Congos, presentes, sobretudo, no culto dos nkisses do candomblé kongo angola, que, por sua vez, reservam uma vasta narrativa educacional.

Constata-se, contudo, que os educadores e educadoras mostram-se despreparados diante dos conflitos étnicos presentes no cotidiano de alunos e alunas submetidos a uma estrutura social racista. Frequentemente estes mesmos profissionais são os reprodutores de práticas discriminatórias e desqualificadoras e falta a eles conhecimento relacionado às questões raciais e seu histórico no país. Essa história omitida na historiografia oficial é importante para todos os alunos, das várias descendências étnicas porque todos tiveram seus imaginários afetados por um sistema educacional que vêm assumindo a perspectiva histórica dos povos dominantes em detrimento daquela dos povos não hegemônicos (Munanga, 2004).

A partir desta constatação, esta pesquisa busca contribuir com a abordagem da temática da diversidade étnico-racial nas escolas, subsidiando o combate à intolerância religiosa e ao racismo. Busca, ainda, subsidiar a emergência de novos paradigmas para a prática educativa por meio da visibilização de práticas educativas dos Candomblés e fornecendo a educadores e educadoras novas balizas para refletirem sobre seu lugar como sujeito histórico no contexto escolar.

Como os valores civilizatórios afro brasileiros, como ancestralidade, circularidade, coletividade, musicalidade, ludicidadade, cooperatividade vivenciados nos terreiros de candomblé, na capoeira, nas congadas e em várias outras manifestações de matriz africana podem contribuir na pra construção dessa educação intercultural ?

Objetivos: o objetivo desta pesquisa é investigar as contribuições epistemológicas do Candomblé Kongo Angola, pelo levantamento de suas narrativas. Através do conhecimento sobre os costumes educativos praticados nos Candomblés e sobre os valores civilizatórios afro-brasileiros pretende-se sistematizar novos subsídios para prática pedagógica. Como consequência, pretende-se contribuir para a produção de espaço para outras abordagens e epistemologias no contexto escolar e abrir a escola para outros horizontes, pautados pela diversidade. Pretende-se igualmente fomentar ações políticas em direção a construções coletivas e criativas para a produção de emancipação e subjetividades, para imaginários e corpos submetidos ao processo de desumanização impostos pelo colonialismo. O objetivo de fundo é contribuir para a construção de uma prática anti-racista nas escolas, oferecer epistemologias no universo escolar por meio dos afro-saberes típicos do candomblé e para a concretização da Lei 10.639/03 que torna o ensino de história afro-brasileiro obrigatório.

Referencial teórico: Considerando o ponto de vista de uma pedagogia decolonial, parto das bases da pesquisa participante. Minha pesquisa é no terreiro de candomblé Kongo Angola, Nzo Tumbansi em Itapecerica da Serra em São Paulo, lugar onde esta localizada minha família de santo. Tenho como referência Bunseki Fu – Kiau(2017),que nos explica sobre cosmovisão bakongo e que é uma grande referência pra falar sobre os valores civilizatórios no mundo bantu.

Abordagem metodológica e epistemológica: Esta pesquisa assume uma afro-perspectiva que, segundo Noguera (2012), é uma forma de abordar conhecimento partindo de epistemologias não ocidentais sobre a prática pedagógica. Trata-se de contestar a perspectiva eurocêntrica, que, em seus desdobramentos, inviabiliza a afirmação das consciências individuais e coletivas, posto que ela as define com alteridade e projeta uma tentativa de subalternização e dominação de cunho racista de culturas, povos ou nações.

Sendo eu uma Kota Maganza (mais velha iniciada) num terreiro de tradição Kongo-Angola, pretendo, através da endoperspectiva sugerida por Juana Elbein dos Santos (2008), fazer a pesquisa desde dentro. Busco identificar as experiências pedagógicas presentes no universo das culturas tradicionais, sobretudo, nas práticas de aprendizagens e ensino presentes no universo do candomblé, observando a concepção do conhecimento, cuja constelação de saberes fornece para o âmbito educacional a presença de visões de mundo com especificidades epistêmicas, contudo, esses saberes, ainda não são considerados no campo do conhecimento e da teoria educacional, pois ainda estão no âmbito da disputa, sobretudo nos currículos.

Como estratégia metodológica, a pesquisa lança mão de método etnográfico e da história oral,análise critica histórica dos documentos, revisão bibliográfica de teses e artigos, realização de entrevistas semi-estruturadas e aplicação de questionários com os iniciados e as iniciadas e levantamento de registros e documentos das convivências no dia a dia do terreiro .

Referêcias

BOTELHO, Denise Maria. Educação e Orixás: Processos Educativos no Ilê AxêIyá Mi. São Paulo: Agba, 2005.

CASTRO, Yeda Pessoa. Falares africanos na Bahia. Um vocabulário afro-brasileiro, 2ª ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras: Topbooks Editora, 2005.

MUNANGA, Kabengele. A importância da história da África e do negro na escola brasileira. 2004.

NOGUERA, Renato. Denegrindo a educação:um ensaio filosófico para uma pedagogia da pluriversalidade. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. Número 18: maio-out/2012.

SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a morte. 12.ed, Vozes, 2007.

TRINDADE, FU-KIAU, Bunseki; LUKONDO-WAMBA. Kindezi: a arte Kongo de Cuidar de Crianças. Trad. MoMaiê. Rede Africanidades, 2017


9h50 BR


Processos de hegemonização do nome Educação Integral nas políticas federais de ampliação da jornada escolar no Brasil

Marcio Bernardino Sirino (UERJ)

Contexto: No âmbito do Doutorado em Educação (ProPEd/UERJ), venho avançando nos estudos sobre a temática da Educação Integral e(m) Tempo Integral. A partir das contribuições de Coelho (2009), pode-se inferir que o nome “Educação Integral” foi sendo associado, historicamente, a uma busca por uma suposta ‘plenitude humana’ por meio de diferentes movimentos políticos e experiências pedagógicas que ocorreram no nosso país e que, de certa forma, contribuíram para o processo de hegemonização deste nome no cenário socioeducacional brasileiro com a fantasia de que o mesmo pudesse dar conta das mazelas percebidas na educação pública. No entanto, não há consenso no que se convenciona a chamar de “Educação Integral” no Brasil, o que evidencia a necessidade de, sempre, questioná-lo e revolvê-lo com novos olhares – menos assertivos e mais problematizadores a fim de investigar suas bases e (im)possibilidades de existência.


Objetivos: A partir da perspectiva da Teoria de Discurso (TD), pretendemos analisar três políticas federais de ampliação da jornada escolar no Brasil, com o objetivo de problematizar os sentidos existentes no conceito de educação integral.


Aspectos teóricos-metodológicos: A pesquisa, em desenvolvimento, investiga à luz da Teoria Discurso (TD), de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, três políticas federais de ampliação da jornada escolar do Brasil, a saber: 1- Centros de Atenção Integral à Criança (CAIC); 2- Programa Mais Educação (PME); e 3- Programa Novo Mais Educação (PNME) – a fim de identificar as demandas que foram articuladas para contribuir no processo de hegemonização da Educação Integral no Brasil.


Entendendo o social como textualidade, a TD vem auxiliando na compreensão de que os fenômenos que operam no social só se tornam inteligíveis por meio da linguagem e dos processos de significação que a eles são produzidos. Rompendo com a relação direta entre significante e significado (olhar pós-estrutural) e afirmando não haver um fundamento único/último sobre o qual se possa ancorar (visão pós-fundacional) as certezas (im)postas nos diferentes contextos, as análises que se utilizam desta perspectiva, têm clareza de que múltiplas demandas circulam no social e que, num dado momento, elas são articuladas numa cadeia de equivalência a fim de – politicamente – construir uma hegemonia.


Esse processo se dá pela identificação de que um dos elementos particulares, desta cadeia articulatória, passa a desempenhar uma função universalizante ao agregar, em si, diferentes demandas que estão em disputa no plano político. Um movimento que só é possível por que este ponto nodal, particular, passa a representar os interesses dos demais elementos e constrói a possibilidade de significação de uma fantasiosa totalidade e estancamento do processo de atribuição de novos sentidos (LACLAU; MOUFFE, 2015).

Frente ao exposto, faz-se necessário ressaltar que esta pesquisa opera com o conceito de hegemonia em articulação com a ideia de demandas e, ainda, com a discussão das lógicas fantasmáticas, produzidas, mais recentemente, por Jason Glynos e David Howarth (2018).


Diálogos com os eixos do seminário:

Esta reflexão sobre as lógicas fantasmáticas possibilita o entendimento de que há uma fantasia – construída socialmente – de que a educação, significada como ‘integral’, dará conta das mazelas sociais e ainda contribuirá para a construção de uma integração curricular, que promova, por meio da inclusão dos diferentes sujeitos, a equidade tão esperada que, valorizando a interculturalidade, garanta a justiça social.


Para este seminário, identificamos alguns recortes da legislação analisada (anexo 1), procurando verificar como esses conceitos se alinham com desejos que se veiculam socialmente e são repassados de geração em geração na busca por uma formação plena, que ‘salve’ o estudante e que contribua na sua completude.


Percebemos que estes cinco operadores conceituais – integração, inclusão, equidade, interculturalidade e justiça social – se articulam em torno do processo de hegemonização do significante Educação Integral, como se pode observar nos fragmentos trazidos no quadro a seguir a partir da identificação destes conceitos nas políticas federais em análise. Como pode ser observado, as três políticas analisadas trazem consigo a lógica do ‘melhorismo’, sedimentando um sentido para o nome Educação Integral que se associa com a busca por uma formação ‘total’, ‘completa’, ‘melhor’, por meio do aumento do tempo.


Referencias bibliográficas:

BRASIL. Portaria Interministerial n. 17, de 24 de abril de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abril. 2007.

BRASIL. Portaria n. 1144, de 10 de outubro de 2016. Institui o Programa Novo Mais Educação, que visa melhorar a aprendizagem em língua portuguesa e matemática no ensino fundamental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de out, 2016.

COELHO, Lígia Martha Coimbra da Costa. História(s) da educação integral. Brasília: Em Aberto, v. 22, n. 80, p. 83-96, abr. 2009.

GLYNOS, Jason; HOWARTH, David. Explicação crítica em Ciências Sociais: a abordagem das lógicas. In.: LOPES, Alice Casimiro; OLIVEIRA, Anna Luiza Araújo Ramos Martins; OLIVEIRA, Gustavo Gilson Souza de. (Orgs.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: Ed. UFPE, 2018. (p. 53-103).

LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPq, 2015. (Coleção Contrassensos).

SOBRINHO, José Amaral. PARENTE, Marta Maria de Alencar. CAIC: Solução ou Problema? Rio de Janeiro: IPEA, 1995. (Resultado da pesquisa do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).


10h10 BR


Representações Sociais sobre o racismo em estudantes de Pedagogia

Mario César Pedroso Lira (UNIVASF)

A escravidão no Brasil não encerrou suas atividades ou efeitos quando da promulgação da Lei Áurea em 1888. Muito tempo depois, o preconceito racial, herdeiro mais persistente da crítica história do país que moldou a colônia com legitimação do Estado por praticamente três séculos, está vivo e atuante na sociedade, fazendo vítimas e perpetuando a dor das “senzalas e pelourinhos”, desta vez, quando não diretamente no corpo, na economia, na vida social, na emoção de milhões de brasileiros e expressadas nas representações sociais construídas sobre a população negra e parda.

Muito embora a maioria absoluta dos brasileiros admita a existência de uma discriminação racial no "outro", reconhecer o problema em si mesmo não é comum entre os habitantes da antiga colônia. "O indivíduo não admite ter preconceito, porém, sempre conhece alguém que o tem, seja amigo ou parente." (Naiff, Sá, Naiff, 2019, p. 59). A fim de perceber a tendência de transferir para um terceiro o sentimento de inferiorizarão contra o negro, um estudo desenvolvido por Turra e Venturi (1995), a partir de uma amostra representativa da população nacional indicou que quase 90% dos entrevistados se consideram não racistas, ao mesmo tempo em que igual percentagem de brasileiros acredita que existe racismo no Brasil. Esta impressão contraditória do brasileiro aponta para um problema social que não parece simples de se solucionar. Como denuncia Schawarcz (1998, p. 155): "Todo brasileiro se sente uma ilha de democracia cercado de racistas por todos os lados".

Assumindo esse contexto racista, indagamos sobre a qualidade da formação de pedagogos acerca da problematização do racismo, uma vez que entendemos o fundamental papel do educador no que diz respeito a superação dos problemas sociais. Sendo assim, a pesquisa intitulada “Representações Sociais do racismo em estudantes de Pedagogia” buscou analisar as representações sociais de um grupo de 08 alunos universitários do Curso de Pedagogia (7° e 8°), a partir de um grupo focal com os participantes, sobre o racismo, entendendo que esses futuros profissionais serão atores de influência determinante nos centros escolares onde atuarão, predominantemente com crianças, em seus vínculos profissionais. Cabe ressaltar que em função da pandemia mundial do Corona Vírus e, portanto, da recomendação do afastamento social, esses encontros aconteceram virtualmente, com a utilização do Google Meet, uma plataforma de comunicação online da empresa Google.

Nessa investigação, objetivou-se analisar as representações sociais sobre o racismo dos discentes de Pedagogia em relação ao futuro profissional, além de identificar a estrutura representacional sobre o racismo construída por um grupo de discentes do curso de Pedagogia, assim como construir com os participantes propostas formativas ou práticas educacionais para o combate do racismo.

Buscou-se, com o resultado desta pesquisa colaborar com as ações sobre questões étnico-raciais, bem como com as abordagens culturais relacionadas ao racismo entre a comunidade acadêmica e científica e promover a reflexão nos meios sociais que tiverem acesso à investigação. Entre os principais resultados obtidos, destacamos: o unânime posicionamento dos participantes sobre o preconceito racial, a ideia de racismo que se confundiu com outros problemas sociais, mas que se diferenciam estruturalmente do racismo, e a questão da universidade, que de acordo com os participantes, não considera o tema com a mesma relevância que deveria. Por fim, as externalizações do grupo revelaram certa transferência de responsabilidade para a universidade.

Entendeu-se que a Teoria das Representações Sociais foi uma abordagem importante para compreender, a partir das falas dos participantes, as questões do racismo, incluindo as percepções e experiências em pedagogos em formação, que provocará em um futuro breve influências nas novas gerações.


Referências

Naiff, D. G. M., Naiff, L. A. M., & de Souza, M. A. (2009). As representações sociais de estudantes universitários a respeito das cotas para negros e pardos nas universidades públicas brasileiras. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9(1), 219-232.

Schwarcz, L. M. (1998). Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In História da vida privada no Brasil: Contrastes da intimidade contemporânea. (p. 155). São Paulo: Companhia das Letras.

Turra, C., & Venturi, G. (1995). Racismo cordial: a mais completa análise sobre preconceito de cor no Brasil. São Paulo: Ática.


11h30 BR


Mesa redonda « Interculturalidade e / ou inclusão? Desafios da educação em contexto indígena »

A mesa redonda “Interculturalidade e/ou inclusão? Desafios da educação em contexto indígena” buscará discutir as experiências dos povos indígenas no que diz respeito à educação no Brasil e no Quebec. Esta mesa redonda examinará a tensão entre interculturalidade (que poderia ser parcialmente traduzida como indigenização) e inclusão. Por um lado, os trabalhos sobre interculturalidade destacam a importância de reconhecer os conhecimentos e as perspectivas das comunidades. Por outro lado, a necessidade de contribuir com a formação de indígenas para apoiar e oferecer novas oportunidades de participação social é defendida em obras que se dizem inclusivas. Como essa tensão é vivenciada e como pode ser resolvida? É possível conciliar essas perspectivas? Que experiências foram apresentadas para considerar os interesses às vezes divergentes de comunidades, estudantes e autoridades governamentais?

Educação indígena na escola: avanços e limites da educação escolar indígena diferenciada e intercultural no Brasil

Edison Kayapó (IFBA)

Fazer da educação uma tradição: a experiência de Kiuna

Stéfanie Obomsawin & Jean-François Beaudet (Kiuna)


13h30 BR


Pausa para o almoço



14h30 BR

Grupo de trabalho

Interações em subgrupos com base em trechos selecionados de obras de autores indígenas do Quebec e do Brasil, seguidos por uma discussão no grande grupo.