27 de Agosto 2021

Tema do dia : Padronização de currículos e medicalização na educação: quais respostas às tensões entre o particular e o universal?

Seminário de pesquisa : apresentação de projetos dos participantes


9h10 BR


Uma etnografia interseccional com/entre crianças da educação infantil de Teixeira de Freitas - Bahia

Alessandra Souza Teixeira (UFSB)

O presente trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado, que se encontra em andamento no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais (PPGER) da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

O locus da pesquisa é o município de Teixeira de Freitas, cuja história registra forte presença dos negros e indígenas, que viviam em pequenas comunidades rurais. Ele fica localizado no Extremo Sul da Bahia, a 884 km da capital, Salvador, e possui uma rede de educação infantil que, segundo os dados do Censo, fornecidos pela Secretaria de Educação no ano de 2020, registrou 1.182 crianças matriculadas nas creches e 2.787 na pré-escola.

Este estudo tem como objetivo refletir sobre as crianças como sujeitos socialmente localizados, num contexto que é marcado pelas diferenças étnico-raciais, de gêneros e de sexualidades, buscando compreender de que formas esses marcadores se articulam, produzindo formas diversas de exclusão, marginalização, mas também possibilidades de agenciamentos.

Nossa proposta metodológica está dentro do campo da pesquisa qualitativa, com inspiração pós-crítica. A pesquisa qualitativa trabalha com uma realidade não quantificável, mas com “o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes que correspondam a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1994, p. 21). Assim, o trabalho está direcionado numa perspectiva etnográfica de aproximação e relação com as crianças, fazendo uso da etnografia virtual, etnoprintgrafia (BORGES, 2019) e da análise documental.

Para Silva (2017), o conceito de interseccionalidade “é necessário para a construção de novas práticas pedagógicas, que relacionam as opressões de forma a compreender as relações sociais e históricas que inscrevem os sujeitos em categorias desviantes da expectativa social” (SILVA, 2017, p. 167). Pensar sobre as relações de gêneros, sexualidades e os poderes que são exercidos na socialização de meninos e meninas na Educação Infantil, faz-se necessário, uma vez que, no dia a dia das instituições podemos perceber que ainda hoje há uma tendência de se justificar as diferenças com base em determinismos biológicos.

Neste sentido, é importante, então, considerar que o direito a uma Educação Infantil de qualidade está perpassado pelas discussões das questões de raça, etnia, gêneros e sexualidades, uma vez que nas instituições não cuidamos apenas de um corpo genérico das crianças, mas também as educamos, imprimindo nelas nossas perspectivas acerca do venha a ser menino e menina, negro, branco e indígena. No entanto, observamos que padronizações curriculares têm sido endereçadas à Educação Infantil, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que tem silenciado as questões de raça, etnia, gêneros e sexualidades no documento. Além de promover a antecipação do processo de alfabetização, que deveria ocorrer no Ensino Fundamental, em atendimento a um modelo de avaliação por rankings de qualidade.

Se na BNCC, os conceitos de raça, etnia, gêneros e sexualidades foram silenciados, bem como, há um movimento de antecipação do processo de alfabetização, os (as) profissionais que atuam nas instituições de educação infantil têm tido o desafio de traduzir e interpretar o documento curricular vigente, pensando os limites e as possibilidades das instituições no enfrentamento às violências que são reproduzidas a partir de noções de diferença, compreendendo que “todos os corpos possuem uma experiência racializada, genereificada, sexualizada” (SILVA, 2017, p. 161).

O que temos visto com a BNCC é um deslocamento da governança, exercida pela rede de negociações formadas pelo estado neoliberal, que agora passa a operar com estas fundações e instituições privadas, interferindo e decidindo políticas educacionais e curriculares para as redes educacionais brasileiras (MACEDO, 2014). Neste diálogo, numa sociedade plural como a nossa, defender e construir propostas que vão na contramão de políticas de padronização, têm sido o caminho percorrido pelos (as) profissionais de educação, bem como pelas crianças, que com seus agenciamentos, insistem ir contra padronizações e subjetividades comuns.


Referências

BORGES, Luzineide Miranda. #Soudoaxé: redes educativas e o ciberativismo da Juventude de Terreiro da nação Ijexá. Tese (Doutorado em Educação). ProPED, UERJ, 2019.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). BRASIL/MEC, Brasília, 2017.

MINAYO, Maria Cecília de S. Ciência, Técnica e arte; o desafio da pesquisa social. In: Pesquisa Social: teoria método e criatividade. MINAYO. M.C.S. (org.) Petrópolis: Vozes. 1994.

SILVA, V. Daniel. Diálogos sobre escola e diferença: uma perspectiva interseccional sobre o cotidiano escolar. Rev. Interinstitucional Artes de Educar. Rio de Janeiro, v. 3, N 1 – p. 154 – 169, mar/jun. 2017.


9h30 BR


Diálogos sobre saúde mental na escola na perspectiva da pesquisa-formação: tecendo sentidos

Layta Sena Ribeiro (UNIVASF)

O estudo trata de um recorte de pesquisa em fase de finalização, oriundo do programa de mestrado em Psicologia da Univasf, da linha de processos psicossociais e que diz respeito a pesquisa-formação num processo investigativo-interventivo com atores de um determinado contexto, mais precisamente o espaço escolar. A pesquisa-formação preza por valorizar a autonomia dos participantes, alavancar o percurso investigativo e mudar a estratégia metodológica, ideológica e política desse tipo de intervenção, que historicamente se colocou como verticalizada, apolítica e bancária (Freire, 2018). A saúde mental, fenômeno de relevância para este estudo, apresenta-se de maneira complexa, dado o fato de que a saúde é multideterminada e holística, englobando corpo e psiquê. Apreender a compreensão da temática saúde demanda amplitude, pois a mesma se vale de apontamentos biológicos, psicológicos, culturais, históricos, sociais, políticos, ideológicos e mesmo religiosos, portanto, deve ser estudada conforme paradigmas transdisciplinares, polissêmicos e multirreferenciais (Amarante, 2007). Por conseguinte, o olhar sobre a saúde mental a partir desse trabalho se dá na perspectiva psicossocial, dissonante do clássico enfoque biomédico. Objetivou-se realizar uma pesquisa-formação em uma escola pública periférica de Juazeiro sobre temáticas e entendimentos relacionados a saúde mental que apresentassem interesse para a instituição. Além disso, pretendeu-se tornar conhecidos os contextos de risco e de proteção a comunidade escolar a partir dos assuntos discutidos. Buscou-se também investigar a dinâmica e os desdobramentos do processo formativo, em relação ao andamento dos encontros e suas resoluções. O trabalho se justifica pela necessidade de investigação e atuação em saúde mental nos espaços educacionais, visto que são espaços privilegiados para debates e ações de promoção a saúde. O método seguido é o da pesquisa-formação, um tipo de trabalho científico que atua através de uma concepção dialógica, ética, estética, implicada, amorosa, colaborativa e criativa. Ocorreram 5 rodas de conversa em que foram usados recursos audiovisuais e manuais (vídeos, papéis a4, canetas, notebook e caixa de som) contando com a participação de 20 pessoas como estudantes, professores, coordenação pedagógica e administrativa e pesquisadores (a proponente, um graduando em Psicologia e uma estudante do ensino médio em iniciação a pesquisa). Como o estudo está em processo de construção heurística e hermenêutica se relatará apenas os momentos já analisados e reflexivamente trabalhados na construção da dissertação, anteriores a pandemia do coronavírus que exigiu re-contratualizações no percurso investigativo. Assim, os encontros aconteceram em 2019, na sala de computação/biblioteca, uma vez por semana, em um intervalo de uma hora e meia a duas horas. Os assuntos aventados giraram em torno do debate sobre: competências socioemocionais; cuidado como uma categoria epistemológica e como um sentido para o ser; tempo-aqui-agora e vivências autênticas e o relacionamento professor-aluno. Usou-se a análise de conteúdo hermenêutica intercrítica de Macedo (2009) que possibilita a sistematização de simbolizações produzidas afetiva e cognoscitivamente pelo pesquisador por meio da redução fenomenológica para examinar os diários de bordo e as discussões ocasionadas no processo intergrupo. Notou-se o agrupamento de categorias analíticas denominadas “as reverberações da metodologia da pesquisa-formação”, “relações de poder retratadas no coletivo formativo” e “compreensões a respeito da saúde mental”. A partir das atividades proporcionadas ao grupo percebeu-se uma qualidade maior nas interações, bem como quanto ao fortalecimento de vínculos, visto o caráter implicativo, compreensivo e colaborativo da pesquisa, a despeito das primeiras dinâmicas relacionais que demonstravam um distanciamento entre professores e estudantes, e professores e pesquisadores, mas que foram dando espaço a novas formas de interagir. O modo de trabalho empregado também facilitou a complexificação de concepções sobre a saúde, dado que variaram entre racionalizações biomédicas-cartesianas a compreensões holísticas e contextualizadas ético-politicamente. Posto isso, notou-se o crescimento da escuta das narrativas expressas, visto que foi possível abranger o respeito as alteridades, antes obscurecidas pelo produtivismo capitalista que se propõe a alienar e docilizar os corpos nos contextos escolares. Ademais, esse espaço proporcionado pela pesquisa mostrou-se como um retorno ao cuidado diligente e solícito, que visa a presteza, o amor e a compassividade. O empenho produzido coletivamente através das tessituras de redes de saberesfazeres, colocou a experiência como pilar da investigação. A aproximação a esses conteúdos se deu no compartilhamento do vivido e do pensado, expressos pela narrativa dos integrantes do grupo formativo (Macedo, 2015). Nesse sentido, observou-se afetações e novas elaborações simbólicas a respeito dos fenômenos discutidos como a ampliação epistemológica do entendimento sobre saúde e das formas com que pode relacionar-se com os pares e com os outros. Por fim, a pesquisa-formação enquanto método perscrutador gerou o contato com as singularidades, mediante a suspenção de juízos, a postura crítico-político-reflexiva e a expressão compreensiva e sensível da escuta dos afetos.

Referências

Amarante, Paulo. Saúde mental e atenção psicossocial. SciELO-Editora FIOCRUZ, 2007.

Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. 66. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Paz e Terra, 2018.

Macedo, Roberto Sidnei. Pesquisar a experiência: compreender/mediar saberes experienciais. Curitiba, PR: CRV, 2015.

Macedo, Roberto Sidnei; Galeffi, Dante; Pimentel, Álamo. Um Rigor Outro: Sobre a questão da qualidade na pesquisa qualitativa. EDUFBA, 2009.


9h50 BR


Narrativas de mulheres pretas sobre identidade e cuidado na experiência de uma pesquisa-formação afrocentrada decolonial

Jonalva Paranã de Araújo Gama (UNIVASF)

O presente trabalho se constitui na esteira das abordagens narrativas e da pesquisa formação, de modo que a autora assume seu lugar de falar. Nesse sentido, a investigação se forja via a minha trajetória enquanto mulher preta psicóloga, com passos nas Políticas Públicas de Saúde, na Assistência Social e na Clínica Tradicional. Tais passos me proporcionaram conhecer o povo de Lage dos Negros, comunidade remanescente de quilombo da zona rural de Campo Formoso/BA e as mulheres e homens pretos usuários do Centro de Atenção Psicossocial I (CAPS I) de Sobradinho/BA.

Esses caminhos revelaram minha identidade racial, bem como as emblemáticas questões que a Psicologia ainda não se debruçou, principalmente por ter surgido a partir da lógica da modernidade/colonialidade, e endossou o interesse em representar o povo preto na academia a partir da teoria da afrocentricidade e do pensamento decolonial, estudando as narrativas de mulheres pretas sobre identidade e cuidado no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Univasf.

Considerando que o Brasil é, desde a invasão de suas terras, cenário onde se opera uma política de morte, que Achille Mbembe nomeou de Necropolítica*, com graves repercussões na vida do povo africano, é necessário pensar caminhos que se proponham romper com as desigualdades étnico raciais nos mais diferentes campos sociais, contemplando a educação formal e outros percursos educacionais.

Neste contexto, a teoria da afrocentricidade e o pensamento decolonial são possiblidades para pensar a vida do povo africano no continente ou na diáspora, porque pautam que a África e seu povo têm um processo histórico que foi apagado em benefício do eurocentrismo e que o combate ao racismo passa pela retomada dessa história a partir das epistemologias do Sul Global.

Considerando estes marcos, pensar sobre as mulheres pretas no Brasil é realizar um debate da intersecção entre gênero e raça, pautando a fecundidade e a ética comunitária, já que como seres africanos são matrigestoras responsáveis, juntos com os homens, pelo bem viver da comunidade.

Este trabalho orienta-se pela pesquisa-formação de recorte afrocentrado decolonial com propósito de conhecer as narrativas de mulheres negras sobre identidade e cuidado, cujo objetivo geral é compreender a construção da identidade e as perspectivas de cuidado de mulheres negras no âmbito da pesquisa-formação afrocentrada.

Os objetivos específicos são conhecer as narrativas orais que envolvem a construção da identidade de mulheres negras; analisar os saberes relativos à identidade e cuidado e identificar os vínculos das heranças africanas, considerando o compromisso que a pesquisadora assume frente a necessidade de retomada das epistemologias do Sul Global como suleadoras para o olhar lançado a narrativas de mulheres pretas.

Baseado numa experiência prévia da pesquisa**, adentramos em narrativas de mulheres negras sobre as repercussões do racismo estrutural em seus processos de construção da identidade, o reconhecimento da força vital através das heranças originárias, as estratégias de cuidado frente às desigualdades étnico raciais, os caminhos para o reposicionamento social e sobre as experiências com o amor.

Importante salientar que esta pesquisa está em andamento e que há previsão ainda de cinco encontros, além dos registrados diários. Será realizada a análise proposta pela teoria da afrocentricidade, que parte do método comparativo, contemplando os intercruzamentos entre fatores de raça, gênero e classe e o esquema transcultural, transnacional e histórico, reconhecendo as concepções de mundo existentes. Para esse investimento, será realizada leitura profunda do material elaborado, desenhando o diálogo com o referencial teórico que fundamenta esta pesquisa.

Entre os benefícios da pesquisa, se destaca o fortalecimento da identidade racial de mulheres negras, o compartilhamento de vivências como via para ressignificação, construção de cuidado afrorreferenciados e a descolonização de práticas de cuidado e de educação.

* O termo Necropolítica surge a parte da nomeação que os europeus dão ao povo africano, necro, que significa morte, por isso política de morte. O movimento negro se apropria do uso de “necro”, com finalidade de extrair a potência identitária.

** A experiência prévia mencionada foi realizada em novembro e dezembro de 2020 com finalidade de experimentar a mediação de grupo no formato virtual. Foram dois encontros realizados com mulheres pretas sobre a história das mulheres pretas no Brasil e cuidado, como recurso foram utilizados desenhos, movimentos corporais, poesia e música, além das partilhas grupais.


Referências

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. Feminismos Plurais, coordenação de Dajmila Ribeiro. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.

ASANTE, K. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, E. L. (Org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. p. 93-110.

BERNARDINO-COSTA, J. MALDONADO-TORRES, N. GROSFOGUEL, R. Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.

FANON, F. (1963). Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

LONGAREZI, A. M. SILVA, J. L. Pesquisa-formação: um olhar para sua construção conceitual e política. Revista Contrapontos - Eletrônica, Vol. 13 - n. 3 - p. 214-225 / set-dez 2013. Disponível em: <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/4390>. Acessado em junho/2021.

MAZAMA, A. A afrocentricidade como um paradigma. In: NASCIMENTO, E. L. (Org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. p. 111-128.

NOGUEIRA, S. G. (2020). Libertação, descolonização e africanização da psicologia: breve introdução à psicologia africana. São Carlos: EdUFScar.

PERRELI, M. A. S. et al. Percursos de um grupo de pesquisa-formação: tensões e (re)construções. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. 2013, v. 94, n. 236, pp. 275-298. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rbeped/a/hKs4gbp488Z7hQJmfjCKkrJ/abstract/?lang=pt#>> Acessado em Junho/2021. ISSN 2176-6681.


10h10 BR


A Pedagogia da Primeira Infância Oprimida e as(os) educadoras(es) da periferia (re)pensando a educação infantil: denúncias e possibilidades emancipatórias/descolonizadoras

Otavio Henrique Ferreira da Silva (UFMG)

A tese de doutorado em andamento que será apresentada neste texto tem como objetivo geral: compreender o que dizem as narrativas de professoras da educação infantil e famílias da comunidade escolar de uma instituição de educação infantil da periferia urbana sobre a formação das crianças de 3 anos para o exercício da cidadania e quais as possíveis intersecções destas narrativas com o pensamento decolonial-emancipatório (FREIRE, 1985; 2019a; 2019b; 2020; QUIJANO, 2005). Neste resumo apresentaremos dois pontos mais específicos da tese: a) as reflexões de um ensaio teórico inspirado e construído a partir do pensamento de Paulo Freire; e b) algumas análises iniciais dos dados da pesquisa empírica realizada em uma instituição de educação infantil localizada na periferia urbana da cidade de Betim, Minas Gerais. A tese em andamento é apoiada na abordagem metodológica das pesquisas qualitativas em ciências humanas e sociais. A Pedagogia da Primeira Infância Oprimida pode ser compreendida, de uma forma geral, como uma pedagogia que ao trazer as crianças oprimidas para o centro da investigação e da prática educativa, busca dar visibilidade às opressões e às condições subalternas em que as crianças estão imersas. Com isso busca-se contribuir com o movimento pedagógico descolonizador, humanizador e libertador das infâncias, dos povos e das sociedades colonizadas/periféricas/subalternas (FREIRE, 1985; 2019a; 2019b; 2020). Buscando dar densidade conceitual ao que estamos chamando de Pedagogia da Primeira Infância Oprimida, estruturamos as análises em quatro categorias. Na categoria 1, “Questões estruturais da Pedagogia da Primeira Infância Oprimida”, será discutido que uma pedagogia revolucionária jamais pode castrar a curiosidade e criatividade das crianças. A criança começa a ser educada desde o dia em que nasce, seja por meio de uma perspectiva colonizadora/autoritária e/ou de liberdade. As universidades têm papel importante na formação de professoras que tenham compromisso com a realização de um trabalho pedagógico voltado para as crianças e infâncias oprimidas. Na categoria 2, “Autoritarismo pedagógico com crianças”, será analisado que a partir do momento que a criança tem sua curiosidade castrada, ela logo começa a perceber que não precisará fazer esforço para pensar e, por isso, é pouco desafiada em sua capacidade cognitiva. Educar crianças para a cidadania e a emancipação humana é tempo de resistir ao projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico e respeitar as especificidades delas enquanto bebês e crianças. Na categoria 3, “Autoridade e liberdade na educação infantil”, discute-se que não há autonomia sem que haja a presença de uma autoridade por perto. O senso de autoridade da professora, para longe de qualquer neutralidade, é uma qualidade política de seu ofício. Ao mesmo tempo que orienta a criança, a professora precisa desafiá-la a continuar sendo curiosa. Assim, a criança poderá a aprender a filosofar e tomar conta de sua própria existência. Na categoria 4, “Educar crianças pela curiosidade: ato revolucionário”, será discutido que o “por quê?” vindo da criança é uma virtude revolucionária essencial ao Brasil dos dias de hoje. Alimentar a curiosidade infantil é fundamental para se romper com a educação adultocêntrica, colonial, autoritária, e por isso, é estar junto às crianças oprimidas na construção de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida onde elas poderão sentir que seus olhos, mãos e vozes são órgãos vivos no mundo, e que podem e devem ser curiosas e revolucionárias. Tendo em vista a instituição de educação infantil pesquisada no contexto da cidade de Betim, defenderemos também neste texto, que para a Pedagogia da Primeira Infância Oprimida contribuir com projetos concretos de educação infantil, é preciso pensar os caminhos dessa pedagogia juntamente com os sujeitos educadores e estes junto das crianças. A partir de um diálogo com as obras freirianas, podemos compreender que há na práxis da professora de crianças oprimidas (professora esta que também é oprimida) possibilidades emancipatórias em seu fazer que pode contribuir em educar as crianças desde a tenra idade para uma formação descolonizadora e emancipatória. Em outras palavras, ao mesmo tempo que percebemos a colonialidade (QUIJANO, 2005) presente nas práticas educativas de uma instituição de educação infantil da periferia, percebemos que há no ofício da professora singularidades potentes e articulações com a Pedagogia da Primeira Infância Oprimida.


Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 58. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019a.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 68. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019b.

FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1985.

FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. Partir da infância: diálogos sobre educação. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgard (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e Ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.


10h30 BR


A política de adaptação escolar no Quebec: da integração escolar à produção de injustiças e desigualdades escolares em relação aos EHDAA

Deborah Andrade Torquato (UdeM)

A integração escolar dos alunos com deficiência ou em dificuldade de adaptação e de aprendizagem (em francês, EHDAA) na sala de aula resulta de um conjunto de ações e de políticas educacionais que buscam promover a igualdade de oportunidades e a equidade na educação. No Quebec, a política de adaptação escolar de 1978, seguida de sua última versão de 1999, foi produzida no intuito de legitimar as ações de acessibilidade à educação. As propostas dessa política voltam-se para a integração escolar dos EHDAA na sala de aula, oferecendo recursos para apoiá-los e dar-lhes centralidade no processo de aprendizagem (Ministério da Educação de Quebec (MEQ), 1978, 1979, 1999).

No entanto, a implementação da política de adaptação escolar de 1978, reformulada em 1999, fez emergir novas formas de desigualdade e de injustiça para os EHDAA. Logo que a política foi anunciada em 1978, a integração escolar dos EHDAA foi realizada, em geral, de forma indiscriminada, sem levar em conta as necessidades de cada aluno (PRUD’HOMME, 2018). Os sindicatos dos professores denunciaram o fato de que a integração desses alunos foi praticada sem uma estrutura de acolhimento adequada. Qualificaram-na de “integração selvagem”, por não ter levado em consideração as necessidades dos EHDAA, nem ter fornecido as condições necessárias para a prática dos profissionais da educação (Central de Ensino do Quebec (CEQ), 1981, 1983). Ainda que a política tenha sido reformulada em sua versão de 1999, a realidade da implementação ainda suscita diversas críticas (BOUTIN et al., 2015, Federação Autônoma de Ensino (FAE), 2016, 2017).

Em geral, a situação dos EHDAA no Quebec permanece ainda problemática. De acordo com o relatório do Ministério da Educação, do Ensino Superior e da Pesquisa (MEESR) (2015), a taxa de evasão dos EHDAA nos ensinos fundamental e médio entre 2011 e 2012 foi de 46,8 %, enquanto para os demais alunos foi de apenas 10,3 %. A maioria dos EHDAA que abandonaram a escola eram alunos com dificuldade de adaptação e aprendizagem: 58% no 9º ano do ensino fundamental e 30% no ensino médio (MEESR, 2015). De fato, a presença de uma deficiência ou de uma dificuldade de adaptação ou de aprendizagem foi identificada como um dos fatores de risco para a evasão. A situação se agrava quando conjugada a outros fatores como a existência de um atraso escolar, ou quando os alunos são oriundos de meios desfavorecidos. (MEESR, 2015).

Nesse contexto, a implementação da integração escolar indica a persistência de lacunas já conhecidas desde o seu início de implementação, nos anos 80. A falta de condições para a integração dos EHDAA em sala de aula, principalmente no que diz respeito à oferta de recursos e de serviços de apoio, ainda é observada nos dias de hoje (FAE, 2016, 2017). Dada a diversificação da sala de aula decorrente do projeto integracionista, o docente precisa dar conta de responder às necessidades individuais dos alunos, abordando suas dificuldades de forma individualizada através de métodos como a diferenciação pedagógica. No entanto, de acordo com as constatações da pesquisa de Paré (2011), ainda que algumas intervenções de adaptação e de variação das práticas sejam desenvolvidas, na realidade, a abordagem tradicional ou magistral permanece a mais praticada pelos docentes. Ainda que os docentes, em sua maioria, não manifestem nenhuma oposição direta à integração dos EHDAA, o olhar ainda é um tanto negativo e pessimista diante da eficácia da inserção desses alunos em sala de aula (BOUTIN et al., 2015). Desta forma, a persistência de práticas pedagógicas uniformizantes que negligenciam as necessidades individuais dos alunos acaba produzindo segregação na sala de aula, atingindo, principalmente, os EHDAA.

Além disso, dada a lógica de quase-mercado presente na educação, resultado da descentralização da gestão educacional e da gestão baseada em resultados, a escola acaba produzindo e reproduzindo novas formas de desigualdade e de injustiça para os alunos que divergem da “norma” (DEMBÉLÉ et al., 2013; LEVASSEUR, 2018). Por exemplo, no intuito de competir com o setor privado, diversas escolas públicas vêm diversificando seus programas, selecionando apenas os melhores alunos (LEVASSEUR, 2018). Essa seleção tem como consequência a concentração dos EHDAA nos mesmos estabelecimentos, o que perpetua a dinâmica da segregação e da exclusão desses alunos (GONÇALVES & LESSARD, 2013; LEVASSEUR, 2018). Por conseguinte, os EHDAA acabam convivendo com alunos cujo desempenho é menor, ficando mais vulneráveis à exclusão escolar, à evasão, à segregação em relação ao grupo e ao estigma (DUVAL, LESSARD, TARDIF, 1997; BOUTIN et al., 2015). Em resumo, a própria escola, com suas práticas uniformizantes voltadas para a eficiência e para o desempenho escolar, acaba gerando e mantendo injustiças e desigualdades escolares para com os EHDAA.


Referências

Boutin, G, Bessette, L. et Dridi, H. (2015). L’intégration scolaire telle que vécue par des enseignants dans des écoles du Québec (ISVEQ). Rapport de recherche 2013-2015. Rapport final déposé le 21 décembre 2015 à la Fédération autonome de l’enseignement. Université du Québec à Montréal.

Centrale de l’enseignement du Québec. (1981). Le sort des enfants en difficulté. Service de communication.

Centrale de l’enseignement du Québec. (1983). Pour une réelle adaptation scolaire de la majorité des enfants du Québec. Service de communication.

Dembélé, M., Goulet, S., Lapointe, P., Deniger, M. A., Giannas, V., & Tchimou, M. (2013). Perspective historique de la construction du modèle québécois de gestion scolaire axée sur les résultats. Dans : Maroy, C. L’école à l’épreuve de la performance : Les politiques de régulation par les résultats : trajectoires nationales, usages locaux. Brussels : DeBoeck.

Duval, L., Lessard, C., et Tardif, M. (1997). Logiques d’exclusion et logiques d’intégration au sein de l’école. Le champ de l’adaptation scolaire. Recherches sociographiques, 38 (2), 303-334. https://www.erudit.org/en/journals/rs/1900-v1-n1-rs1600/057126ar/abstract/

Fédération autonome de l’enseignement. (2016). Des profs déchirés, constamment sous pression et démunis. Recherche inédite sur l’intégration des élèves en difficulté. Communiqué.

Fédération autonome de l’enseignement. (2017). Tout ce qui brille n’est pas or. Fin présumée de la course aux diagnostics dans les écoles. Communiqué.

Gonçalves, G., & Lessard, C. (2013). L’évolution du champ de l’adaptation scolaire au Québec : politiques, savoirs légitimes et enjeux actuels. Canadian journal of education, 36(4). https://www.jstor.org/stable/canajeducrevucan.36.4.327

LeVasseur, L. (2018). L’école québécoise et la gestion de la diversité des élèves : mesures d’intégration et tensions au sein de la division du travail éducatif. Raisons éducatives. (1), 173-191. https://www.cairn.info/revue-raisons-educatives-2018-1-page-173.htm

Ministère de l’Éducation du Québec. (1978). L’école québécoise : énoncé de politique et plan d’action. L’enfance en difficulté d’adaptation et d’apprentissage. Gouvernement du Québec.

Ministère de l’Éducation du Québec. (1979). L’école québécoise : énoncé de politique et plan d’action. Québec, Gouvernement du Québec.

Ministère de l’Éducation du Québec. (1999). Une école adaptée à tous ses élèves : prendre le virage du succès. Politique de l’adaptation scolaire. Gouvernement du Québec.

Ministère de l’Éducation, de l’Enseignement supérieur et de la Recherche. (2015). Les décrocheurs annuels des écoles secondaires du Québec. Qui sont les décrocheurs en fin de parcours ? Que leur manque-t-il pour obtenir un diplôme ? Bulletin statistique de l’éducation, 43.

Paré, M. (2011). Pratiques d’individualisation en enseignement primaire au Québec visant à faciliter l’intégration des élèves handicapés ou des élèves en difficulté au programme de formation générale [thèse de doctorat, Université de Montréal]. Papyrus : http://hdl.handle.net/1866/6293

Prud’homme, J. (2018). Instruire, corriger, guérir ? Les orthopédagogues, l’adaptation scolaire et les difficultés d’apprentissage au Québec, 1950-2017. Presses de l’Université du Québec.


11h30 BR


Mesa redonda « Padronização de currículos e medicalização na educação: quais respostas às tensões entre o particular e o universal? »

A mesa redonda “Padronização de currículos e medicalização na educação: quais respostas às tensões entre o particular e o universal?” abordará as consequências da padronização e da instrumentalização dos processos educacionais, dentro de uma lógica progressivamente mercantil. Como se dá a padronização e instrumentalização do campo educacional no Quebec e no Brasil? Quais são as resistências geradas? Qual valor se dá aos espaços, histórias e singularidades nesses processos? Que outras respostas nos permitem apreender a tensão entre o particular e o universal?

A educação pré-escolar no Quebec em tensão entre a abordagem baseada no desenvolvimento e a escolarização precoce: repercussões sobre o jogo das crianças

Mathieu Point (UQTR)

Estratégias de avaliação e intervenção com crianças que apresentam dificuldades na leitura e na escrita

Virgínia de Oliveira Alves Passos (UNIVASF)


13h30 BR


Pausa para o almoço



14h30 BR

Lições e experiências de uma pesquisadora entre o Sul e o Norte: uma conversa com Marta Anadon

Marta Anadón (UQAC)