26 de Agosto 2021

Tema do dia : Equidade e justiça social no ensino superior: transformação ou manutenção do status quo?

Seminário de pesquisa : apresentação de projetos dos participantes


9h10 BR


Compreender o bem-estar dos estudantes universitários internacionais do Quebec numa abordagem baseada na psicologia positiva

Zina Kharchi (UQTR)

No Quebec, os termos educação e internacionalização são conjugados junto há muito tempo juntos, fazendo já cerca de 20 anos que o último vem sendo objeto de muitos discursos, tendo sido amplamente utilizado em ciências políticas. Foi somente no início dos anos 80 que este termo atingiu seu auge de popularidade em educação (Knight, 2003). De acordo com a Federação nacional das e dos professores do Quebec, FNEEQ, a problemática da internacionalização tomou um novo rumo, segundo uma abordagem utilitarista e comercial, nos anos 90, na esteira da globalização da economia, do saber e do liberalismo. Isto posto, enquanto atividade comercial global, a mobilidade estudantil gera lucro de 30 bilhões de dólares americanos ao ano (Morin, 2008). As despesas fixas de escolaridade de estudantes estrangeiros, suas despesas de subsistência, aluguel e outros custos, são uma contribuição significativa para o país: quase 6 bilhões de dólares para a economia canadense em 2008 e mais de 8 bilhões em 2010 (CIC, 2012).

Para além do aspecto econômico, a internacionalização do ensino superior é vista por Knight (2003) como o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global com o objetivo de taxação do sistema educacional. De modo mais explícito, Morin (2008) define a visão da internacionalização a princípio e atualmente:

Inicialmente, a internacionalização do ensino superior foi um processo bastante voluntário, influenciado principalmente por considerações políticas, culturais e geoestratégicas. Atualmente, a globalização incita os governos e as instituições a utilizarem as universidades como verdadeiros instrumentos de desenvolvimento econômico e posicionamento estratégico, tanto em nível local quanto global. (p.76)

Diversos países, como o Canadá, concorrem entre si para atrair o maior número possível de estudantes internacionais. É possível que seu total venha a dobrar até 2022, tendo como objetivo principal acolher os melhores talentos, aos quais o país demanda para alimentar a inovação que estimula, por sua vez, a prosperidade econômica. No Quebec, mais precisamente, a quantidade de estudantes internacionais cresce constantemente há anos: houve 22 096 estudantes inscritos em 2006 e 32 778 em 2013 (MESRS, 2013), dos quais 19 820 eram estudantes de graduação, 8 012 de mestrado e 4 946 estudantes de doutorado.


Durante sua estadia no exterior, no nosso caso, no Quebec, os estudantes internacionais enfrentam desafios de vários tipos, notadamente os relacionados ao domínio da língua de ensino, à adaptação à vida acadêmica, ao choque climático, etc. (Chevrolet, Bertel & Decamps, 1977; Germain & Vultur, 2016; Maïnich, 2015). A experiência da mobilidade estudantil também implica uma adaptação cultural vista como uma série de ajustes comportamentais e emocionais do indivíduo face às diferenças culturais (Montgomery & Bourassa-Dansereau, 2018), as quais estão na origem da adaptação dos estudantes internacionais (Al-Harthi, 2006). É nesse espírito que minha tese visa compreender, através da adaptação cultural de estudantes universitários internacionais, a sensação de bem-estar que experimentam durante sua estadia de estudos no Quebec, apesar dos desafios encontrados.


Mais de perto, através de entrevistas individuais com estudantes internacionais, meu projeto de pesquisa permitirá compreender como esses estudantes experimentam o bem-estar. Assim, o bem-estar desses estudantes será documentado utilizando uma abordagem baseada na psicologia positiva, no sentido de que o foco não será apenas naquilo que lhes causa mal-estar, mas sobretudo naquilo que faz com que se sintam bem durante seu processo de adaptação e nas estratégias mobilizadas para esse fim. De fato, várias pesquisas quantitativas sobre o bem-estar foram identificadas, sobretudo na literatura anglófona, mas raras são as que tratam desse fenômeno em profundidade. No Quebec, a tese de Mainich (2015) sobre a perseverança dos estudantes internacionais no ensino superior conclui que o bem-estar dos estudantes estrangeiros depende da sua relação com seus orientadores, bem como da sua alimentação e das suas práticas religiosas.


Então, as entrevistas realizadas com estudantes estrangeiros permitirão documentar as práticas de equidade e justiça social utilizadas pelas instituições universitárias, bem como as estratégias que estas mobilizam para: acolher esses estudantes internacionais; ajudá-los através de sua integração e percurso escolar; acomodar sua diversidade... Isso tudo para definir, entre outras, as práticas mais acolhedoras em termos de bem-estar dos estudantes internacionais, bem como os serviços a estudantes estrangeiros que lhes são mais benéficos. Portanto, questionar a experiência dos estudantes estrangeiros nas universidades quebequenses permitirá evidenciar as práticas institucionais que tiveram sucesso em promover seu bem-estar e documentar as que os ajudam a experimentá-lo e a mantê-lo, bem como as que podem vir a prejudicar o seu sentimento de bem-estar.


Por fim, isso permitirá tirar conclusões sobre a percepção desses estudantes em relação aos serviços e práticas que lhes são destinados em comparação com os oferecidos aos estudantes locais. Por fim, as recomendações finais deste projeto servirão como guia para que as instituições favoreçam o bem-estar de estudantes internacionais e revejam, se necessário, as suas práticas.


REFERÊNCIAS

Al-Harthi, A. S. (2006). Distance higher education experiences of Arab Gulf students in the United States : A cultural perspective. The International Review of Research in Open and Distributed Learning, 6(3).

Chevrolet, D., Bertel, L., & Decamps, E. A. (1977). Les problemes d'adaptation des etudiantsetrangers au systeme universitaire francais. Revue française de pédagogie, 30-44.

Germain, A. et Vultur, M. (2016). Entre mobilité et ancrage : les étudiants internationaux à l’INRS Institut national de la recherche scientifique. Récupéré de http://espace.inrs.ca/3344/1/germain-vultur-2016.pdf

Knight, J. (2003), « Interview de Jane Knight », IMHE Info, no 1, OCDE, Paris, p. 2.

Maïnich, S. (2015). Les expériences sociales et universitaires d’étudiants internationaux au Québec, le cas de l’Université de Montréal : Comprendre leur persévérance aux études (thèse de doctorat inédite), Université de Montréal, Montréal, Québec.

Montgomery, C., & Bourassa-Dansereau, C. (2018). Mobilités internationales et intervention interculturelle: théories, expériences et pratiques. PUQ.

Morin, S. (2008). Mondialisation et internationalisation en éducation supérieure. Dossiers politiques, 75‑79.


9h30 BR


A “escrevivência” de uma fonoaudióloga negra

Suellen Mayane de Paiva Santos (UNIVASF)

Este trabalho é construído através da minha “escrevivência”* enquanto mulher negra, fonoaudióloga, atuante na clínica tradicional. Tem como objetivos descrever minhas experiências acerca da itinerância formativa. Além disso, proponho uma reflexão sobre a patologização da vida e sua associação com experiências de não - lugar. Por fim, viso romper silenciamentos historicamente engendrados.

Todos os caminhos vivenciados até aqui atravessaram minha formação identitária. Ser mulher negra, nascida de uma família negra, que resgata e transmite sua história através da narrativa oral, apresenta-se como uma motivação para trilhar esses caminhos e dar passos de continuidade a essas movimentações que sempre foram presenciadas pelos mais novos na minha família.

Essas narrativas sempre foram perpassadas pelas iniquidades sociais que atingem a população negra de maneira bastante específica, como reflexos da colonialidade que segue sendo uma prática vigente. Sendo assim, a família, que é responsável pelos seus sucessores, finda por também prepará-los, enquanto pessoas negras, como forma de garantia para o desenvolvimento, sobrevivência, pela consciência do modo como o povo preto é tratado pela sociedade racista e por conhecerem os processos, já que também passaram por eles.

Na minha realidade, a educação e o conhecimento foram colocados como ponte para o êxito desde muito cedo. Davis (2016) retrata a busca pela emancipação da população negra através do conhecimento, sendo então um anseio que sempre existiu, confrontando a lógica da colonialidade que coloca o povo preto no lugar de incapacidade intelectual.

Pensando na situação acadêmica brasileira, as cotas como política de ações afirmativas, repercutiram no avanço do número de pessoas negras na academia, mas, apesar disso é possível observar a discrepância entre o número de brancos e negros no ensino superior em determinadas áreas. Ademais, na minha experiência, pude encontrar outros atravessamentos, como a escassa presença de professores negros, a ausência de currículos que comportassem as questões raciais e de pensamento crítico sobre esses temas. Mesmo com todas as adversidades que disparam as relações entre pessoas negras e o ambiente acadêmico, foi durante a graduação que pude me aproximar do Movimento Negro e ter acesso às discussões imbricadas no desenvolvimento da diversidade das nossas demandas, porém fora do âmbito de sala de aula.

Na minha itinerância profissional, outras questões tornaram-se ainda mais evidentes, forjando o sentimento de não - lugar e de silenciamento diante dos processos da clínica tradicional. Considerando a clínica privada um local de herança elitizada, branca e restrita a determinadas populações, sentia que minha presença, muitas vezes representava para o “outro” uma posição de subalternidade, ou ainda, causava um certo incômodo/estranhamento ao perceberem minha movimentação enquanto mulher negra consciente de si e do seu papel naquele espaço.

Nesse cenário, tendo em vista que mulheres negras sofrem dupla opressão, de gênero e raça, Gonzalez (1989) traz um panorama sobre os estereótipos atribuídos à mulher negra, estes surgem através do mito da democracia racial com a finalidade de domesticar nossos corpos e dependem da forma como somos enxergadas em determinadas situações. Estas relações permanecem e tendem a nos dominar atualmente, sendo assim, o fator raça é um grande mecanismo de distribuição de pessoas na hierarquização social e define lugares preestabelecidos socialmente para pessoas negras que, consequentemente, estão em posições inferiores nesse sistema (Gonzalez & Hasenbalg, 1982).

Quando uma mulher negra ocupa um espaço que não havia sido destinado a ela, as dinâmicas de opressão também estarão ali e podem repercutir em processos de atologização da sua existência. Além disso, patologizam nossos corpos mais uma vez quando retiramos a máscara do silenciamento e nos expressamos sobre esses esquemas que nos desqualificam e inferiorizam. Muitas vezes, nesses momentos, findam por atribuir nossas narrativas à “loucura.”

Assim, a consciência desses sentidos molda a minha atuação, na qual busco uma perspectiva decolonial, e além disso, me faz pensar na auto afirmação como forma de resistência. Desse modo, as ideias aqui escritas, pretendem de alguma forma relacionar a fonoaudiologia às questões raciais e trazer um enfoque à percepção da profissional de saúde negra em sua formação e atuação como produtora de cuidado.

*Escrevivência é um conceito concebido por Conceição Evaristo que, entre tantos significados, versa sobre a importância de registrar memórias e experiências do cotidiano, sendo assim uma forma de escrever sobre a própria vida de mulheres negras e sobre sua coletividade.

Referências

DAVIS, A. (1981). Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016

FANON, F. (1963). Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

GONZALES, L.; HASENBALG, C. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Ed: Marco Zero Limitada, 1982.

GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro. p. 223-245. 1980.


9h50 BR


Equidade e justiça social no Cumprimento de Medidas Socioeducativas em meio aberto – O inglês como atividade extra escolar ressocializante

Luanda Miranda Mai (UFSB)

A ideia deste projeto é fruto de anos de trabalho da pesquisadora na Assistência Social, tendo como um dos serviços prestados o Cumprimento de Medidas Socioeducativas (MSE) em Meio Aberto. O próprio título do projeto: “Inglês que aprisiona, inglês que liberta – Uma experiência em ensino e aprendizagem de língua inglesa para adolescentes em conflito com a lei”, é provocativo, pois é indicativo do entendimento de que a língua inglesa pode ser abordada de forma colonizada ou descolonizada e disso depende seu potencial libertador ou opressor. A intenção da autora é demarcar que a língua inglesa geralmente é ensinada de forma colonizada, sendo mais um dos fatores que podem oprimir e marginalizar a parcela da população que está em cumprimento de MSE, estatisticamente em defasagem escolar, formada, em sua maioria, por adolescentes negros e periféricos.

No que concerne à justiça social, o Brasil tem um histórico de violência praticado contra a infância e a juventude pelo próprio Estado de “direito” que muitas vezes, em nome de uma pretensa proteção, violenta os direitos dos adolescentes. Também se leva em conta que existe na sociedade brasileira um entendimento de que a prisão dos adolescentes infratores diminuiria os índices de violência. Contudo, a associação do crime à figura de adolescentes, inclusive no papel de protagonistas, não encontra respaldo nos levantamentos e estudos sobre a violência. Pelo contrário, os números demonstram que a reincidência no sistema socioeducativo é bem menor que no sistema penal geral. As estatísticas também indicam que o acesso dos adolescentes marginalizados à escola aumentou, mas sua permanência ainda é um grave problema. Geralmente, os adolescentes saem da escola após entrarem na criminalidade e o seu retorno é dificultado, tanto pela situação vivenciada, quanto pelos próprios atores escolares.

Fora desse senso comum, a história dos adolescentes em conflito com a lei é bem diferente. Apesar de todo um sistema em que se pretende sua proteção, esta ainda continua sendo precária, não se conseguindo prover as necessidades básicas para que eles fiquem longe da criminalidade. As políticas públicas direcionadas à essa população, como a educação no caso desse estudo, são imensamente precárias. Apesar de poder-se identificar os progressos feitos nos últimos anos, grande parte da legislação continua não sendo aplicada. Há um processo de ausência de oportunidades, que passa pela “sorte de ter nascido em uma classe ou outra”, e de como as próprias políticas públicas podem ser pontos de produção e reprodução de subalternidade. Assim, a igualdade formal perante a lei não se concretiza em equidade e justiça social. Oportunas são as palavras de Baumann e May (2010) “[...] enquanto todas as pessoas são livres [...] algumas são mais livres que outras, porque seus horizontes e escolhas de ação são mais amplos [...]”. Portanto, a criminalidade no Brasil, e em maior grau entre adolescentes, nasceu e continua sendo um problema social fruto das nossas desigualdades históricas.

Portanto, dentro desse contexto de busca por justiça social e implementação da legislação pertinente, o projeto de pesquisa desenvolvido pela autora apresenta uma proposta de pesquisa interdisciplinar de ensino e aprendizagem de língua inglesa para adolescentes em conflito com a lei como atividade extraescolar ressocializante. O projeto tem como objetivo geral: Analisar possibilidades ressocializantes do ensino da língua inglesa como atividade extraescolar para adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa através das metodologias ativas e de forma descolonizada. Terá como objetivos específicos: Promover minicurso de língua inglesa para adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa no CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Teixeira de Freitas, Estado da Bahia, para avaliar as potencialidades do inglês como atividade ressocializante; investigar, por meio de metodologias ativas, os processos de ensino de inglês para adolescentes em conflito com a lei; compreender qual a relação que os adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa fazem entre o mundo, a língua inglesa, a sociedade e eles mesmos.

A metodologia a ser utilizada é a pesquisa-ação. Um dos instrumentos de coleta será o minicurso de língua inglesa para aventar a possibilidade de inserir o inglês como atividade ressocializante extraescolar. O impacto social mais imediato da pesquisa será fornecer aos adolescentes em conflito com a lei do município de Teixeira de Freitas, Bahia, acesso a um minicurso de língua inglesa. Isto será feito fundamentando-se na metodologia da pesquisa-ação, com vistas à promoção de maior equidade e justiça social no acesso à educação.


Referências principais:

BAUMANN, Zygmunt, MAY, Tim. Aprendendo a pensar com a sociologia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. 3 ed; São Paulo: 2003.

PENNYCOOK, Alastair. The Cultural Politics of English as an International Language. 1 ed. Routledge, 2017.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1 ed. Belo Horizonte: UFMG 2010.


10h10 BR


Desigualdades sociais, evasão e permanência no ensino médio integrado: uma análise sob a perspectiva do processo pedagógico

Iza Manuella Aires Cotrim Guimarães (UFMG)

Esta pesquisa se propõe a analisar a relação entre desigualdades sociais, desigualdades escolares, evasão e permanência no Ensino Médio integrado de um Instituto Federal, considerando a organização do processo pedagógico e suas implicações na decisão do estudante de permanecer ou não no curso. Para tanto, deve-se considerar que as desigualdades se inserem no amplo contexto das relações sociais produzidas pelo capitalismo. Observa-se, ainda, que a Educação Profissional no Brasil, especialmente o Ensino Médio integrado, apresenta particularidades relacionadas à dualidade entre formação geral e profissional, fortemente marcadas pelas desigualdades sociais e escolares. A evasão escolar é um processo complexo, que apresenta uma diversidade de situações e fatores, incluindo o percurso e as condições socioeconômicas dos estudantes, ambiente cultural familiar e acesso ao capital cultural e social, aspectos individuais e escolares, dentre outros. Compreende um fenômeno socialmente desigual, portanto, expressa uma manifestação das desigualdades sociais na escola e deve ser considerada como construção histórica e social. Entretanto, muitos estudos sobre o fenômeno se atêm à construção de um perfil dos estudantes evadidos e na explicação de fatores relacionados ao problema que, até incluem as condições socioeconômicas e percursos dos estudantes, mas nem sempre analisados de forma articulada ou profunda. O fenômeno da evasão é constituído no contexto do processo pedagógico e, portanto, sofre influência das práticas educativas, do posicionamento e atitude assumidos pela instituição de ensino e pelos profissionais da educação. A evasão se configura, ainda, como um fenômeno marcante na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que tem apresentado elevado percentual de evasão escolar. Todavia, verifica-se que a maioria dos estudos sobre o tema refere-se à educação básica regular, havendo lacunas quanto à ocorrência do fenômeno na Educação Profissional. Esta pesquisa, desenvolvida por meio de um estudo de caso e realizada no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais/Campus Januária, encontra-se na fase de análise dos dados. Já foi realizado um estudo bibliográfico sobre o tema, tendo como referência as contribuições teóricas dos principais estudiosos das relações entre desigualdades sociais e a organização da escola na sociedade capitalista, especialmente Antônio Gramsci, Pierre Bourdieu e François Dubet, além de outros relacionados à Educação Profissional no Brasil e à temática da evasão e permanência estudantil. Para cumprimento dos objetivos, foi aplicado questionário a estudantes concluintes, evadidos e em curso no Ensino Médio integrado do Campus Januária. Também foram realizadas entrevistas com estudantes evadidos e concluintes, e analisados os documentos que compõem o processo de discussão e definição de ações relacionadas à evasão e permanência em nível nacional e na Instituição pesquisada. A análise dos dados, ainda em desenvolvimento, já permite identificar alguns importantes achados, especialmente quanto ao perfil dos estudantes mais propensos a evadir e aos fatores que influenciam a sua decisão sobre abandonar ou não o curso. Nesse sentido, destacam-se algumas características dos estudantes que compõem esse grupo de risco: baixa renda familiar, Ensino Fundamental cursado em escola pública, estudantes pretos e o fato de ter sido retido em pelo menos um ano (série) escolar. Por outro lado, foi possível constatar que estudantes beneficiados por programas institucionais de auxílio financeiro e programas de residência estudantil, ainda que apresentem elementos associados ao grupo de risco para evasão, são mais persistentes em direção à conclusão do curso. Verificou-se, ainda, que o apoio familiar, de amigos e colegas também é um aspecto bastante influente sobre a decisão de permanecer no curso. Inclusive, estudantes de baixa renda que contam com apoio familiar, especialmente por parte das mães, são mais propensos a persistir no curso, ainda que enfrentem dificuldades. Esses aspectos são muito importantes para o enfretamento da evasão pela instituição, bem como para o fortalecimento de ações que favorecem a permanência dos estudantes. Mas a pesquisa também tem evidenciado que a relação entre evasão e desigualdades sociais não se atém ao perfil socioeconômico dos estudantes mais propensos a evadir. As desigualdades sociais na escola técnica de nível médio estão associadas às percepções, perspectivas e interesses que os diferentes grupos de estudantes apresentam e, dessa forma, orientam suas trajetórias escolares. Estão ainda associadas às percepções e decisões tomadas pelos docentes, gestores e outros profissionais da educação, influenciando a organização do processo pedagógico e, consequentemente, as escolhas e trajetórias dos estudantes. A defesa desta tese está prevista para dezembro de 2021. A partir deste estudo, espera-se contribuir para uma melhor compreensão desse fenômeno na Educação Profissional, especialmente no Ensino Médio integrado, aprofundando e redirecionando o debate sobre o problema e, dessa forma, contribuindo para identificar estratégias mais propositivas e efetivas em direção à permanência estudantil.


Referências

BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. Escritos de Educação. 11 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015, p. 43-72.

BOURDIEU, Pierre; CHAMPAGNE, Patrick. Os excluídos do interior. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. Escritos de Educação. 16 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015, p. 243-255.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Os Herdeiros: os estudantes e a cultura. Trad. Ione Ribeiro Vale. 2 ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 2018.

DORE, Rosemary; LÜSCHER, Ana Zuleima. Permanência e Evasão na Educação Técnica de Nível Médio em Minas Gerais. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.41, n.144, p. 772 – 789, set/dez, 2011.

DORE, Rosemary; SALES, Paula Elizabeth Nogueira. Origem social dos estudantes como contraponto à evasão e à permanência escolar nos cursos técnicos da Rede Federal de Educação Profissional. In: DORE, Rosemary; SALES, Paula Elizabeth Nogueira; SILVA, Carlos Eduardo Guerra (Orgs.). Educação Profissional e evasão escolar: contextos e perspectivas. Belo Horizonte: RIMEPES, 2017, p. 113- 134.

DUBET, François. As desigualdades multiplicadas. Revista Brasileira de Educação, n. 17, p. 5-19, mai./jul. 2001.

__________. A escola e a exclusão. Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 29-45, jul. 2003.

__________. Os limites da igualdade de oportunidade. Cadernos Cenpec, v.2, n.2, p.171-179, dez. 2012.

DUBET, François; DURU-BELLAT, Marie; VÉRÉTOUT, Antoine. As desigualdades escolares antes e depois da escola: organização escolar e influência dos diplomas. Sociologias, Porto Alegre, n.29, p.22-10, jan-abr. 2012.

GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Trad. Luiz Mário Gazzaneo. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A., 1984.

_________. Cadernos do Cárcere: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. Volume 2. Trad. e Ed., Carlos Nelson Coutinho; Coedição, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

__________. Cadernos do Cárcere: Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Volume 3. Trad. e Ed., Carlos Nelson Coutinho; Coedição, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

RAMOS, Marise Nogueira. . Ensino Médio Integrado: Possibilidades e desafios. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA; M.; RAMOS, M. (Orgs). Ensino Médio Integrado: concepções e contradições. São Paulo: Cortez, 2005, p.106-127.

RUMBERGER, Russell W; LIM, Sun Ah. Why students drop out of school: A review of 25 years of research. Santa Barbara: University of California, 2008.

RUMBERGER, Russell W.; THOMAS, Scott L. The distribution of dropout and turnover rates among urban and suburban high schools. Sociology of Education, v.73, p. 39-67, Jan. 2000.

TINTO, Vincent. Leaving College: rethinking the causes and cures of student attrition. 2 ed. Chicago, USA: The University of Chicago Press, 1993.

__________. Enhancing student success: Taking the classroom success seriously. The International Journal of the First Year in Higher Education, v. 03, n. 01, p 1-8, mar. 2012. Disponível em < https://fyhejournal.com/article/download/119/120/119-1-666-1-10-20120315.pdf> Acesso em 24 out. 2019.



10h30 BR


Como pensam, sentem e agem os professores em relação à escola de Bento Rodrigues no contexto do Rompimento da Barragem de Fundão

Adriane Cristina de Melo Hunzicker (UFMG)

O projeto de pesquisa de doutorado tem como tema as Representações Sociais em Movimento (RSM) dos professores da Escola Municipal Bento Rodrigues (EMBR), em Mariana. A escola foi atingida no dia 5 de novembro de 2015 pelo colapso da barragem que armazenava 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e provocou danos socioambientais ao longo da bacia hidrográfica do Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo (Brasil). Essa situação acarretou em violações dos direitos humanos, tendo em vista que 20 pessoas morreram, inclusive dois alunos da EMBR. Três povoados campesinos foram desterritorializados nos municípios de Mariana e Barra Longa, sendo Bento Rodrigues o primeiro a ser atingido. Os moradores perderam, além das moradias, as condições de produção e reprodução da vida. A comunidade escolar e os habitantes de Bento Rodrigues foram instalados na sede da cidade de Mariana em um novo contexto econômico, social e cultural. A EMBR passou por dois endereços provisórios enquanto aguarda o reassentamento. Nesse período de provisoriedade, a escola foi demandada a reconstruir suas formas de funcionamento, com alterações na estrutura física, pedagógica, administrativa e em sua função social para uso coletivo (como realização de festas e reuniões pela comunidade). Os resultados de Hunzicker (2019) evidenciaram que os professores vivenciam tensionamentos perante os desafios presentes no cotidiano escolar, como, por exemplo, a discriminação dos alunos que receberam apelidos, como “pés-de-lama”, quando a escola compartilhou a estrutura de outra instituição em Mariana. Com a proposta de dar continuidade ao estudo do mestrado, buscamos entender, no doutorado, como os docentes movimentam suas representações sociais sobre os aspectos vinculados ao futuro incerto da escola. Propomos focalizar o estudo na condição da instalação definitiva da escola para apreendermos como os docentes estão lidando com as mudanças ocorridas no perfil dela. Até o rompimento da barragem, a EMBR funcionava como uma escola no campo, a transferência para a cidade alterou essa condição, levando em conta o modo de vida que os habitantes passaram a adotar. O reassentamento de Bento Rodrigues está sendo construído em um novo território, que foi aprovado pelo plano diretor do município como área urbana e, consequentemente, a escola será reconstruída nesse local. Esse processo de classificação do povoado e escola como urbano poderá trazer novos desafios para os professores. A questão proposta é compreender como os docentes estão vivenciando esse processo de sucessivas mudanças de funcionamento da escola. Para tanto, temos como referência teórica a tríade territorialização-desterritorialização-reterritorialização (T-D-R) e as RSM. A discussão acerca da T-D-R está relacionada ao conceito de território discutido na Geografia (HAESBAERT, 2020). A teoria das RSM relaciona-se ao campo da Psicologia Social e vem sendo construída e aprofundada nas pesquisas do Grupo de Estudos em Representações Sociais (Geres) e na obra de Antunes-Rocha e Ribeiro (2018). O grupo investiga contextos educacionais relacionados aos sujeitos integrantes de classes minoritárias que estão passando por situações geradoras de mudanças. A pesquisa está vinculada à linha de Psicologia, Psicanálise e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da Prof.ª. Da. Maria Isabel Antunes-Rocha. A questão que fundamenta o problema da pesquisa relaciona-se ao processo de desterritorialização pelo qual a escola está passando há mais de 5 (cinco) anos. Essa situação ocorre não apenas em relação à estrutura física, mas no que se refere aos conhecimentos produzidos, à subjetividade das pessoas e no que diz respeito às mudanças nas práticas. Nessa trajetória, os docentes podem encontrar dificuldades para organizar suas práticas devido à situação de provisoriedade vivenciada com relação à identidade da instituição. O percurso metodológico deste trabalho conta com análise documental da EMBR; interpretação dos dados das entrevistas narrativas; e observação dos eventos promovidos pela escola e por órgãos governamentais, movimentos sociais e educacionais em relação aos processos decisórios sobre o futuro da escola. Nesse contexto de violações dos direitos humanos, realizar esta pesquisa com os professores justifica-se pela importância desses profissionais atuarem como protagonistas no processo de reparação e no entendimento das causas, limites e possibilidades de reconstrução da oferta escolar. A escola é uma instituição pública do Estado brasileiro que pode contribuir com o processo de construção das condições de reparação dos modos de produzir e reproduzir a vida que foram impactadas, promovendo reflexões acerca da luta por justiça social. Além disso, os docentes são mediadores entre escola/alunos/famílias, portanto, lidam cotidianamente com as vítimas diretamente atingidas.


Referências

ANTUNES-ROCHA, M. I.; RIBEIRO, L. P. (orgs.). Representações Sociais em Movimento: pesquisas em contextos educativos geradores de mudança. Curitiba: Appris, 2018. 112p.

HAESBART, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 12ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020. 395p.

HUNZICKER, Adriane C. de M. O rompimento da Barragem do Fundão: repercussões nos saberes e práticas das professoras da escola de Bento Rodrigues. Dissertação de Mestrado em Educação: Mestrado Profissional em Educação e Docência (Promestre). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, 2019. 170p.


11h30 BR


Mesa redonda « Equidade e justiça social no ensino superior: transformação ou manutenção do status quo? »

A mesa redonda “Equidade e justiça social no ensino superior: transformação ou manutenção do status quo?” examinará os limites das medidas de equidade como principal critério de justiça para a fundamentação das políticas públicas e das políticas institucionais na educação superior. A Universidade é uma instituição em transformação cujo papel de guardiã do conhecimento universal e de formadora das elites tem sido progressivamente questionado. Quais mudanças institucionais são necessárias para reduzir a produção de desigualdades no ensino superior? Que experiências nos permitem analisar os novos papéis que a educação superior desempenha na produção ou superação das desigualdades e hierarquias sociais no Brasil e no Quebec? Que novas práticas pedagógicas ou de gestão são possíveis?

Trajetórias de estudantes cotistas negros(as) no ensino superior: conservação, atualização ou reinvenção das universidades brasileiras?

Rodrigo Edinilson (UFMG)

Ensino superior: um importante instrumento na luta contra relações sociais de opressão? Reflexões críticas sobre as políticas Equidade, Diversidade inclusão e sua implementação

Marie-Odile Magnan (UdeM)


13h30 BR


Pausa para o almoço



14h30 BR

Grupo de trabalho

Interações em subgrupos com base em um estudo de caso seguido por uma discussão no grande grupo sobre iniciativas transformadoras no contexto universitário.