23 de Agosto 2021

Tema do dia : Identidades plurais de quem faz a pesquisa: (re)conhecimento e apropriação no mundo acadêmico ?



9h10 BR

Abertura

  • Hannatou Hassane Ousmane et Sylvain Pinet (Gabinete de Relações Internacionais, UQTR)

  • Audrey Groleau (Departamento de Ciências da Educação, UQTR)

  • Comitê científico(Kelly Russo (UERJ), Monica Rahme (UFMG), Marcelo Silva de Souza Ribeiro (UNIVASF), Corina Borri-Anadon (UQTR) e Gustavo Bruno Bicalho Gonçalves (UFSB)


11h30 BR


Mesa redonda « Postura do investigador: entre o reconhecimento e a apropriação »

Tya Collins (UdeM) et Sara Wagner York (UERJ)

Por um lado, ao definir o seu trabalho em torno de marcadores específicos de diversidade, o investigador corre o risco de tornar visíveis certas categorias da diversidade e, por isso mesmo, reificá-las. Essa reificação pode levar à essencialização de certos grupos e, por extensão, obscurecer a complexidade inerente à diversidade. Por outro lado, o pesquisador pode, conscientemente ou não, tornar esses marcadores invisíveis, correndo o risco de silenciar as vozes de grupos minoritários. Eliminar as diferenças, necessidades, realidades, experiências e recursos particulares dos atores tem maior probabilidade de homogeneizá-los e, assim, camuflar o equilíbrio de poder. aDiante dessa tensão entre reificação/ invisibilização, como reconhecê-la, ou mesmo superá-la? Como são mobilizadas as identidades plurais dos pesquisadores? Quais são as questões relacionadas ao uso de categorias referentes à diversidade na pesquisa? Quais são os dispositivos ou abordagens de pesquisa que permitem evitar a apropriação ou instrumentalização dessas vozes? Como reconhecer e atuar diante dessas lutas pelo poder?


13h30 BR


Pausa para o almoço


Seminário de pesquisa : apresentação de projetos dos participantes



14h40 BR

As mobilizações construídas por uma Coletiva de mulheres negras de Belo Horizonte para uma educação antirracista

Tatiana Neves da Silva (UFMG)

A pesquisa proposta, busca identificar e analisar as estratégias construídas por uma Coletiva de mulheres negras de Belo Horizonte, com vistas a uma educação antirracista. Neste estudo, entende-se educação de forma mais ampla: educação para as (Re) existências, contra todos os tipos de opressão e silenciamentos. Para este trabalho, interessa-nos ressaltar o impacto da atuação de mulheres negras em momentos ímpares da luta antirracista, e que ainda necessita de um aprofundamento por parte dos diferentes campos de investigação. Justifica-se aqui, a escolha de uma Coletiva negra feminina como protagonistas desse estudo, dada a relevância do papel das mulheres negras nas lutas por direitos ao longo das décadas. Nesse sentido, segundo Sueli Carneiro (2003), a potência do protagonismo das mulheres negras foi orientada em um primeiro momento pelo desejo de liberdade, pelo resgate da humanidade negada pela escravidão. Posteriormente, esse protagonismo foi pontuado pelas emergências das organizações de mulheres negras e por suas articulações em âmbito nacional. Essas mobilizações vêm descortinando novos cenários e perspectivas para as mulheres negras, tentando corrigir perdas históricas. Portanto, os objetivos específicos da pesquisa consistem em: conhecer as trajetórias das mulheres que fazem parte dessa Coletiva; analisar como essa Coletiva de mulheres negras se organiza e quais são as suas pautas de mobilização; entender como as ações da Coletiva reverberam dentro e fora do território no qual estão inseridas. Para tanto, será realizada uma abordagem metodológica de pesquisa centrada nas sujeitas, por meio dos procedimentos etnográficos, a saber, a observação participante. Nesse sentido, serão adotados como fontes de dados, os registros fílmicos, fotográficos, as anotações no diário de campo e entrevistas não- diretivas com as sujeitas. Conforme Grada Kilomba (2019), as entrevistas não-diretivas são baseadas nas biografias das sujeitas de determinado estudo. Na entrevista não-diretiva, a pesquisadora elenca tópicos, que a auxiliam na busca das respostas aos objetivos do trabalho. A partir desses tópicos, as sujeitas discorrem, com o mínimo de interferência da entrevistadora. Os procedimentos da etnografia serão utilizados, pois, de acordo com os estudiosos que baseiam esse trabalho, a etnografia traz os sujeitos de pesquisa para o texto, em seus processos de interação e sociabilidades, pelos quais produzem a própria realidade. Diante disso, visibilizam-se aspectos que poderiam passar despercebidos por outras abordagens metodológicas. A observação participante será utilizada por permitir uma aproximação das ações sociais engendradas pela Coletiva, bem como do cotidiano vivido nesse movimento social. Busca-se possibilitar, dessa forma, um envolvimento prolongado com as mulheres sujeitas desse trabalho, do qual abrange: refletir, escutar, observar, como também relacionar com elas. Sendo necessário, ainda “uma atitude de constante vigilância, por parte do pesquisador para não impor seus pontos de vista, crenças e preconceitos” (ANDRÉ, 2005, p.26). As observações serão registradas em um diário de campo, possibilitando a contextualização das ações sociais observadas. A fotografia e o vídeo serão utilizados como ferramentas de investigação por possibilitarem, de forma sistemática, a obtenção de dados referentes às ações interacionais e organização das sujeitas. Nessa pesquisa pretendida, as mulheres negras são consideradas protagonistas. Têm-se o intuito de captar as diversas maneiras de organização dessas mulheres negras: os encontros, as ações, os modos de pensar, visando conhecer suas trajetórias e suas estratégias de mobilização e produção de conhecimento, viabilizando uma educação pautada no antirracismo. Diante disso, será estabelecido um diálogo com os estudos decoloniais, que implicam em partir da desumanização e considerar as lutas dos povos historicamente subalternizados pela existência, para a construção de outros modos de viver, de poder e de saber. No discurso colonial, o corpo colonizado foi visto como corpo destituído de vontade, subjetividade, pronto para servir e destituído de voz (hooks, 1995). Corpos destituídos de alma, em que o homem colonizado foi reduzido à mão de obra, enquanto a mulher colonizada tornou-se objeto de uma economia de prazer e do desejo. Mediante a razão colonial, o corpo do sujeito colonizado foi fixado em certas identidades. Portanto, decolonialidade é visibilizar as lutas contra a colonialidade a partir das pessoas, das suas práticas sociais, epistêmicas e políticas. Nessa perspectiva, a decolonialidade representa uma estratégia que vai além da transformação da descolonização, ou seja, supõe também construção e criação. Sua meta é a reconstrução radical do ser, do poder e do saber. Diante disso, a fundamentação teórica será pautada para compreendermos as sujeitas da Coletiva negra em questão, e os conceitos implicados em sua constituição, tais como: identidade negra, raça e etnia, racismo, educação antirracista e movimento de mulheres negras no Brasil.


Referências:

CARNEIRO, Aparecida Sueli. Mulheres em movimento. Revista Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-132, 2003. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300008>. Acesso em: 24 de jul. de 2020.

COLLINS, Patrícia Hill. Pensamento Feminista Negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo,2019.

GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

HOOKS, bell. Intelectuais negras. Estudos Feministas, v. 3, n. 2, p. 464-469, 1995.

KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogá, 2019


15h BR

Educação e participação da mulher no movimento sindical: uma abordagem interseccional de gênero, raça e classe

Gilene Pinheiro da Silva Mendes (UFSB)

Problemática: A pesquisa apresenta reflexões interseccionais acerca da conquista de espaço deliberativo das representações sindicais femininas. Analisa lutas feministas do movimento sindical brasileiro, tomando a educação como fator central na agenda feminista e sindical. Aborda aspectos históricos sobre a luta sindical e as opressões que operam no que se refere ao gênero, raça e classe social.


Quadro teórico: Parto das bases da pesquisa participante, sustentada por Brandão (1984), em que a colaboração de indivíduos, grupos e coletividades, com suas experiências pessoais e coletivas são adotadas como amparo para análises, contrastes e verificações. Na pesquisa, me posiciono enquanto mulher negra e sindicalista, no lócus da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Celulose e Papel (SINDICELPA), da Bahia. Em ambos lugares atuo respectivamente como Secretária de Combate ao Racismo e Secretária Geral articulando vivência e pesquisa apoiada no instrumental analítico da interseccionalidade (Collins e Bilge, 2021) para analisar a intersecção de múltiplas opressões, como o racismo, o sexismo e o classismo, e as suas predominâncias nos processos de dominação, opressão e exploração de mulheres negras.


O tema do sindicalismo está inteiramente acompanhado de outras problemáticas importantes, tais quais a questão histórico-racial da exclusão social no Brasil e a opressão enfrentada pela mulher no ocidente desde a modernidade. A efeito, Silvia Federici (2017) permite estruturar a condição da mulher no desenvolvimento do sistema patriarcal, no surgimento do capitalismo e na divisão sexual do trabalho, por meio de sua força (re)produtiva. Mobilizando isso para o cenário do sindicalismo brasileiro, Paola Cappellin (1994) é eixo na compreensão da dimensão sexuada do trabalho, privilegiando a perspectiva de gênero na filosofia e prática sindical. A critério de uma classificação rigorosa acerca da realidade social brasileira, a visão interseccional dimensiona a complexidade do mundo nas pessoas e nas experiências humanas (COLLINS e BILGE, 2021), de modo que se torna aparente as atrizes sociais que presenciam os lugares sociais de sufocamento. No Brasil, as mulheres negras estão ocupando tais lugares há muito tempo na história, de modo que, como ilustra Lélia Gonzalez (1983), interpretações desmembradas do racismo e do sexismo, por exemplo, invisibilizam as interfaces da neurose cultural brasileira.


Metodologia e resultados preliminares: Metodologicamente, as estratégias são de revisão bibliográfica, levantamento de indicadores sociais e da análise dos materiais produzidos no sindicato, como atas e registros. Fazendo isso, busco analisar o processo de consolidação e implantação das cotas e da paridade na CUT. Isso com a finalidade de encontrar possíveis contradições entre o texto legal e a sua efetiva implementação. Posto que a trajetória de lutas feministas no meio sindical teve como uma de suas conquistas o estabelecimento percentual de 30% de cotas para mulheres nas direções das centrais e instituições orgânicas, identifico uma disputa pelos espaços deliberativos, cujo resultado está na intensificação da exclusão das mulheres no campo da luta política sindical.


Ainda em torno da metodologia, se soma a realização de oficinas com mulheres da região sul baiana, pensada para desenvolver práticas educacionais, participativas e democráticas, aptas à produção de novos conhecimentos e à conscientização acerca do caráter interseccional das opressões que afligem as mulheres no espaço sindical. Destaca-se, também, a aplicação de questionários no grupo de trabalhadoras da base e de dirigentes sindicais, no intuito de levantar percepções de opressão e exclusão das mulheres nos dois espaços conexos: trabalho e movimento sindical.


Diante das ações já desenvolvidas na pesquisa, verifica-se que as múltiplas opressões, quando interseccionadas, constituem desafios agudos à representação feminina na luta sindical, sendo capaz, entretanto, de serem enfrentadas a partir de práticas educacionais emancipatórias.


E para tanto, as conexões entre as teóricas utilizadas, desde a análise da sociedade brasileira, proposta por Collins e Bilge (2021), do espaço sindical, por Cappelin (1994), e da estrutura racial, por Gonzalez (1983), constituem um arcabouço de interpretação e compreensão, à luz da interseccionalidade, das múltiplas opressões sofridas pelas mulheres nos espaços sindicais.


Referências bibliográficas

BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984.

CAPPELLIN, Paola. Viver o sindicalismo no feminino. Estudos Feministas, p. 271-290, 1994.

COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. Boitempo Editorial, 2021.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa. São Paulo: Editora Elefante, 2017.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura Brasileña. Silva, Luiz Antonio. Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos. ANPOCS. Brasília, 1983.


15h20 BR

Violência no cotidiano escolar: construindo políticas de combate e enfrentamento na rede municipal de educação de Duque de Caxias - RJ

Thayse Sena Gonçalves Negreiros (UERJ)

O Brasil assinou diversos tratados internacionais, assumindo compromissos com temas transversais que possam garantir maior equidade social, e o enfrentamento de diferentes formas de violências e do racismo em seu território. No entanto, apesar dos compromissos assumidos nos últimos anos, a perspectiva de direitos humanos tem sofrido muitos retrocessos e perdas. A Pandemia tende a acirrar essa situação.

A violência sexual não é uma questão apenas de saúde pública: é violação do direito humano ao desenvolvimento sexual saudável e precisa ser enfrentada cotidianamente. Antônio Carlos de Oliveira (2004), refletindo sobre violências contra crianças e adolescentes ressalta a importância de se abordar de maneira preventiva o problema, e propõe a construção de redes de apoio, intersetoriais, que possam oferecer acolhimento e apoio para crianças vítimas dessa situação.

Acreditamos ser de extrema importância o desenvolvimento de um maior número de pesquisas na interface entre os campos da saúde e da educação, sobre a realidade vivenciada pelas crianças brasileiras no tocante a violência sexual, assim como a produção de estudos voltados para a formação de profissionais da educação mais sensíveis e informados(as) sobre essa problemática.

Objetivo geral: Investigar de que modo a violência sexual gera efeitos sobre o contexto escolar e sobre as aprendizagens de crianças e adolescentes inseridos na Educação Básica no Município de Duque de Caxias, na região da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro/Brasil.

Objetivos específicos:

- Mapear, de modo quantitativo, os casos de violência sexual que refletem diretamente no cotidiano escolar de crianças e adolescentes, que estão inseridas na Educação Básica;

- Analisar e qualificar a forma como a violência sexual contra crianças e adolescentes é perpetrada nas famílias;

- Registrar histórias que as crianças/adolescentes compartilham com os profissionais da educação e colegas da classe;

- Observar seus comportamentos e suas atitudes;

- Contribuir para implementação de políticas públicas intersetoriais no enfrentamento a violência sexual no Município de Duque de Caxias.


METODOLOGIA

Nosso estudo tem inspiração etnográfica por considerarmos fundamental a nossa aproximação com o campo de pesquisa. Pretendemos realizar rodas de conversa com crianças e adolescentes, estudantes de escolas públicas, assim como com responsáveis e funcionários das escolas buscando identificar o reflexo da violência no cotidiano escolar. Pretendemos identificar de forma mais consistente, como a violência produz efeitos nas relações desses sujeitos dentro da escola. Também incluímos como instrumento de coleta de dados, a realização de entrevistas semiestruturadas com diretoras, orientadoras pedagógicas e educacionais, professoras. As informações serão sistematizadas e, definido o corpus analítico, traçaremos as categorias relevantes para uma análise temática de material empírico.


Principais referências bibliográficas

Lúcio Izidro e Jane Felipe (2008) contribuem para essa reflexão ao relacionarem o debate de gênero com a perspectiva dos estudos sobre a infância: “Em muitos casos, tais indivíduos (agressores) assim o fazem por uma questão de oportunidade, entendendo que o corpo infantil, pode ser utilizado a seus serviços, se aproveitam da fragilidade infantil para obter favores sexuais” (IZIDRO e FELIPE, 2008).

Outra referência importante será Judith Butler, quem questiona: “Que vidas importam?” (BUTLER, 2015). Quais infâncias e adolescências realmente importam? A proteção integral realmente é para todos/as/es no Brasil? Qual é o papel das escolas e dos profissionais da educação na construção de redes de apoio na defesa do direito das crianças e adolescentes?

No Brasil, as desigualdades sociais, econômicas e culturais parecem produzir certa naturalização em relação a violência cometida contra corpos de crianças negros(as) e periféricos. Como aponta Amaro (2017): “a violência é algo abominável para todas as pessoas, e em qualquer sociedade. Porém, parece estar naturalizada a ideia de que a violência sofrida por alguns grupos sociais é aceitável.”

Nesse sentido, o conceito de interseccionalidade será importante, ao compreender que atravessamentos entre classe, gênero e raça indicam a maior fragilidade de determinados grupos sociais. Assim como o de interculturalidade, ao considerar a necessidade de se compreender especificidades de cada território, da região onde a unidade escolar está situada, para a construção de redes de apoio que possam envolver profissionais da saúde, da educação e da assistência social na defesa dos direitos da criança.


Referências :

AMARO, Ivan. Para discutir (ainda mais) gênero e sexualidade na escola: Políticas e práticas de resistências. (UERJ. Revista Periferia: Educação, Cultura e Comunicação. V.9, nº2, 2017.)

BUTLER, Judith. Quadro de Guerra. Quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2015.

FOULCAULT, Michel. História da Sexualidade-Vontade de Saber. Relógio D’Agua. Editores Lisboa, 1994.

FELIPE, Jane, IZIDRO Lúcio, O que precisamos saber sobre pedofilia e pedofilização: aspectos médicos, jurídicos e culturais - A discussão da pedofilia no campo da Educação, Orgs: Jackson Ronie Sá-Silva, Marcos Eduardo Miranda Santos e Yuri Jorge Almeida da Silva, Editoração: Oikos / UEMA, São Leopoldo: Oikos, 2018.

FURNISS, T. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar, Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.

OLIVEIRA, Antônio Carlos de. Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes. Rio de Janeiro: Nova Pesquisa, 2004. 2ª edição.


15h40 BR

Gênero e sexualidades nos cursos de Pedagogia: tendências, desafios e suas implicações nas práticas pedagógicas

Roseclair dos Santos Leite Site (UERJ)

A formação de professoras tem sido objeto de estudo e discussão no campo educacional e do saber docente, com polêmicas e contradições que apontam para diversos projetos e concepções. Sendo este campo de interesses: lutas, disputas e relações de poder em movimento incessante. No Brasil, na primeira década de 1970 o foco das pesquisas era a formação técnica dos professores, seus processos e instrumentalização (Candau, 1982, 1987). Já na segunda década de 1970, a percepção sobre a Educação enquanto prática social com seus imbricamentos políticos e econômicos fica mais evidente. Neste segundo momento, a prática docente deixa de ser vista de forma meramente técnica e neutra, para ser considerada na perspectiva transformadora.

Na década de 1980 surge uma onda de insatisfação com a situação educacional no país e, especificamente com a formação de professores (FELDENS, 1984). O foco das pesquisas, ao longo da década de 1990, migra da formação do professor para a constituição do professor e nos anos 2000, o foco está na identidade docente, a vida, a voz e a identidade do professor. Nesse período ainda não vemos como tema de pesquisa, os debates sobre gênero e sexualidades no campo da educação ou da formação docente.

Será somente na segunda década dos anos 2000, que vamos identificar um crescente número de pesquisas voltadas para o debate de gênero e sexualidades na educação e na formação de professores. Por outro lado, nesse mesmo período vemos o aumento significativo de movimentos conservadores antigênero que tentam silenciar reflexões e práticas pedagógicas relacionadas ao debate de gênero e sexualidades no campo da educação escolar. Esperamos, com a nossa pesquisa, contribuir para o fim do silenciamento/apagamento/(in)visibilização das temáticas de gênero e sexualidades na formação de professores, assim como no desenvolvimento de políticas educativas.

Nosso projeto de pesquisa tem como objetivos:

  • investigar quais os sentidos produzidos pelos discursos sobre gênero na produção acadêmica na área da educação e nos pareceres do CNE (Conselho Nacional de Educação) acerca dos Cursos de Pedagogia produzidos nos anos de 2000 a 2020.

  • Identificar a percepção de professoras, a partir dos dados obtidos via Google Forms e das conversas via WhatsApp, sobre suas práticas acerca das temáticas de gênero e sexualidade(s) nas séries iniciais da Educação Básica.

Nossa pesquisa se concentra na perspectiva pós-estruturalista/pós-crítica, procurando romper com os determinarismos binaristas e temos como premissa a necessidade de se reconhecer que educamos em um tempo diferente (PARAÍSO, 2014). Temos como base teórica os trabalhos de:

  • Foucault (2006) quanto à sexualidade, discursividade e controle dos corpos que se apresenta nas diversas interações nos mais diversos tecidos sociais;

  • Louro (2014) nos traz as relações de gênero na escola e na educação ao demarcá-las como estas têm sido estabelecidas desde a disposição do mobiliário ao espaço físico que delimita os corpos que ali transitam;

  • Butler (2003) nos apresenta a sexualidade, suas possibilidades e limites, questionando quais vidas e corpos importam;

  • Candau (2008, 2012) se apresenta com a perspectiva da interculturalidade;

  • Akotirene (2020), Collins e Bilge (2021) nos subsidiam com reflexões importantes sobre interseccionalidade.

  • André (2006); Brzezinski (2014) dialogam sobre formação de professores, identidade, profissionalização/proletarização da profissão docente);

  • Vianna & Unbehaum (2006); Vianna (2012) apresentam as temáticas de gênero e sexualidades em documentos como PNE e as DCNs.

Nosso trajeto metodológico será realizado em diferentes etapas, a saber:

1. Estado do Conhecimento: pretendemos, a partir das análises das produções acadêmicas, localizadas na Banco de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) conceber um "Estado do Conhecimento" com recorte temporal de 2000 a 2020 para perceber como as pesquisas em nível de Mestrado e Doutorado, no campo da Educação, têm problematizado as questões de gênero, que referenciais teórico-metodológicos têm sido utilizados , os principais achados e desafios colocados para a formação docente (AMARO & SITE, 2019).

2. Contato com professorxs através do aplicativo WhatsApp e por formulário (google drive) para saber sobre suas experiências e percepções sobre o tema na educação básica, caso não seja possível realizar atividades presenciais, como observação das aulas ou entrevistas.


BIBLIOGRAFIA

AMARO, Ivan. SITE, Roseclair. Formação inicial e continuada de professorxs: a (in)visibilização das temáticas de gênero e sexualidades nos currículos. In: 4º Seminário Educacional desfazendo Gênero – Realize Eventos e Editora, 2019. – 11/2019 – Recife, PE. Anais (online). Recife: Realize eventos e Editora, 2019. Disponível em https://editorarealize.com.br/revistas/desfazendo_gnero/anaisanteriores.php


ANDRÉ, Marli (Org.). Formação de Professores no Brasil (1980-1998). Brasília: MEC/INEP/Comped, 2006.

BRZEZINSKI, Iria (Org.). Formação de Profissionais de educação (1997- 2002). Brasília: Ministério da Educação/INEP, 2006.

. Formação de profissionais de educação (2003- 2010). Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2014.

BUTLER, Judith P. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade; tradução, Renato Aguiar. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CANDAU, Vera Maria. Direitos Humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença*. Revista Brasileira de Educação, v. 13 n. 37. Jan./abr. 2008, Rio de Janeiro.

CANDAU, Vera Maria. RUSSO, Kelly. Interculturalidade e Educação na América Latina: uma construção plural, original e complexa. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 10, n. 29. P, 151-169, jan/abr. 2010.

FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade I: A vontade de Saber. 17ª ed., Rio de Janeiro, RJ: Graal, 2006.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 16ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

___________________. Currículo, Gênero e Sexualidade: o “normal”, o “diferente” e o “excêntrico”. In: Corpo, Gênero e Sexualidade: um debate contemporâneo na educação. LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe: GOELLNER, Silvana Vilodre (orgs.) – Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

PARAÍSO, Marlucy Alves. Metodologias de Pesquisas Pós-Críticas em Educação. 2ªed. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2014, p. 25-47.

ROMANOWISKI, J. ENS, R. T. As pesquisas denominadas do “Estado da Arte”. Diálogos Educacionais, v. 6, n. 6, p. 37-50, 2006.

UNBEHAUM, Sandra. CAVASIN, Sylvia. GAVA, Thais. Gênero e sexualidades nos currículos de Pedagogia. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, 23 a 26 de agosto de 2010.

VIANNA, Claudia. Gênero, sexualidade e políticas públicas de educação: um diálogo com a produção acadêmica. In: Pro-Proposições, Campinas, v. 23, n. 2 (680, p. 127-143, maio/ago. 2012.

VIANNA, Claudia. UNBEHAUM, Sandra. Gênero na educação básica: Quem se importa? Uma análise de documentos de políticas públicas no Brasil. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 95, p. 407-428, maio/ago. 2006.


16h BR

A consideração da diversidade dos alunos oriundos da imigração: desafios presentes nas práticas de profissionais dos serviços complementares

Eve Lemaire

A escola quebequense caracteriza-se pela presença crescente de alunos oriundos da imigração (AOI) que representam mais de um quarto do total de alunos (MELS, 2014). Diversas pesquisas documentam os desafios vividos pelos ambientes escolares no tocante à consideração da diversidade (MC ANDREW et al., 2015, STEINBACH, 2015). Apesar do grande sucesso dos AOI na escola, a metanálise de Mc Andrew ilustra algumas zonas de vulnerabilidade. Paralelamente, é interessante observar o tratamento dos alunos oriundos da imigração nos documentos oficiais. É possível constatar que, no passado, a situação desses alunos foi abordada em documentos voltados para os alunos de adaptação escolar (similar ao que, no Brasil, se define por educação inclusiva). Esses documentos relacionavam a diversidade etnocultural e linguística desses alunos com dificuldades de aprendizagem, através de um olhar da adaptação escolar. As práticas de certos atores escolares atuando junto a AOI tidos por eles como “em dificuldade” encontram-se, portanto, na intersecção de dois domínios distintos, quais sejam: a adaptação escolar e a integração linguística, escolar e social (BORRI-ANADON, 2015).


A partir dessas observações, duas questões vêm se acrescentar àquelas previamente documentadas. Em primeiro lugar, os serviços oferecidos como apoio durante o percurso escolar dos alunos oriundos da imigração, além de sofrerem variações de acordo com os contextos, carecem de contornos nítidos e se caracterizam pela falta de harmonização entre si. Em segundo lugar, as diferentes perspectivas dos atores escolares quanto à percepção dos AOI trazem riscos de sub e de super-representação dos mesmos no setor de adaptação escolar. Por um lado, considerar a priori os AOI como alunos em dificuldade traz o risco de vê-los super-representados no setor de adaptação escolar. Assim, muitas questões relativas à avaliação desses alunos podem não ser consideradas. Por outro lado, considerar que esses alunos não devem receber serviços complementares como, por exemplo, o de ortopedagogia (equivalente ao psicopedagogo no Brasil), pelo fato de já receberem serviços de apoio ou de acolhimento, acarreta um risco significativo de sub-representação. Desta forma, esses alunos seriam privados de serviços apropriados a suas reais dificuldades, para além do aprendizado do francês e de outras dimensões de seu processo de integração. Essas observações permitem uma melhor compreensão das questões ligadas aos diferentes serviços oferecidos aos alunos oriundos da imigração, sobretudo fora da zona urbana metropolitana, onde os serviços a eles voltados diferem da realidade de Montreal, pelo número reduzido de AOI. (ARMAND, 2011, MC ANDREW et al., 2015).


A apresentação, que faz parte de um projeto mais vasto de compreensão da forma como as práticas de ortopedagogos atuando fora da zona urbana metropolitana levam em consideração a diversidade etnocultural e linguística, abordará as questões ligadas ao sucesso escolar dos AOI, à sua denominação nos documentos ministeriais e às questões atuais nas práticas de profissionais da educação junto a esses alunos. Além disso, será abordado o conceito de interseccionalidade, a consideração da diversidade e suas diversas representações. Por fim, uma definição da forma como essas diferentes representações se traduzem na atuação dos atores escolares permitirá ilustrar certas práticas e as questões a elas associadas.


Principais referências:

Aucoin, A., Borri-Anadon, C., Huot, A., Ouellet, S., Richard, J., Rivest, A.-C. et Saumure, V. (2019). Le bien-être et la réussite en contexte de diversité : un cadre pour le RÉVERBÈRE. Repéré à : https://reverbereeducation.com/wp-content/uploads/2020/04/Bien-etre-et-reussite-en-contexte-de-d-iversité-cadre-pour-le-RÉVERBÈRE.pdf

Bergeron, L., Vienneau, R. et Rousseau, N. (2014). Essai de synthèse sur les modalités de gestion pédagogique de la diversité chez les élèves. Enfance en difficulté, 3, 47-76.

Borri-Anadon, C. (2015). « Le couple handicap-culture conçu à travers différentes logiques professionnelles : le cas des pratiques évaluatives des orthophonistes scolaires à l’égard des élèves de minorités culturelles montréalais ». Symposium Ce que l’approche culturelle peut apporter à l’étude des sujets en situation de handicap : disability studies, cultural studies des enjeux communs insuffisamment reliés ? XVème congrès international de l'ARIC. Strasbourg : 24-28 août 2015.

De Koninck, Z. et Armand, F. (2012). Entre métropole et régions, un même raisonnement peut-il soutenir un choix de modèles de services différent pour l’intégration des élèves allophones? Diversité urbaine, 12(1), 69-85.

Mc Andrew, M., Balde, A., Bakhshaei, M., Tardif-Grenier, K., Armand, F., Guyon, S., Ledent, J., Lemieux, G., Potvin, M., Rahm, J., Vatz Laaroussi, M., Audet, G., Carpentier, A. et Rousseau, C. (2015). La réussite éducative des élèves issus de l’immigration : bilan d’une décennie de recherches et d’interventions au Québec. Presses de l’Université de Montréal.

Ministère de l'Éducation, du Loisir et du Sport (MELS). (2014a). Cadre de référence. Accueil et intégration des élèves issus de l’immigration au Québec. 1. Portrait des élèves – Soutien au milieu scolaire. Direction des services aux communautés culturelles.

Ministère de l'Éducation, du Loisir et du Sport (MELS). (2014b). Cadre de référence. Accueil et intégration des élèves issus de l’immigration au Québec. 2. Organisation des services. Direction des services aux communautés culturelles.