06. A concepção atual da estrutura de frases singulares e gerais; forma lógico-semântica e forma gramatical

NOMENCLATURA. Precisamos atentar para o fato que os autores passarão a chamar de frases enunciativas simplesmente de frases.

Os autores começam o capítulo por resumir a concepção tradicional de frase enunciativa simples através da perspectiva lingüística.

DEFINIÇÃO (tradicionalista). Frases enunciativas simples são frases predicativas (i.e. frases compostas de sujeito e predicado).

EXPLICAÇÃO (tradicionalista). O que se entedia da estrutura da frase predicativa era que algo (expressão-predicado) era dito de alguma coisa (aquilo que estaria no lugar da expressão-sujeito). Ou seja, o predicado estaria sempre no lugar de um conceito (ou classe) e com a frase predicativa se diz que algo (expressão-sujeito) cai sob esse conceito. Em resumo: na frase predicativa, algo é ligado a algo (p. 66).

A seguir, Tugendhat faz severas críticas a essa concepção tradicionalista de “síntese” ou composição (páginas 70, 71, 72 e 74). Conclui: compreender o que está composto com o que não deve ser nossa definição de significado de frase enunciativa. Devemos abandonar essas concepções tradicionais de significado de frase.

DEFINIÇÃO. Entendemos o significado de uma frase enunciativa quando compreendemos sob que condições ela é verdadeira (p. 75).

EXPLICAÇÃO. Compreendemos uma frase enunciativa quando conhecemos suas condições de verdade (p. 71).

Isso nos conduzirá a uma nova concepção da estrutura dessas frases enunciativas simples.

6.0. Estrutura semântica das frases singulares, particulares e universais

6.0.1. A estrutura semântica da frase enunciativa predicativa singular (o significado da forma sentencial predicativa singular)

Na tradição, o significado da forma sentencial predicativa singular foi compreendido por síntese ou composição (p. 70). Com uma frase predicativa singular dá-se a entender que o objeto que está no lugar do sujeito cai sob o conceito no lugar do qual está o predicado (p. 71). Nas páginas 70 e 71, Tugendhat argumenta contra essa maneira de entender o significado das formas sentenciais predicativas singulares.

Se nos guiamos pela concepção segundo a qual compreendemos uma frase quando conhecemos suas condições de verdade, uma frase singular (e.g. “Sócrates é calvo”) é verdadeira quando o objeto no lugar do qual está o sujeito (Sócrates) cai sob o conceito no lugar do qual está o predicado (“é calvo”). Ou seja, lingüisticamente: a frase é verdadeira se o predicado convém ao objeto. Ou ainda, se o objeto Sócrates é um elemento da classe determinada pelo predicado (páginas 72, 101 e 102). Em resumo: a verdade da frase singular depende do significado de suas expressões componentes (p. 76).

Usando o simbolismo desenvolvido entre os parágrafos 26 e 31 do capítulo 6 (páginas 77 a 80), substituindo “Sócrates” por “a” e “é calvo” por “F”, “Sócrates é calvo” é simbolizado por “Fa”. E dizer que uma frase com a estrutura semântica “Fa” é verdadeira é dizer que o predicado “F” convém ao objeto a. [O significado das frases predicativas singulares será analisado no capítulo 8 em detalhe.]

6.0.2. A estrutura semântica da frase enunciativa predicativa geral particular (o significado da forma sentencial predicativa geral particular)

Na tradição, o significado da forma sentencial predicativa geral (ou estrutura da frase geral simples, seja particular ou universal), em analogia com a singular, foi entendido como síntese ou composição (p. 70). Nas páginas 72 e 73, Tugendhat argumenta contra essa maneira de entender o significado formas sentenciais predicativas gerais particulares.

Se nos guiamos pela concepção segundo a qual se compreende uma forma sentencial quando se compreende, para frases dessa forma, qual é sua condição de verdade, uma frase geral particular “Algum F é G” é verdadeira se ao menos uma das frases singulares “Isto é F e é G” é verdadeira (p. 75). Assim, o valor de verdade de uma frase geral particular, depende de um modo determinado, do valor de verdade de frases singulares (p. 101).

Usando o simbolismo desenvolvido entre os parágrafos 26 e 31 do capítulo 6 (páginas 77 a 80), “Algumas formigas são roxas” é simbolizado por “(∃x) ( Fx e Gx)”. E dizer que uma frase com a estrutura semântica “(∃x) ( Fx e Gx)” é verdadeira é dizer que pelo menos uma das frases “( Fa e Ga)”, “( Fb e Gb)”, “( Fc e Gc)” etc. é verdadeira.

6.0.3. A estrutura semântica da frase enunciativa predicativa geral universal (o significado da forma sentencial predicativa geral universal)

Na tradição, o significado da forma sentencial predicativa geral (ou estrutura da frase geral simples, seja particular universal), em analogia com a singular, foi entendido como síntese ou composição (p. 70). Nas páginas 72 e 73, Tugendhat argumenta contra essa maneira de entender o significado das formas sentenciais predicativas gerais universais.

Se nos guiamos pela concepção segundo a qual compreendemos uma forma sentencial quando conhecemos as condições de verdade para frases dessa forma, uma frase geral universal “Todo F é G” é verdadeira se cada uma das frases “Se isso é F, então ele é G” é verdadeira (p. 75). Assim, o valor de verdade de uma frase geral universal, depende de um modo determinado, do valor de verdade de frases singulares (p. 101).

Usando o simbolismo desenvolvido entre os parágrafos 26 e 31 do capítulo 6 (páginas 77 a 80), “Todas as formigas são venenosas” é simbolizado por “(x) (se Fx, então Gx)”. E dizer que uma frase com a estrutura semântica “(x) (se Fx, então Gx)” é verdadeira é dizer que as todas as frases “(se Fa, antão Ga)”, “(se Fb, antão Gb)”, “(se Fc, antão Gc)” etc. são verdadeiras.

6.1. Enunciados relacionais

Considere a seguinte inferência:

Todos os círculos são figuras. (primeira premissa)

Pedro pinta um circulo. (segunda premissa)

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Pedro pinta uma figura. (conclusão)

Os autores, argumentando que essa é uma inferência com a qual a silogística não trabalha (e, portanto não a justifica), concluem: para relacionar as premissas logicamente, precisamos entender de outro modo a estrutura (forma) da segunda premissa (p.67).

A solução de Frege é enxergar a segunda premissa como uma relação entre dois objetos (p. 68). Ao invés de dividir a segunda premissa em sujeito e predicado, Frege a decompõe como um par ordenado de duas expressões-sujeitos {“Pedro”, “Círculo”} e uma expressão relacional “é pintado por’’ (p. 67).

EXEMPLOS. Considere a frase “Rolf é o pai de Kurt”. Entre o par ordenado {“Rolf”, “Kurt”} existe a relação ser-pai-de. Dizemos par ordenado”, pois a ordem é importante. Uma coisa é dizer “Rolf é pai de Kurt” outra é mudar a ordem do par, e dizer “Kurt é pai de Rolf” (p. 67). Outro exemplo: a frase “4 é maior que 3”, existe uma relação de ser-maior-que entre o par ordenado {“4”, “3”}.

“A importante novidade de Frege é que em um enunciado, no qual é dito que um objeto a se encontra em relação R com outro objeto b, a divisão semanticamente importante não é a divisão entre sujeito e predicado, mas a divisão entre expressão relacional, por um lado, e as duas expressões que se referem a objetos, de outro.” (p. 68)

Usando o simbolismo desenvolvido entre os parágrafos 26 e 31 do capítulo 6 (páginas 77 a 80), “Rolf é pai de Kurt” é simbolizado por “Rab”.

6.2. A estrutura das frases gerais

Considere a seguinte inferência:

Há alguns filósofos aos quais todos os filósofos se opõem. (premissa)

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Alguns filósofos se opõem a si mesmos. (conclusão)

Os autores, argumentando que essa é uma inferência com a qual a silogística não trabalha (e, portanto não a justifica), pois a premissa contém múltiplos quantificadores (“alguns” e “todos”). Precisamos entender a estrutura (ou forma) da premissa. Solução reside no modo de se enxergar a estrutura (ou forma) das frases gerais simples

A solução de Frege para a problemática da quantificação múltipla pode ser vista nas páginas 80 e 81 (trigésimo segundo parágrafo do capítulo 6). [Contemple a solução de Frege apenas após ter lido a “gramática da lógica atual” (páginas 77 a 80), i.e. o simbolismo desenvolvido entre os parágrafos 26 e 31 do capítulo 6.]

O restante da seção 6.2 é um ataque a concepção tradicional (páginas 70 a 74) e concluí com uma idéia geral (e não rigorosa) de como Frege entendia a estrutura das frases gerais simples particulares e universais (parágrafos 19, 20 e 21 do capítulo 6, páginas 74 e 75). [Remetemos o leitor as seções 6.0.2 e 6.0.3 desse nosso fichamento. Veja acima!]

6.3. Estrutura (ou forma) gramatical e estrutura (ou forma) semântica

Excelente resumo do que foi feito até aqui é dado no primeiro parágrafo da seção 6.3.

“No inicio do capítulo 6 indicamos que na tradição a estrutura gramatical e semântica das frases não foi separada claramente. Sobretudo a expressão “estrutura-sujeito-predicado” foi compreendida de forma a não se separar entre o aspecto gramatical e o semântico. A isso se liga o fato de que nem a expressão “estrutura gramatical” nem a expressão “estrutura semântica” eram claras. As reflexões feitas em 6.2 permitem que se tenha agora um conceito preciso da estrutura (ou forma) semântica de uma frase. Isso é possibilitado pelo fato de termos obtido um conceito determinado do significado de uma frase: Compreendemos o significado de uma frase se sabemos sob que condições ela é verdadeira.” (p. 75)

Determinando a sintaxe de uma frase (forma gramatical da frase). Através do conceito de classe de distribuições (classe distributiva) podemos determinar o modo (a maneira) como uma frase está composta por suas partes componentes (i.e. podemos determinar sua forma gramatical). É importante notar que a estrutura (ou forma) gramatical de uma frase pode ser determinada independente do significado da frase.

Determinando o significado da forma de uma frase (forma semântica da frase). Consideremos uma frase enunciativa, o jeito como seu significado (a semântica da frase) depende da forma como essa frase é composta por suas partes deve depender de sua estrutura semântica. Como perguntar sobre o significado (a semântica) de uma frase enunciativa é perguntar quais são as condições de verdade da frase: o jeito como a verdade da frase está condicionada à maneira como essa frase é composta por suas partes componentes deve informar qual é a sua estrutura semântica. Uma maneira razoavelmente clara de enunciar isso é:

DEFINIÇÃO (Davidson). Dada uma frase enunciativa, a estrutura (ou forma) semântica dessa frase está interessada no modo como a maneira de composição da frase é relevante para a verdade da frase (p. 81 e 82).

EXPLICAÇÃO. Se entendermos que frases concretas (frases da linguagem coloquial) possuem propriedades semânticas determinadas pelas (i) propriedades semânticas de suas partes constituintes e pela (ii) maneira que suas partes constituintes estão arranjadas. Então, seguindo a explicação de Davidson, poderíamos simplesmente dizer que a forma semântica de uma frase enunciativa (da linguagem coloquial) é: “a estrutura que precisa ser imposta sobre certas palavras relevantes para determinar o aspecto relevante para a verdade da frase -- desde que essa estrutura possa também ser aplicada de maneira sistemática a outras expressões da linguagem.”

EXEMPLOS. Foi explicado que para entendermos o significado de frases concretas como, por exemplo, “todos os cisnes são brancos” dependemos do conhecimento do significado da forma sentencial “todos... são...” e também do significado das palavras substanciais particulares “cisnes” e “brancos”. Isto é, conhecemos o significado de uma frase concreta em função do significado da forma sentencial e das palavras substanciais (p. 69). Em outras palavras: dado o significado de sua forma sentencial e dado o significado de suas palavras substanciais, sabemos de modo determinado se certa frase concreta é verdadeira (p. 75 e 76). No caso de frases singulares, a maneira de como a verdade desse tipo de frase depende do significado de suas expressões componentes determina a estrutura semântica da frase singular. No caso de frases gerais, o modo como a verdade desse tipo de frase depende da verdade de outras frases mais simples determina a estrutura semântica da frase geral (p. 76). Cada tipo de estrutura semântica de uma frase remete a outras formas sentenciais, de maneira que a verdade daquele tipo de forma sentencial remete a verdade dessas outras formas (p. 82).

OBS. A estrutura semântica de uma frase é determinada pela regra que descreve de que depende o significado (de que depende a verdade) da frase dado que essa frase seja composta de certa maneira (p. 76). Mas, a regra da estrutura semântica não determina como uma frase é decomposta em expressões componentes. Mas, sim, dado que uma frase é composta de certa maneira por uma combinação de partes, a regra da estrutura semântica (i.e. a estrutura semântica regula) como a verdade da frase depende (é função de) dessa combinação de partes relevantes.

Resumo: podemos saber de que maneira uma frase está composta por suas partes componentes sem recorrer ao significado da frase; e “a estrutura que precisa ser imposta sobre certas palavras relevantes para determinar o aspecto relevante para a verdade da frase" é a estrutura semântica.

OBS. A relação (tradução, mapeamento) entre forma gramatical e forma semântica não é clara (p. 41). Mas, isso não significa que não haja alguma relação entre forma gramatical e forma semântica.

Lembre: a estrutura gramatical é diferente da estrutura semântica.

6.4. A forma semântica é a forma lógica (a forma lógico-semântica)

A seção 6.4 visa esclarecer um pouco mais o conceito de “forma lógica” através da diferenciação entre “forma gramatical” e “forma semântica”. A seção concluirá igualando a forma semântica a forma lógica sob o nome de forma lógico-semântica.

Vimos que cada tipo de estrutura (ou forma) semântica de uma frase remete a outras formas sentenciais, de maneira que a verdade daquele tipo de forma sentencial remete a verdade dessas outras formas. Isso significa que existe relação de implicação entre esses tipos de frases. Tugendhat diz que todas as implicações lógicas são conseqüências desse fato (p. 82).

[Talvez isso tenha a ver com a relação entre implicação material e implicação lógica, ver capítulo 7]

Lembre: a forma lógica é idêntica a forma semântica.

6.5. Questões

A respeito do capítulo 6, é proposta a seguinte série de questões:

(i) Dentre os muitos desempenhos de Frege, qual é o maior? Explique os problemas que Frege resolveu e como. [vide páginas 67, 68, 69, 80 e 81]

(ii) Explique como as reflexões feitas na seção 6.2 permitem que se obtenha um conceito razoavelmente claro de estrutura (ou forma) semântica de uma frase enunciativa. [vide seção 6.3]

(iii) Como deve ser entendida a diferenciação entre forma semântica e forma gramatical? [vide seção 6.3]

(iv) Forneça o exemplo de duas frases concretas que tenham a mesma forma semântica e formas gramaticais distintas. Explique. [vide p. 77]

(v) É possível que duas frases concretas tenham a mesma forma gramatical e formas semânticas distintas? Dê exemplos e explique. [vide p. 77]

(vi) Explique o conceito de classe de distribuições (classe distributiva). Qual a importância desse conceito para a forma gramatical? [vide 6.3]

(vii) Baseado no conceito de classe de distribuições (classe distributiva) forneça uma definição do conceito de frase que seja puramente gramatical. [vide p. 20]

(viii) Tentando evitar ambigüidades, Quine chama “verdadeiras” expressões-sujeitos e “verdadeiras” expressões-predicado de que? [vide p. 77]

(ix) Explique (de acordo com o capítulo 6) o que é um termo geral e o que é um termo singular. Dê exemplos. [vide p. 77]

(x) Como os autores justificam a afirmação “a forma semântica é idêntica a forma lógica”? [vide seção 6.4]

(xi) Aponte as dificuldades que a concepção tradicional trás para a compreensão da forma sentencial predicativa singular e para a compreensão da forma sentencial predicativa geral. [vide páginas 70, 71, 72 e 73]

Fim do fichamento do sexto capítulo da Propedêutica lógico-semântica.