explicando melhor o porquê do holismo ser necessário

O holismo aqui referido é a ideia de que o ponto de partida para minha experiência cognitiva é a consciência da unidade complexa como um todo, i.e. o ponto de partida da consciência é, no linguajar kantiano, a 'consciência da síntese' (i.e. do todo unido). (p. 126)

Mas, esse holismo é necessário?

O fato de termos pensamentos complexos não pode ser explicado meramente como sendo um 'agregado de pensamentos' presentes simultaneamente na consciência. Pois, ele possuí certa unidade. E essa unidade (que o pensamento complexo possuí) não pode ser apenas explicada meramente pela adição (ao agregado de pensamentos em uma consciência) de uma 'regra de formação de pensamentos complexos'. A adição de uma 'regra de composição' não resolve a dificuldade, pois isso geraria a necessidade de uma outra explicação e, portanto, levaria a um regresso ao infinito. Entender esse problema (da unidade da apercepção) é entender a dificuldade que explicações atomísticas levam ao tentar resolve-lo (a saber: elas caem num regresso ao infinito que acaba não explicando nada). A única alternativa (para explicar essa unidade) é ter uma concepção holística da apercepção. (p. 142)

Pergunta. Qual o problema da solução atomística de que a 'unidade da apercepção' (i.e. apercepção de uma unidade complexa)...?

Resposta. Suponha que tenhamos a consciência das partes e que haja uma uma regra de combinação (que magicamente criaria uma unidade de uma diversidade). O que esse ato (essa regra) contribuiria para o conteúdo representacional do todo unificado? Se esse conteúdo é diferenciável e independente do todo - como é exigido pela explicação atomística -- então essa regra é simplesmente outro elemento (uma outra representação) e como ela é combinada com outros ainda carece de ser explicado. Temos aqui um regresso ao infinito. (p. 143)

Repetindo a resposta. Suponha que tenho um estado mental que contenha o conteúdo representacional dos estados mentais anteriores mantidos juntos por uma 'regra de síntese'. O problema, agora, é que é impossível especificar - sem cair num regresso ao infinito - qual é o conteúdo representacional que essa regra acrescentaria ao conteúdo das componentes (i.e. qual a diferença que a unidade delas traria para o sujeito). (p. 144)

EXEMPLO. Suponha que tenha na minha consciência a representação complexa unificada de vermelho e azul. (Suponhamos, nesse caso, que ‘vermelho e azul’ seja todo o conteúdo representacional da minha consciência.) A consciência desse complexo não se reduz a compreensão da representação vermelho e da compreensão da representação azul. Haveria um ponto de vista sobre o azul e um ponto de vista sobre o vermelho, mas não haveria nenhum ponto de vista unificado sobre, ou consciência de, azul e vermelho juntos. Ou seja, tal redução significaria a fragmentação de meu ponto de vista em um múltiplo distinto (i.e. separado) de pontos de vistas – cada ponto de vista tendo seu próprio objeto. (Tal fragmentação seria um absurdo.) O que é esse X que eu compreendo quando “compreendo a representação de azul e vermelho” que é distinto da “compreensão da representação vermelho e da compreensão da representação azul”? Suponha que esse X fosse a “representação de co-presença”. Mas, agora eu tenho uma coleção de três representações (azul, vermelho e co-presença) e isso ainda não explica o fato de eu ter um ponto de vista unificado – i.e. minha unidade da apercepção ainda não foi feita inteligível. Agora deve estar claro que não adianta apelar para um quarto elemento, outro Y. O problema é que qualquer outra representação Y seria outro ponto de vista separado ainda carecendo de ser juntado (i.e. unificado) com os outros. (Note o regresso ao infinito.) (pp. 118-9)

Em suma, qual o problema da solução atomística para a 'unidade da apercepção' (i.e. apercepção de uma unidade complexa)...?

Responta. O problema é como evitar que uma explicação atomística caia em um regresso infinito: postulação de infinitas representações. Pois como especificar a diferença feita pela unidade da minha apercepção no conteúdo representacional da minha experiência, sem tratar essa diferença como simplesmente sendo outra representação (cuje a unificação com as outras exigiria explicação)? (p. 118)

OBS. Esse argumento em favor do holismo (ou, mais especificamente, a defesa da afirmação "para que o ato de apercepção de uma representação complexa seja possível, essa apercepção deve ser entendida holisticamente") é o que Dickerson chama de "o argumento chave" que ocorreria no parágrafo 16 da Dedução B (the master argument of §16) .

OBS. O holismo que Dickerson vê em Kant é exemplificado por sua defesa de que as ‘unidades sintéticas’ (i.e. representações dos objetos como um todo) são anteriores às ‘unidades analíticas’ (i.e. conceitos) (p. 131). Analisar um conceito não é simplesmente desmembrá-lo (i.e. separa-lo em partes) depois que eu o construí através de uma combinação (i.e. depois que eu juntei conscientemente as partes para formar o todo). Analisar é o processo de se tornar consciente da complexidade daquela representação que ‘já pensavamos nela’ (p. 136).