01. O que significa lógica?

O primeiro capítulo da Propedêutica é uma mera apresentação, possuindo menor quantidade de conteúdo se comparado com outros capítulos do livro. Nele, Tugendhat, com o objetivo de elucidar em que sentido a palavra ‘lógica’ será utilizada (no restante do livro), divide a história da disciplina da lógica em três partes e identifica três modos de se compreender a lógica.

1.1. O que em geral se entende por ‘lógica’?

O autor ao propor a questão “o que significa lógica?” não está à procura de uma resposta essencialista, ou seja, não está buscando a característica essencial ou uma definição [i.e. um conjunto de características necessárias e suficientes do conceito ‘lógica’]. Sem pretensões essencialistas, os autores buscam apenas clareza [i.e. querem apenas elucidar o que entendem por ‘lógica’].

“(...) não é contudo sensato perguntar qual é o significado correto de uma palavra, já que não existe um significado verdadeiro de uma palavra. O que deve ser aqui evitado não é o erro, mas sim a falta de clareza.” (p. 9)

O autor apresenta a ‘lógica’ como tendo a ver com “os princípios da inferência válida na medida em que essa inferência se baseia na mera forma dos enunciados” (p. 12 e 13). Em resumo, pode-se dizer que a lógica é a teoria da inferência formalmente válida. [Para esclarecer isso, clique aqui.]

Para ter uma idéia do que isso diz, tentemos compreender, sem muito rigor, o que seriam: princípios, inferência, enunciados e forma.

De maneira não rigorosa, podemos considerar:

enunciados’, ‘juízos’ e ‘frases’ como sendo sinônimos, e.g. “Sócrates é mortal” é um enunciado, uma frase, um juízo (isso é apenas uma explicação grosseira! Uma discussão mais precisa será feita no capítulo 2);

princípios’ como sendo ‘determinadas regras, leis ou relações’ (p. 10);

inferência’ como, grossamente, sendo ‘a maneira como um juízo é deduzido de outro’ (p. 12), e.g. deduzimos o juízo [enunciado, frase] “Sócrates é mortal” dos juízos [enunciados, frases] “Sócrates é um homem” e “Todos os homens são mortais” (esses três enunciados formam um exemplo de inferência, p. 12);

forma’ como ‘formato’ (ou estrutura), o oposto de conteúdo ou substância.

O “tripé” da lógica: a tríade conceito-juízo-inferência (p.12). Após “limitar” a lógica “ao estudo dos princípios da inferência válida na medida em que essa inferência se baseia na mera forma dos enunciados ”, o autor apresenta como também sendo necessário o estudo (p. 13) do que seriam ‘inferência’ [lógica da inferência], ‘forma dos enunciados’ [lógica do juízo] e ‘conceito’ [lógica do conceito].

1.2. Uma breve história da lógica

Primeiro período. Lógica antiga: de Aristóteles até o fim da Idade Média.

Segundo período. Lógica moderna: de 1662 (Lógica de Port-Royal) até segunda metade do século XIX.

Terceiro período. Lógica atual: de 1879 (Begriffschrift de Frege) até hoje.

1.3. Três modos de se conceber a lógica

Após dizer que, de maneira simplificada, a temática da lógica é investigar determinadas regras, os princípios, as normas, leis ou relações, o autor se pergunta: “regras, leis ou relações de quê?” (p. 10).

Concepção ontológica. Princípios, regras, normas, leis do ser ou da realidade [i.e. da natureza última do real, características da realidade].

Concepção psicológica. Princípios, regras, normas, leis do pensamento ou das nossas capacidades de representação [i.e. necessárias para o pensar em geral].

Concepção lingüística. Princípios, regras, normas, leis da linguagem [i.e. daquilo que a linguagem deve satisfazer].

Vale dizer que o autor argumenta em favor da concepção lingüística da lógica (p. 18).

1.4. Algumas distinções feitas ao longo do capítulo 1

No décimo segundo parágrafo do capítulo (p. 14) é feito uma diferenciação entre 'lógica' e 'filosofia da lógica’. Esquematicamente, essa diferenciação pode ser representada:

lógica em si (investigação sistemática de todas as inferências formalmente válidas)

/

/

/

lógica moderna (lógica da inferência) {

\

\

\

filosofia da lógica (análise dos conceitos que são base da disciplina da lógica)

No décimo quarto parágrafo do capítulo 1 (p. 15) é feito a distinção entre as maneiras de fundamentação da verdade do enunciado: direta (pela percepção) e indireta (por outros enunciados). A maneira indireta é dividida entre a dedutiva (i.e. a inferência formalmente válida ou ‘do geral para o particular’, dedução lógica, do âmbito da lógica moderna ) e a indutiva (i.e. a inferência do particular para o universal, empírica, cientifica, uma inferência que não é válida do ponto de vista formal). Esquematicamente:

maneiras de fundamentação da verdade de um enunciado

|

|

/ \

/ \

direta (por percepção) indireta (por inferência)

|

|

/ \

/ \

/ \

dedutiva (formalmente válida) indutiva (do particular para o geral)

1.5. Texto clássico citado ao longo do capítulo 1

No decorrer do primeiro capítulo, Tugendhat cita as páginas 13, 16 e 114 da Lógica de Kant (comumente chamada de “Jäsche Lógica” ou “Lógica de Jäsche”, pois o texto foi estabelecido por Gottlob Benjamin Jäsche). Na tradução para o Português de Guido Antônio de Almeida, as páginas citadas são: 30, 33 e 135.

KANT, Immanuel. Lógica. Traduzido por Guido Antônio de Almeida. Tempo Brasileiro, 2003.

1.6. Questões

Para guiar a leitura do capítulo 1 são propostas as seguintes questões:

(i) Segundo os autores [Tugendhat e Wolf]: o que comum, usual e modernamente se entende por ‘lógica’?

(ii) Qual é a tríade lógica?

(iii) Descreva o quê os autores [Tugendhat e Wolf] consideram como os modos de concepção ontológica, psicológica e lingüística.

Chegamos, assim, ao fim do nosso comentário ao primeiro capítulo da Propedêutica lógico-semântica.