As culturas armadilhas são estabelecidas utilizando-se solo de campo com o objetivo de produzir esporos de FMAs saudáveis e em grandes quantidades. A técnica foi proposta por Gilmore (1968) e, mais recentemente, disseminada pelo trabalho de Stutz & Morton (1996). Há muitas implicações (geralmente não consideradas em trabalhos publicados) associadas com esporos de FMAs recuperados diretamente do campo. Primeiro, na maioria dos solos, as comunidades de FMAs são compostas por várias espécies, das quais três ou quatro são dominantes em termos de esporulação enquanto que a maioria ocorre em baixas quantidades (Stürmer & Siqueira, 2006). Outrossim, os esporos de FMAs podem perdurar no solo por anos sem serem totalmente degradados, permanecendo apenas a parede do esporo sem conteúdo viável. Além disto, o fenótipo dos esporos pode estar alterado devido a características químicas do solo, da atividade microbiana, umidade, entre outros. Estes dois últimos pontos afetando diretamente a identificação acurada das espécies em estudos de ocorrência. Finalmente, os esporos representam apenas aqueles fungos que alcançaram uma biomassa suficiente dentro da raiz que permitiu a esporulação (Gazey et al., 1992). O estabelecimento de culturas armadilhas é uma forma eficaz de contornar algumas destas situações visto que os esporos em quantidade e saudáveis obtidos destas culturas podem ser utilizados para estabelecer culturas puras (=monoespecíficas), para complementar os estudos de ocorrência e mesmo a própria cultura servir de inoculante misto composto de uma assembléia de fungos.
No entanto, os resultados de uma cultura armadilha são bastante variáveis e dependem de varias condições como o potencial de inóculo micorrizico inicial do solo, o hospedeiro utilizado, e as condições de crescimento das culturas armadilhas (temperatura, luminosidade). Em alguns casos, ela pode atuar como um filtro ecológico não possibilitando a esporulação por algumas espécies e ao mesmo tempo permitindo que espécies crípticas, não detectadas a campo, esporulem nas condições de vasos (Stürmer, 1998; Moreira-Souza et al., 2003). Por exemplo, em dois ciclos de culturas armadilhas estabelecidas com solo nativo de florestas de Araucaria, A. foveata, A. spinosa e Claroideoglomus etunicatum foram recuperados apenas no primeiro ciclo, enquanto Ambispora gerdemannii, Gigaspora margarita e Cetraspora pellucida foram recuperadas apenas após dois ciclos de cultura (Moreira-Souza et al., 2003). Nossa experiência em solos provenientes de regiões mésicas tem mostrado que as espécies dominantes, em termos de esporulação no campo, são aquelas que esporulam preferencialmente nas culturas armadilhas (Leal et al., 2009). Em regiões áridas, a mudança das condições de umidade nas culturas armadilhas parece ser um fator que estimula a esporulação por espécies crípticas (Stutz & Morton, 1996).
Para quem tem interesse em estabelecer culturas puras de FMAs, o estabelecimento de culturas armadilhas é sem dúvida alguma um primeiro e importante passo. Mesmo que nem todas as espécies fúngicas vão esporular nas culturas armadilhas, aquelas que esporulam produzem quantidades boas de esporos saudáveis, com todas as características morfológicas para permitir uma acurada identificação e servir de propágulo para o inicio de uma cultura pura.
A escolha da planta hospedeira é particularmente importante no estabelecimento de culturas armadilhas, visto que as raízes das plantas hospedeiras representam a “placa de Petri” onde os fungos vão colonizar, trocar nutrientes e adquirir biomassa suficiente para iniciar o processo de esporulação. Desta forma, um dos primeiros critérios para a escolha da planta hospedeira é o quão bem ela se desenvolve sob as condições de casa-de-vegetação que cada pesquisador possui para manter suas culturas. No Brasil, essa escolha é particularmente importante considerando a variação na temperatura média anual ocorrendo entre as diferentes regiões. Além do aspecto de adaptação da planta a condição local, deve-se levar em consideração a quantidade de raiz que a planta produz, lembrando que uma maior biomassa radicular significa mais espaço para o fungo crescer e esporular. Assim, gramíneas C4 são geralmente consideradas boas multiplicadoras de FMAs e comumente utilizadas para o estabelecimento de culturas armadilhas e culturas puras. As gramíneas são conhecidas por possuírem um sistema radicular fasciculado o que resulta numa grande área radicular que pode ser ocupada pelos fungos. Associado a essa característica morfológica, o metabolismo de uma planta C4 permite uma maior eficiência fotossintética, garantindo assim uma grande quantidade de fotoassimilados translocados ao sistema radicular que pode ser utilizado pelo fungo. Assim, plantas como sorgo (Sorghum bicolor, S. sudanense), pensacola (Paspalum notatum) e braquiaria (Brachiaria decumbens, B. brizantha) têm sido amplamente utilizadas como plantas hospedeiras para a multiplicação dos FMAs.
MÉTODO
O método utilizado na CICG é adaptado daquele descrito por Stutz & Morton (1996) e consiste em misturar solo do campo com areia esterilizada. Bever et al. (1996) usaram um procedimento diferente para estabelecer culturas armadilhas chamada culturas armadilhas transplantadas onde plantas intactas coletadas do campo foram transplantadas para um pote com um substrato livre de FMAs e a esporulação avaliada após 3-4 meses.
Solo e raízes são coletados da área de interesse. É importante que durante a amostragem sejam incluídas raízes das plantas hospedeiras visto que as mesmas servem como propágulos para iniciar nova colonização micorrízica. As raízes devem então ser cortadas em pequenos pedaços (1-2 cm de comprimento) e homogeneizadas com o solo.
Este solo com raízes é misturado com areia esterilizada na proporção de 1:1 (50% solo do campo + 50% areia estéril). A homogeneização pode ser feita dentro de um saco plástico ou mesmo numa bandeja plástica limpa.
Esta mistura é acondicionada em potes plásticos de 1,5 Kg com aberturas na base. As culturas armadilhas podem ser estabelecidas com apenas um hospedeiro ou com vários hospedeiros. Em culturas armadilhas com apenas um hospedeiro, sementes de Brachiaria brizantha ou de Sorghum sudanense são dispersas sobre a mistura e cobertas com uma mistura (1:1) de solo:areia quartzosa esterilizada (ou algum outro substrato esterilizado). É importante adicionar uma boa quantidade de sementes e nós colocamos 80-120 sementes por pote. Lembre-se de duas coisas: 1) as raízes são as “placas de Petri” dos FMAs - se houver poucas plantas no pote, a esporulação pode levar mais tempo e as plantas podem crescer muito em altura sem necessariamente investirem em raiz, e 2) escolha uma planta C4 de preferência, que seja dependente de micorriza e cresça bem nas condições da sua casa-de-vegetação. Alternativamente, pode-se estabelecer culturas armadilhas com diferentes hospedeiros; na CICG utilizamos uma combinação de Kalanchoe daigremontiana, Bidens pilosa, Belamcanda chinensis e Schinus terebinthifolia.
As culturas são então crescidas em casa-de-vegetação por no mínimo 4 meses, momento este em que dois cilindros de solo (50 ml cada) são extraídos para verificar a esporulação. Durante este tempo, a fertilização é feita apenas se houver necessidade e com uma solução baixa em fósforo (nós usamos a solução de Long Ashton com 10% de P).
Após este período, a rega é suspensa e os potes são deixados secar in situ em ambiente com baixa luminosidade natural para que o processo de secagem seja lento (1-3 semanas). Caso haja interesse em extrair esporos para obtenção de culturas puras, as culturas armadilhas são secadas apenas até o ponto de eliminar a maior parte da umidade, deixando ainda o substrato um pouco úmido antes de estocar.
As culturas armadilhas são estocadas em sacos plásticos tipo “zip-lock” pelo prazo mínimo de 1 mês antes de recuperar os esporos de FMAs a serem utilizados para estabelecer culturas puras. Este período parece ser importante quando há espécies de alguns gêneros para a quebra da dormência dos esporos.
Caso a esporulação não seja adequada após o período de 4 meses, as culturas podem ser estocadas secas por um período e depois reativada ou então pode-se simplesmente retirar a parte aérea e semear novamente.
Vaso de 1.5 Kg usado para estabelecer as culturas armadilhas
Substrato padrão da CICG esterilizado colocado na parte inferior do vaso
Vaso devidamente identificado com o código da cultura e data
Bandeja contendo areia quartzosa (esquerda) e solo nativo (direita) na proporção de 1:1
Areia quartzosa e solo nativo misturados. Esta mistura será colocada em vaso de 1.5 Kg e semeado.
Vaso com a mistura de areia e solo nativo 1:1 e semeado com planta hospedeira
Sementes cobertas com substrato padrão da CICG esterilizado
Cultura armadilhas monoespecíficas com Brachiaria decumbens