Sócrates

Dados Biográficos

"A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida." (Citado por Platão, em Apologia de Sócrates

Sócrates (470/399 a. C.), filho de Sofronisco (escultor) e de Fenarete (parteira), foi um dos maiores filósofos de toda a história da humanidade. À semelhança de Jesus Cristo, não nos deixou nada escrito. Tudo o que sabemos de Sócrates é através do seu discípulo, Platão. Este, por sua vez, apresentou todas as suas ideias sob a forma de diálogos, pela boca de Sócrates, de sorte que, até hoje, não sabemos exatamente onde acaba o pensamento de Sócrates e onde começa o de Platão.

A vida de Sócrates foi inteiramente dedicada à educação. Era paciente, simples e tinha um perfeito domínio sobre si mesmo. Levantava-se cedo e encaminhava-se à praça pública (Ágora) para iniciar os seus debates esclarecedores. Dissera que tinha abandonado a profissão de escultor, porque, enquanto a sua mãe dava luz à criança, ele daria luz às ideias. Na vida política, participou de três campanhas militares. É considerado o criador do método em Filosofia.

Sócrates procura o conceito. Este é alcançado através de perguntas. As perguntas têm um duplo caráter: ironia e maiêutica. Na ironia, confunde o conhecimento sensível e dogmático. Na maiêutica, dá à luz um novo conhecimento, um aprofundamento, sem, contudo, chegar ao conhecimento absoluto. Por exemplo, querendo apreender o conceito de coragem, dirigia-se ao um general, e perguntava-lhe: — você que é general, poderia me dizer o que é a coragem? O general respondia-lhe: — coragem é atacar o inimigo, nunca recuar. Porém, Sócrates contradizia: — às vezes temos que recuar para melhor contra atacar. E a partir daí continuava o debate ampliando o conceito.

As contestações de Sócrates eram sempre inesperadas. Um amigo de Sócrates perguntou ao oráculo de Delfos quem era o homem mais sábio de Atenas. O oráculo respondeu-lhe que era Sócrates. Seu amigo tratou de confundi-lo com a observação do oráculo e repetiu-o diante de muita gente. Sócrates comentou: o oráculo escolheu-me como o mais sábio dos atenienses porque o oráculo sabe que eu sou o único que sabe que não sabe nada.

Sócrates foi condenado à morte por duas razões: não crer nos deuses e corromper a juventude. Os jovens de Atenas seguiam Sócrates e escutavam-no, porque Sócrates ensinava-lhes a pensar por si mesmos, e por este caminho fazia-os chegar a conclusões que poderiam parecer subversivas. Na prisão, discutia a imortalidade da alma, ou seja, a possibilidade de existência de outra vida além desta.

A fama de Sócrates é tal que, passados vinte e cinco séculos, ainda estamos por resolver o problema do conhecimento de nós mesmos.

Fonte de Consulta

COLLINSON, D. Fifty Major Philosophers - A Reference Guide. London and New York, Routledge, 1989

Outros Detalhes

Sócrates. Nasceu em Atenas, em 470/469 a.C., coincidindo com o fim das guerras médicas pelas quais os gregos puseram fim à hegemonia dos Persas no Mediterrâneo. Morreu em 399 a.C. Tudo o que sabemos de Sócrates veio pelos testemunhos de Platão, Xenefonte e Aristóteles.

Alguns dados pessoais: a sua mãe, Fenarete, era parteira; o seu pai, Sofronisco, era escultor. Desposou Xantipa. Tomou parte em três campanhas militares. Tinha muita paciência, simplicidade e domínio de si próprio. Ensinava na Ágora (praça pública). A sua filosofia enfatizava o “conhece-te a ti próprio”, apoiado pela maiêutica.

O “conhece-te a ti próprio” não significa um simples conhecimento de si mesmo, isto é, de um conhecimento das aptidões, do caráter, das tendências e das imperfeições do indivíduo, mas de um conhecimento do que há de essencialmente verdadeiro no homem como também do verdadeiro em e para si, isto é, da própria essência enquanto espírito. (1)

Para Sócrates, a Filosofia era uma missão sagrada, que deve ser cumprida com risco da própria vida. Com essa atitude, opunha-se aos sofistas, para quem a educação era puramente uma arte, uma função utilitária.

As suas investigações tinham por objeto a purificação da alma. Dizia que o verdadeiro valor da vida está na purificação de si mesmo, pelo “conhecimento de si mesmo” e pela prática da virtude. Conhecer a própria ignorância é o melhor meio para permitir a purificação do conhecimento.

Enfatizava que todas as relações da vida humana devem ser examinadas através de uma meditação profunda, não aceitando, instintivamente, os costumes e acontecimentos, mas raciocinando sobre eles. O seu racionalismo fundamenta a conduta na reflexão, por meio de conceitos claros, sobre a própria evidência racional, ratio. Neste ponto, Sócrates aproxima-se dos sofistas, mas afasta-se deles ao buscar a verdade. Seu método é a “maiêutica”: a interrogação. Método obstétrico, como ele mesmo o chamava, que leva a partejar as ideias.

O fim do método socrático é a elaboração de conceitos, e o caminho que conduz a esse fim é o da indução (não no sentido da ciência moderna, que se eleva dos casos particulares a um resultado geral), mas somente quando é definido, quando permanece esgotado, numa forma verbal, é que o conceito está determinado universalmente. Assim, as características da investigação socrática são: indução, conceituação, definição. Por esses meios, desejava atingir o conhecimento moral de seus amigos. Por isso, para Xenofonte, foi Sócrates um reformador moral. (2) 

A única vida que vale a pena viver é uma vida virtuosa.

Só posso viver uma vida virtuosa se souber o que é "bom" e "mau".

"Bom e "mau" não são relativos: são absolutos que só podem ser julgados por meio de um processo de questionamento e raciocínio.

Dessa forma, a moralidade e o conhecimento estão ligados.

Uma vida inquestionada é uma vida de ignorância, sem moralidade.

A vida irrefletida não vale a pena ser vivida. (3) 

O método dialético de Sócrates era um sistema simples de questionamento que trazia à luz pressuposições, muitas vezes falsas que servem de base para um suposto conhecimento.

P: Você acha que os deuses sabem tudo?

R: Sim, porque eles são deuses.

P: Alguns deuses discordam de outros?

R: Sim, claro que sim. Eles estão sempre brigando.

P: Então, os deuses discordam sobre o que é verdadeiro e certo?

R: Imagino que sim.

P: Então, alguns deuses podem às vezes estar errados?

R: Pode ser.

Então os deuses não podem saber tudo. (3)

As fontes de informações sobre Sócrates vieram de Aristófanes, Xenofonte e Platão. Cada um deles tinha um ponto de vista diferente. Em sua peça As Nuvens, Aristófanes o retrata como um bufão, ao passo que, para Xenofonte, ele era um soldado e um homem de ação. Graças principalmente a Platão é que temos conhecimento sobre as ideias filosóficas de Sócrates. Platão as resume em forma de diálogos. Acredita-se que Apologia a Sócrates (discurso de defesa no julgamento de Sócrates), Críton e Fédon sejam as obras que melhor refletem os ensinamentos socráticos. 

Para Sócrates, o segredo era levar uma vida virtuosa, com simplicidade, tentando nunca retribuir o mal com o mal. A sua infelicidade foi que suas provocações constantes em relação às crenças arraigadas acabaram por colocá-lo em conflito com o Estado. Levado a julgamento no ano 399 a.C., ele foi acusado de introduzir novos deuses e corromper os jovens. Independentemente da validade das acusações, aqueles eram tempos turbulentos em termos políticos. A democracia ateniense tinha sido restabelecida apenas em 401 a.C., após um período de mais de trinta anos que havia testemunhado  a derrota humilhante contra Esparta, na Guerra de Peloponeso, e a imposição das leis pelos "Trinta tiranos", apoiados por Esparta, responsáveis pela morte de tantos cidadãos atenienses que acabaram ficando apenas um ano no poder. Talvez seja compreensível que os novos líderes da cidade não simpatizassem muito com alguém que parecia sentir prazer em apontar o que eles estavam fazendo de errado, principalmente quando este alguém foi no passado professor de um dos principais tiranos. 

Quando chegou a hora do julgamento, Sócrates não se desviou de sua postura intelectual objetiva. Foi-lhe dada a opção de pagar uma multa em vez de encarar a sentença de morte, mas ele recusou a proposta; depois, ofereceram-lhe a chance de escapar da prisão por meio de suborno, o que ele não aceitou. Seu raciocínio era o seguinte: independentemente das consequências, os cidadãos deveriam sempre obedecer às leis do estado. Assim, tendo vivido pela filosofia, de forma inflexível, no fim ele acabou morrendo após ingerir cicuta. (4) 

(1) BRUN, Jean. Sócrates. Lisboa: Dom Quixote, 1984. (Coleção Mestres do Passado, nº 9)

(2) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

(3) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

(4) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. 

Sócrates: Em Forma de Palestra

"A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida."
citado por Platão, em Apologia a Sócrates

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Dados Pessoais. 3. Considerações Iniciais. 4. Filosofia: 4.1. Missão Sagrada; 4.2. Purificação da Alma; 4.3. Sócrates por Platão. 5. O Método Socrático: 5.1. Ironia e Maiêutica; 5.2. Perguntas e Respostas; 5.3. A Descoberta do Conceito. 6. Conhecimento de Si Mesmo: 6.1. Gnothi Seauton; 6.2. Oráculo de Delfos; 6.3. Pensar por Si Mesmo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.  

1. INTRODUÇÃO 

Quem foi Sócrates? Em que época viveu? O que nos deixou? Qual a sua importância para a história da filosofia?  

2. DADOS PESSOAIS 

Sócrates nasceu em Atenas (470/469-399 a.C.) Tudo o que sabemos de Sócrates veio pelos testemunhos de Platão, Xenefonte e Aristóteles. A sua mãe, Fenarete, era parteira; o seu pai, Sofronisco, era escultor. Desposou Xantipa. Tomou parte em três campanhas militares. Tinha muita paciência, simplicidade e domínio de si próprio. Ensinava na Ágora (praça pública). A sua filosofia enfatizava o “conhece-te a ti próprio”, apoiado pela maiêutica. 

3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS  

Os primeiros filósofos antes de Sócrates buscavam, nos elementos externos do ser, as explicações racionais do mundo. Para Tales de Mileto, a substância primordial era a água; para Anaxímenes, o ar; para Pitágoras, o número; para Demócrito, o átomo. Sócrates, porém, não via a filosofia como uma simples especulação filosófica; para ele, a filosofia não pode estar desligada da própria vida, que é pessoal e social. Essa atitude está condensada na máxima: "Conhece-te a ti mesmo", que é autoconsciência ou uma volta reflexiva sobre si mesmo.  

4. FILOSOFIA 

4.1. MISSÃO SAGRADA 

A filosofia não é para Sócrates uma simples especulação filosófica. Para ele, ela deve ser tratada como um sacerdócio, uma missão sagrada que implicava, se necessário, o sacrifício da própria vida (que exemplificou ao beber cicuta). A filosofia não pode estar desligada da própria vida, entendendo-se que a vida é algo não apenas pessoal, mas tem uma dimensão pública - política, por ser da pólis - da qual não se pode prescindir. 

Sócrates viveu entre os sofistas, mas não se considerava um deles. Ao contrário, opunha-se a eles. Os sofistas eram os profissionais da palavra, que vendiam os seus ensinamentos (Sócrates fazia-o por devoção). Os sofistas surgiram num momento em que a democracia grega se desenvolvia a todo o vapor. Naquela época não havia o advogado para defender os interesses dos cidadãos. Cada um tinha que se representar perante os juízes. Os sofistas preparavam essas pessoas para fazerem a sua própria defesa. Para tal, ensinavam e praticavam a argumentação, a controvérsia e a persuasão. As suas aulas eram um verdadeiro treino de retórica. 

4.2. PURIFICAÇÃO DA ALMA 

As investigações de Sócrates tinham por objeto a purificação da alma. Dizia que o verdadeiro valor da vida está na purificação de si mesmo, pelo “conhecimento de si mesmo” e pela prática da virtude. Conhecer a própria ignorância é o melhor meio para permitir a purificação do conhecimento. 

Enfatizava que todas as relações da vida humana devem ser examinadas através de uma meditação profunda, não aceitando, instintivamente, os costumes e acontecimentos, mas raciocinando sobre eles. O seu racionalismo fundamenta a conduta na reflexão, por meio de conceitos claros, sobre a própria evidência racional, ratio

4.3. SÓCRATES POR PLATÃO 

Sócrates, à semelhança de Jesus, não nos deixou nada escrito. Sua filosofia foi exposta por Platão. No livro Apologia de Sócrates, Platão enfatiza o verdadeiro caráter e integridade de Sócrates que, mesmo tendo oportunidade de fugir da prisão, não o fez, para dar cumprimento aos seus princípios. Eis um trecho desse livro:

“... se sentirdes que me defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor, porquanto, é esta a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, e com mais de setenta anos de idade! Por isso, sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar – e poderá ser pior, ou mesmo melhor – depois, considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu digo é justo ou não. Essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador: dizer a verdade.”  

“Mas é chegada a hora de partir: eu para a morte e vós para a vida. Quem de nós se encontra para o melhor destino, todos nós ignoramos, exceto o deus”. Somente Deus conhece a verdade.

5. O MÉTODO SOCRÁTICO 

O fim do método socrático é a elaboração de conceitos, e o caminho que conduz a esse fim é o da indução (não no sentido da ciência moderna, que se eleva dos casos particulares a um resultado geral), mas somente quando é definido, quando permanece esgotado, numa forma verbal, é que o conceito está determinado universalmente. Assim, as características da investigação socrática são: indução, conceituação, definição. Por esses meios, desejava atingir o conhecimento moral de seus amigos. Por isso, para Xenofonte, foi Sócrates um reformador moral

5.1. IRONIA E MAIÊUTICA 

Trata-se de encontrar a verdade no diálogo, mas ela não pode ser simplesmente o resultado de um acordo entre os interlocutores, uma vez que poderiam chegar a um acordo injusto. Se não se encontra a verdade buscada, pelo menos as opiniões sem fundamento terão ficado para trás. Mais até: não existe nenhuma possibilidade de chegarmos à verdade sem nos libertarmos daquilo que acreditamos saber, mas que na realidade não sabíamos e sem reconhecer dessa forma nossa ignorância. 

Para Sócrates, a ignorância constitui condição prévia para o saber autêntico. Só quem reconhece a sua ignorância está capacitado ao aprendizado. Por isso, dizia: "sei que nada sei". Para chegar a esse estado prévio do não-saber, Sócrates lança mão de seu método, que é o de perguntar. As perguntas objetivavam descobrir o conceito que se ocultava na superficialidade do conhecimento. Primeiramente, aplicava a ironia, que é a forma negativa do diálogo, em que procurava confundir o interlocutor sobre um conhecimento que acreditava possuir; depois, aplicava a maiêutica, a forma positiva do diálogo que, baseado no ofício de parteira de sua mãe, procurava dar à luz um novo saber. Ele não ensinava, mas criava condições para que o conhecimento brotasse do ouvinte. 

5.2. PERGUNTAS E RESPOSTAS 

O método socrático é baseado em perguntas e respostas. Esse método não era original, pois Zenão de Eléia já o utilizava. O que é novo é o enfoque de Sócrates: introduziu a ironia e a maiêutica.  

O método dialético de Sócrates era um sistema simples de questionamento que trazia à luz pressuposições, muitas vezes falsas que servem de base para um suposto conhecimento. Eis um exemplo: 

P: Você acha que os deuses sabem tudo?

R: Sim, porque eles são deuses.

P: Alguns deuses discordam de outros?

R: Sim, claro que sim. Eles estão sempre brigando.

P: Então, os deuses discordam sobre o que é verdadeiro e certo?

R: Imagino que sim.

P: Então, alguns deuses podem às vezes estar errados?

R: Pode ser.

Então os deuses não podem saber tudo.  

5.3. A DESCOBERTA DO CONCEITO 

O pressuposto do método socrático é o de que é possível conhecer a verdade por meio da razão. A superação do ceticismo dos sofistas é factível porque o homem é capaz de pensar conceitualmente: da multiplicidade, sabe colher a unidade e diante de duas alternativas chega a conhecer qual é a verdadeira. Sócrates entrou para a história como o descobridor do conceito, no sentido de que esse filósofo é o primeiro a se dar conta de que só por meio desse pensamento conceptual é possível atingir a verdade. O objetivo é encontrar a definição do conceito investigado: uma definição válida universalmente.  

O interesse de Sócrates pela definição dos conceitos é prático: o comportamento só pode se fundamentar corretamente a partir do conhecimento. Só seremos virtuosos se sabemos em que consiste a virtude. O conhecimento proporciona a virtude, porque "ninguém faz o mal conscientemente". Aquele que age mal acredita que está fazendo o bem, e ignora em que consiste o bem. A postura de Sócrates é uma postura intelectualista: identifica virtude e conhecimento. Se para ser virtuoso é preciso conhecer a virtude, todas as virtudes podem ser reduzidas na realidade a uma única: a do conhecimento. Ao mesmo tempo, ser virtuoso equivale a ser feliz, que é o bem ao qual, segundo os gregos, todos os seres humanos aspiram.  

6. CONHECIMENTO DE SI MESMO 

6.1. GNOTHI SEAUTON 

O gnothi seauton envolve em primeiro lugar uma tragédia. A tragédia começa com o enigma da esfinge apresentada ao rei Édipo, que pergunta: "Quem pela manhã anda sobre quatro pernas, à tarde sobre duas e à noite sobre três?". (A resposta: o bebê engatinha de quatro, o adulto fica de pé, e o velho anda com a bengala) 

6.2. ORÁCULO DE DELFOS 

Sócrates não é o autor da frase "conhece-te a ti mesmo". Na tradição mítica, essa sentença foi proferida pelo deus Apolo, e estava gravada no frontispício do templo de Delfos. Foi somente depois da sua visita a Cherofonte, o oráculo de Delfos, que passou a refletir sobre o "conhece-te a ti mesmo". Este dístico inspira-lhe dois diálogos, narrados em Platão (Alcibíades, l28d-l29) e em Xenofontes (Memoráveis IV, II, 26), onde retrata a importância do autoconhecimento.

O oráculo de Delfos não ensinava filosofia. Sócrates interpretou essa ordem com um programa e um método, ou seja, propunha a seus sucessores trabalhar para se conhecer, a fim de se tornarem melhores. Ele, porém, não se iludia sobre as dificuldades dessa tarefa. Ele as experimentou e morreu por isso. Nada tinha de misterioso. Mas iria voltar a ser no momento em que os pensadores cristãos o adotassem e o interpretassem por sua vez. 

6.3. PENSAR POR SI MESMO 

A filosofia é diálogo, é um questionamento comum a partir da linguagem no qual nenhum dos interlocutores possui a verdade, mas deve tratar de buscá-la. Cada homem possui dentro de si uma parte da verdade, mas deve descobri-la com a ajuda dos outros. Sócrates foi o primeiro a pôr a busca racional da verdade no centro de cada vida. Talvez o ser humano jamais possa encontrar a verdade - de fato, muitos diálogos socráticos, tais como Platão testemunhou, acabavam sem conclusão definitiva -, mas não pode renunciar a ela. É isto o que constitui a verdadeira dimensão humana: pensar por si mesmo - ainda que seja em comum -, libertar-se das opiniões preconcebidas, exercer constantemente a crítica em relação ao que parece evidente, a opinião da maioria, o que o costume ou a tradição determina.  

7. CONCLUSÃO 

O “conhece-te a ti mesmo” é um dístico pronunciado há mais de 2.500 anos e ainda continua atual. Perscrutemos o seu verdadeiro sentido e metamos mão à obra para um maior aprofundamento sobre nós mesmos.  

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA  

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

TEMÁTICA BARSA (Filosofia). Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005.

São Paulo, maio de 2013.






 Notas

A pouca informação que temos sobre Sócrates vem de três fontes bem diferentes: o autor de comédias Aristófanes, o comandante militar Xenofonte e o grande filósofo Platão, que foi discípulo de Sócrates. Em sua peça As nuvens, Aristófanes o retrata como um bufão, ao passo que, para Xenofonte, ele era um soldado e um homem de ação. Graças a Platão é que temos conhecimento sobre as ideias filosóficas de Sócrates. Acredita-se que Apologia a Sócrates (discurso de defesa no julgamento de Sócrates), Críton e Fédon sejam as obras que melhor refletem os ensinamentos socráticos.

Para Sócrates, o segredo era levar uma vida virtuosa. Isso incluía resistir às aspirações de fama e de fortuna e nunca, sob nenhuma hipótese, retribuir o mal com o mal.

A infelicidade, para Sócrates, foi que suas provocações constantes em relação às crenças arraigadas acabaram por colocá-lo em conflito com o Estado.

Foi-lhe dada a opção de pagar uma multa em vez de encarar a sentença de morte, mas ele recusou; depois, ofereçam-lhe a chance de escapar da prisão por meio de suborno, o que ele não aceitou. Seu raciocínio era o seguinte: independentemente das consequências, os cidadãos deveriam sempre obedecer às leis do estado. (LEVENE, Lesley. Filosofia para Ocupados: dos Pré-Socráticos aos Tempos Modernos. Tradução de Débora Fleck. Rio de Janeiro: LeYa, 2019)

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Em 399 a.C., com 70 anos, os juízes atenienses condenaram Sócrates à morte após julgá-lo culpado por desafiar doutrinas tradicionais em Atenas. Os que acusavam diziam: “Sócrates é um malfeitor, um curioso. Ele investiga tudo abaixo da terra e acima dos céus e faz o pior parecer o melhor e ensina tudo isso aos outros”.

Seu verdadeiro crime foi a sua incansável paixão.

Durante o julgamento de Sócrates, o argumento a seu favor era: não há virtude mais elevada que a sabedoria.

A despeito da ameaça iminente da sentença da morte, Sócrates recusou negar as crenças que lhe custariam a vida.

Durante seu julgamento, Sócrates emitiu um de seus pensamentos mais famosos: “Apenas Deus é sábio, e Sua resposta pretende mostrar que a sabedoria dos homens vale pouco ou nada... O mais sábio é aquele que, como Sócrates, sabe que na verdade seu saber nada vale”.

“Homens de Atenas, honro e amo vocês; mas obedecerei a Deus antes que a vocês, e enquanto tiver vida e forças jamais deixarei de praticar e ensinar a filosofia...” (OLIVER, Martyn. História Ilustrada da Filosofia. Tradução de Adriano Toledo Piza. São Paulo: Editoria Manole, 1998.)


Temática Barsa Filosofia

Sócrates concebeu a filosofia como uma busca coletiva cujo instrumento é o diálogo e cujo objetivo, a clareza sobre a própria existência, tanto em sua dimensão individual quanto em suas relações com outros membros da comunidade. Sócrates exerceu sua atividade filosófica em Atenas, sempre na rua, pondo os seus interlocutores contra a parede com suas armas dialéticas. Seu propósito era combater os preconceitos, questionar as falsidades, destruir o discurso demagógico dos poderosos, forçar seus concidadãos à reflexão permanente. Tornou-se um personagem muito incômodo - ele mesmo se autoqualificava de "mosca" - e foi acusado de haver profanado as crenças religiosas da cidade e de corromper a juventude. Foi condenado á morte, e embora considerasse a sentença uma injustiça, acatou-a com dignidade. 

"Conhece-te a Ti Mesmo"

A filosofia não é para Sócrates uma simples especulação filosófica. A filosofia não pode estar desligada da própria vida, entendendo-se que a vida é algo não apenas pessoal, mas tem uma dimensão pública - política, por ser da pólis - da qual não se pode prescindir. Essa atitude está condensada na máxima favorita de Sócrates: "Conhece-te a ti mesmo". Na tradição mítica, essa sentença foi proferida pelo deus Apolo, e estava gravada no frontispício do oráculo de Delfos. 

A filosofia é diálogo, é um questionamento comum a partir da linguagem no qual nenhum dos interlocutores possui a verdade, mas deve tratar de buscá-la. Cada homem possui dentro de si uma parte da verdade, mas deve descobri-la com a ajuda dos outros. Sócrates foi o primeiro a pôr a busca racional da verdade no centro de cada vida. Talvez o ser humano jamais possa encontrar a verdade - de fato, muitos diálogos socráticos, tais como Platão testemunhou, acabavam sem conclusão definitiva -, mas não pode renunciar a ela. É isto o que constitui a verdadeira dimensão humana: pensar por si mesmo - ainda que seja em comum -, libertar-se das opiniões preconcebidas, exercer constantemente a crítica em relação ao que parece evidente, a opinião da maioria, o que o costume ou a tradição determina. 

Ironia e Maiêutica

Trata-se de encontrar a verdade no diálogo, mas ela não pode ser simplesmente o resultado de um acordo entre os interlocutores, uma vez que poderiam chegar a um acordo injusto. Se não se encontra a verdade buscada, pelo menos as opiniões sem fundamento terão ficado para trás. Mais até: não existe nenhuma possibilidade de chegarmos à verdade sem nos libertarmos daquilo que acreditamos saber, mas que na realidade não sabíamos e sem reconhecer dessa forma nossa ignorância. "Só sei que nada sei", diz Sócrates. A ignorância constitui a condição prévia para o saber autêntico. Só quem reconhece sua ignorância está predisposto para o questionamento da verdade; quem acredita que sabe não iniciará nenhum caminho, uma vez que acredita que já está de posse desse saber. 

O método utilizado por Sócrates é o diálogo dirigido conhecido como dialética, e que consiste na arte de fazer perguntas. O método consta de duas fases: a ironia e a maiêutica.

Para chegar a esse estado prévio de "não-saber", Sócrates lança mão da ironia. É a forma negativa do diálogo, a arma pela qual se refutam os falsos argumentos do opositor, sua presunção do saber. A ironia consiste em levar o interlocutor, seguro de que sabe do que está falando, até a ignorância que se esconde nesse suposto saber. Sócrates se esconde ingenuamente nesse não-saber para deixar o interlocutor diante de sua própria perplexidade quando se dá conta de que não sabe aquilo que acreditava saber.

Depois vem a forma positiva do diálogo, a maiêutica, que Sócrates diz ter aprendido com sua mãe, que era parteira. A maiêutica é a arte de dar à luz - no caso do método socrático, a arte de iluminar a verdade do interior do próprio interlocutor. Sócrates não gera a verdade, apenas abre caminho para que ela veja a luz. 

A Descoberta do Conceito

O pressuposto do método socrático é o de que é possível conhecer a verdade por meio da razão. A superação do ceticismo dos sofistas é factível porque o homem é capaz de pensar conceitualmente: da multiplicidade, sabe colher a unidade e diante de duas alternativas chega a conhecer qual é a verdadeira. Sócrates entrou para a história como o descobridor do conceito, no sentido de que esse filósofo é o primeiro a se dar conta de que só por meio desse pensamento conceptual é possível atingir a verdade. O objetivo é encontrar a definição do conceito investigado: uma definição válida universalmente. 

Intelectualismo Ético

O interesse de Sócrates pela definição dos conceitos é prático: o comportamento só pode se fundamentar corretamente a partir do conhecimento. Só seremos virtuosos se sabemos em que consiste a virtude. O conhecimento proporciona a virtude, porque "ninguém faz o mal conscientemente". Aquele que age mal acredita que está fazendo o bem, e ignora em que consiste o bem. A postura de Sócrates é uma postura intelectualista: identifica virtude e conhecimento. Se para ser virtuoso é preciso conhecer a virtude, todas as virtudes podem ser reduzidas na realidade a uma única: a do conhecimento. Ao mesmo tempo, ser virtuoso equivale a ser feliz, que é o bem ao qual, segundo os gregos, todos os seres humanos aspiram.

Sócrates, Segundo Platão

“O que vós, cidadãos atenienses, haveis sentido com o manejo dos meus acusadores, não sei; o certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivos foram. Contudo, não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar.  Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência se, todavia, denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exatamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira.  Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram da verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em toda a sua claridade. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadãos atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vierem à boca, pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta minha idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos. E, todavia, cidadãos atenienses, isto vos peço: se sentirdes que me defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor, porquanto, é esta a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, e com mais de setenta anos de idade! Por isso, sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar – e poderá ser pior, ou mesmo melhor – depois, considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu digo é justo ou não. Essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador: dizer a verdade.”

Platão Apologia a Sócrates

A Morte de Sócrates

A acusação contra Sócrates - impiedade e ensinar falsas divindades aos jovens - era grave: a impiedade implicava o questionamento do estado, dado o vínculo tradicional entre religião e ordem política.

Durante o julgamento, Sócrates manteve uma atitude bem pouco conciliadora: não tentou adular o júri para obter sua simpatia e sua cumplicidade, não fez nada para obter sua absolvição. Pelo contrário, reafirmou tudo aquilo que havia sido motivo de seu julgamento. Quando foi declarado culpado, em vez de propor uma alternativa à pena de morte (o desterro, por exemplo, teria sido aceito), Sócrates pediu uma pensão do dinheiro público. Isso irritou especialmente o júri, que o condenou à pena capital por um número maior do que o que o havia declarado culpado.

Embora pudesse ter evitado a morte fugindo graças à ajuda de seu discípulo Críton, ele optou por ficar e beber a cicuta, por coerência com suas convicções e por respeito às leis de Atenas. (1)

(1) TEMÁTICA BARSA (Filosofia). Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005.