René Descartes

Dados Biográficos

René Descartes. René Descartes (1596-1650) nasceu em La Haye, França, pertencendo a uma família de prósperos burgueses. Estudou no colégio jesuíta de La Fléche, na época um dos mais conceituados estabelecimentos de ensino europeu. Foi soldado, esteve sob as ordens de Maurício de Nassau. Participou de várias campanhas militares. As obras de Descartes são de considerável extensão. As mais importantes são: Regras para a Direção do Espírito (1628), O Discurso do Método (1637) e Meditações Filosóficas (1641). (1) 

Um gênio maligno pode tentar me fazer acreditar em coisas falsas.

Não há nada do qual posso ter certeza.

Mas quando digo "Eu sou, eu existo", não posso estar errado sobre isso.

Um gênio maligno poderia tentar me fazer acreditar nisso se eu realmente existir

Penso, logo existo. (2)

O ponto de partida para Descartes é a busca pelas certezas, o que nunca é uma questão fácil, como ele percebe, uma vez que os sentidos podem ser enganados. O método que ele propõe é conhecido como dúvida hiperbólica - "hiperbólica" no sentido de "extrema". Assim, para testar o quanto o nosso chamado "conhecimento" está fundamentado na razão, é preciso suspender o julgamento sobre qualquer proposição cuja verdade possa de alguma forma ser questionada. Por meio de um processo eliminatório, Descartes chega à sua célebre conclusão: Cogito, ergo sum ("Penso, logo exito"). Ele tem certeza da sua própria existência, pois caso contrário não estaria pensando. 

Descartes então se detém sobre o que está pensando, identificando entre outras coisas a ideia de um Ser Perfeito ou Deus. Ele tem certeza de se tratar de uma verdade e de ela existir fora de sua mente, pois de outro modo o cogito em si não seria verdadeiro. Embora isso soe novamente como escolástica, dessa vez o Ser Perfeito ajuda a provar a solidez do raciocínio humano: ele é Deus "em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência". Como Deus leva Descartes a acreditar que as coisas no mundo externo são materiais, é porque devem mesmo ser, visto que um Deus perfeito jamais o enganaria. Esse dualismo - nada menos que dualismo cartesiano: a divisão entre mente pensante, não material, e o corpo mecânico, material - é algo que continua a provocar interesse até hoje. 

Descartes sofreu críticas desde o início, mas quando a rainha Cristina da Suécia decidiu, em 1649, que queria ter aulas de filosofia, acabou por convocá-lo. Infelizmente, para ele a empreitada não foi bem-sucedida. Para início de conversa, Cristina gostava de começar o estudo às cinco da manhã, apesar de estarem em meados de inverno, ao passo que o tutor preferia uma manhã tranquila na cama, para ler e refletir um pouco mais. O resultado é que apenas seis meses após a chegada ele morreu de pneumonia. (3)

(1) JERPHAGNON, L. Dicionário das Grandes Filosofias. Lisboa, Edições 70, 1982.

(2) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

(3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.


René Descartes: em Forma de Palestra

Penso, logo existo."
Discurso do Método

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Dados Pessoais. 3. Considerações Iniciais. 4. Sonho Premonitório. 5. Cartesianismo. 6. Filosofia fora da universidade. 7. As Matemáticas como Modelo. 8. A Intuição e a Dedução. 9. As Regras do Método. 10. A Dúvida Metódica. 11. "Penso, Logo, Existo". 12. Conclusão. 13. Bibliografia Consultada. 

1. INTRODUÇÃO

Quem foi Descartes? Qual a sua contribuição para a história da filosofia? O que significa a dúvida metódica? Descartes e cartesianismo são a mesma coisa? 

2. DADOS PESSOAIS 

René Descartes (1596-1650) nasceu em La Haye, França, pertencendo a uma família de prósperos burgueses. Estudou no colégio jesuíta de La Fléche, na época um dos mais conceituados estabelecimentos de ensino europeu. Foi soldado, esteve sob as ordens de Maurício de Nassau. Participou de várias campanhas militares. As obras de Descartes são de considerável extensão. As mais importantes são: Regras para a Direção do Espírito (1628), O Discurso do Método (1637) e Meditações Filosóficas (1641). (Jerphagnon, 1982) 

3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 

O ponto de partida para Descartes é a busca pelas certezas, o que nunca é uma questão fácil, pois os sentidos podem ser enganados. O método que ele propõe é conhecido como dúvida hiperbólica - "hiperbólica" no sentido de "extrema". 

Na Antiguidade e na Idade Média, o método era dedutivo. Na Idade Moderna, o método passa a ser indutivo sem, contudo, desprezar de todo o método dedutivo. Francis Bacon (1561-1626) ao apresentar o seu Novum Organum, em que enfatiza o empirismo nas ciências, isto é, o conhecimento passa a ser construído partindo-se do particular para o geral. René Descartes insere-se nesse novo contexto da ciência.  

4. SONHO PREMONITÓRIO 

A dez de novembro de 1616, o jovem Descartes teve um sonho premonitório. Sonhou que o Espírito da Verdade o visitara e, reverente, tal como é natural à Entidade de sua estirpe, comunicou-lhe que lhe competia a missão de edificar uma "Ciência Admirável", cujas coordenadas lhe trouxe em outra visita onírica. Houve, ainda, uma terceira, concluindo o esclarecimento devido. Ao acordar, preocupado com a responsabilidade de tão grande missão, pediu a Deus que o amparasse a fim de que pudesse fielmente cumprir a grande tarefa, tão acima de suas parcas forças. (São Marcos, 1993, p. 76)  

5. CARTESIANISMO 

O cartesianismo - de Cartesius, nome latinizado de Descartes - encontrou de imediato numerosos seguidores, a ponto de se impor na Europa continental frente ao empirismo dos britânicos. 

O cartesianismo – proveniente de Descartes – é considerado, por muitos historiadores da filosofia, como a passagem da filosofia do renascimento à moderna. Descartes, em seu Discurso do Método, enfatiza as duas armas necessárias à concretização do seu programa de conhecimento: liberdade do arbítrio e a disciplina consciente a que deve livremente se submeter para conhecer segundo a razão. Ao lado desses dois, acrescenta um terceiro: Deve haver uma razão em nós e no mundo, sem o que não seria possível nem proveitoso dispor de nossa liberdade e de nossa disciplina para conhecer. 

6. FILOSOFIA FORA DA UNIVERSIDADE 

A filosofia de Descartes foi desenvolvida fora da universidade. Por isso, suas críticas ferrenhas aos postulados escolásticos, ligados à tradição. Começou com correspondências, que enviava a vários pensadores da época. Somente depois, transformou essas discussões num tratado. Além do mais, o Discurso do Método foi escrito originariamente em francês, contrariando o hábito da época, que era o de escrever textos filosóficos e científicos em latim. 

7. AS MATEMÁTICAS COMO MODELO 

Descartes toma as matemáticas como modelo ou paradigma de suas investigações filosóficas e do conhecimento em geral. É nas matemáticas que a razão encontra um campo próprio, um terreno em que não se deve submeter a nada além de sua própria lei, sua maneira própria e natural de proceder. 

Em primeiro lugar, na ciência matemática a razão, com todo o direito, é plenamente auto-suficiente. As proposições matemáticas não dependem da experiência, são "verdades da razão", e isto quer dizer que possuem uma validade universal e absoluta. Um triângulo, por exemplo, sempre terá três lados, e isto, em nenhum momento poderá ser desmentido pela experiência. Devido a essa auto-suficiência, a razão nas matemáticas só aceita como verdadeiro o que se apresenta a ela com clareza. A clareza e a simplicidade das matemáticas se convertem naquilo a que aspiram todas as outras ciências. Finalmente, as matemáticas mostram que a razão procede dedutivamente, deriva novas ideias a partir de primeiros princípios evidentes. (Temática Barsa) 

8. A INTUIÇÃO E A DEDUÇÃO 

Dois atos fundamentais nos conduzem à verdade: a intuição e a dedução

A intuição é o conceito, fácil e distinto, de um espírito puro e atento, de que nenhuma dúvida poderá pesar sobre o que nós compreendemos.

A dedução é apenas uma série de intuições - e, como se pode sempre esquecer um momento da série, será necessário pela imaginação e pela memória habituarmo-nos a repassar cada vez mais rapidamente no nosso espírito os termos da dedução, até que leve a uma "quase intuição" (Jerphagnon, 1982).

9. AS REGRAS DO MÉTODO

Descartes se propõe buscar a solução a partir do problema. Desejava encontrar, por si mesmo, uma solução evidente que permitia reorganizar nossos juízos e separar neles o falso do verdadeiro. Dizia: "Na menor dúvida tome algo por falso"; "prefira errar dizendo que uma coisa é falsa a errar dizendo que ela é verdadeira". Daí, as suas quatro célebres regras, cujo objetivo era auxiliar a resolução de qualquer problema, porque as regras tinham um caráter geral e não técnico. 

1.ª) Só admitir como verdadeiro o que parece evidente, evitar a precipitação assim como a prevenção;
2.ª) Dividir o problema em tantas partes quantas as possíveis (é o que se chama regra de análise);
3.ª) Recompor a totalidade subindo como que por degraus (regra da síntese);
4.ª) Rever o todo para se Ter a certeza de que não se esqueceu de nada e que, portanto, não há erro. (Jerphagnon, 1982) 

10. A DÚVIDA METÓDICA 

Descartes analisa o conhecimento vigente e conclui que nada se lhe oferece, de modo indubitável, sobre o que possa fundamentar o seu trabalho. Tem que buscar alguma coisa fora da tradição, uma idéia, uma única que seja, mas que resista a todas as dúvidas. Toma como paradigma a geometria que partindo de algumas proposições certas em si mesmas, descobre outras verdades e esgota todas as possibilidades; também a filosofia deve, de igual modo, descobrir e demonstrar as suas verdades, dedutivamente, partindo de algumas proposições certas, indubitáveis. O edifício filosófico que lhe compete estruturar a de assentar, sobre uma verdade contra a qual nenhuma dúvida, a mínima que seja, possa pairar. (São Marcos, 1993, p. 77)

Em suas regras, chama-nos a atenção sobre a precipitação e a prevenção, dois graves erros que cometemos na busca do conhecimento. A precipitação é a tendência de julgar mais rápido do que o recomendável; a prevenção, a tendência a evitar a responsabilidade de um juízo, seguindo uma opinião pré-fabricada. Toma, assim, a resolução de se desfazer de todas as opiniões que recebera até então. Faz tábua rasa e começa o seu labor para conhecer a verdade das coisas.

11. "PENSO, LOGO, EXISTO"

Seu método inclui a dúvida metódica. Como se explica? Parte do conhecimento centrado em si mesmo. Dizia: “Cogito ergo sum”, penso, logo existo. Mas o cogito, ao evidenciar a existência de quem pensa, permite estabelecer o seguinte raciocínio: se eu existo, sei que sou finito. Porém, a idéia do finito implica ao mesmo tempo a do infinito. Para Descartes, o infinito é Deus. Descobre Deus pela sua própria razão e não vindo de fora como o Deus de Platão e dos escolásticos.

Minha existência como sujeito pensante não é somente a primeira verdade e a primeira certeza: é também o protótipo de toda verdade e de toda certeza. Tudo quanto eu perceber com a mesma evidência com que percebi que sou um sujeito pensante será verdadeira e, portanto, poderei afirmá-lo com certeza inquestionável. 

12. CONCLUSÃO

Em suas lucubrações filosóficas, diz que o pior precipitado não é aquele que erra dizendo "isso é falso"; é o que erra dizendo "isso é verdadeiro". Afirma que há apenas um instrumento para resgatar as verdades que porventura tenham sido rejeitadas inicialmente: são as evidências. Em seu modo de ver as coisas, achava que somos livres para aceitar o falso, para errar. Podemos, ainda, impor os nossos erros aos outros, bastando termos força ou engenho suficientes para isso.

13. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

JERPHAGNON, L. Dicionário das Grandes Filosofias. Lisboa, Edições 70, 1982.

SÃO MARCOS, M. P. Noções de História da Filosofia. São Paulo, FEESP, 1993.

TEMÁTICA BARSA (Filosofia). Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. 

São Paulo, maio de 2013.



Temática Barsa Filosofia

No século XVII tem início com Descartes o que se conhece pelo nome de "racionalismo", e que será desenvolvido até as últimas consequências por Spinoza e Leibniz. O racionalismo deve ser entendido de duas maneiras: como posição epistemológica, a partir da qual se afirma que a razão é a única fonte de conhecimento; e como posição metafórica na qual se sustenta que o real é racional. Dessa maneira, o racionalismo configura uma orientação diferente da do empirismo, que põe a ênfase no conhecimento a partir da experiência. As duas orientações, a racionalista e a empirista, convergirão mais tarde na filosofia de Kant. Partindo desses pressupostos, Descartes elabora o primeiro grande sistema filosófico da idade moderna; um sistema para o qual confluem suscetivamente as conquistas do humanismo renascentista e os avanços produzidos na ciência moderna, que influenciará decisivamente a evolução posterior do pensamento ocidental.  

O Conhecimento a Partir da Razão

Do ponto de vista epistemológico, são duas as afirmações fundamentais do racionalismo: em primeiro lugar, que nosso conhecimento da realidade pode ser construído dedutivamente a partir de certas ideias e princípios evidentes (segundo o ideal dedutivo da ciência moderna); e, em segundo lugar, que essas ideias e princípios são inatos à razão, que os possui em si mesma, à margem de toda experiência possível.  

A razão, portanto, é plenamente auto-suficiente na obtenção do conhecimento sobre a realidade. É verdade que os sentidos nos fornecem informação, mas essa é confusa e geralmente incerta. Entretanto, uma vez que o ser humano pode contar com a razão para conhecer o mundo, é preciso assegurar-se de que a razão funciona corretamente, se queremos ter garantias sobre o que consideramos verdadeiro e, portanto, real. 

As Matemáticas como Modelo

O ponto de vista de Descartes é formado pelas matemáticas, que ele toma como modelo ou paradigma de suas investigações filosóficas e do conhecimento em geral. 

Para o racionalismo, as diferentes ciências são apenas manifestações de um saber único: a razão humana é única e tem um único modo de proceder, embora se aplique a objetos diferentes. É nas matemáticas que a razão encontra um campo próprio, um terreno em que não se deve submeter a nada além de sua própria lei, sua maneira própria e natural de proceder.

Em primeiro lugar, na ciência matemática a razão, com todo o direito, é plenamente auto-suficiente. As proposições matemáticas não dependem da experiência, são "verdades da razão", e isto quer dizer que possuem uma validade universal e absoluta. Um triângulo, por exemplo, sempre terá três lados, e isto, em nenhum momento poderá ser desmentido pela experiência. Devido a essa auto-suficiência, a razão nas matemáticas só aceita como verdadeiro o que se apresenta a ela com clareza. A clareza e a simplicidade das matemáticas se convertem naquilo a que aspiram todas as outras ciências. Finalmente, as matemáticas mostram que a razão procede dedutivamente, deriva novas ideias a partir de primeiros princípios evidentes. 

É preciso tornar explícito como a razão procede nas matemáticas e extrair daí um método que as outras ciências possam seguir com facilidade, e alcançar assim o verdadeiro conhecimento em seu campo correspondente. 

A Intuição e a Dedução

Descartes distingue duas operações básicas da razão: a intuição e a dedução. A intuição é definida como "a concepção de um espírito puro e atento, tão fácil e tão diferenciada que não resta nenhuma dúvida sobre o que compreendemos". Por meio da intuição captamos de forma simples e imediata evidências como a de que pensamos (aqui tem origem o cogito), ou a de que o triângulo tem três lados. Essas evidências são as chamadas naturezas simples, os primeiros princípios a partir dos quais se desdobra o resto do conhecimento. 

A dedução "é a operação por meio da qual se infere uma coisa de outra", e é, na verdade, uma intuição continuada (que não necessita de uma evidência presente), porquanto é a "conclusão necessária de outras conhecidas com certeza, obtida por meio de um movimento contínuo e sem interrupção do pensamento, que tem uma intuição clara de cada coisa". De fato, entre umas naturezas simples e outras aparecem ligações que a razão descobre e percorre por meio da dedução. 

As Regras do Método

Uma vez conhecida a dinâmica específica da razão é possível fixar as regras do método. Descartes assegura que segundo tais regras, qualquer mente medíocre pode chegar tão longe quanto seja possível no conhecimento das coisas, tamanhos são seu otimismo e sua confiança no poder da razão. 

As regras do método como ele as expõe em seu Discurso do Método (1637), são:

1) Julgar sempre de acordo com a evidência. A evidência se dá unicamente na intuição e essa se manifesta com os sinais do claro e do diferenciado. Só devemos aceitar como verdadeiras aquelas ideias que se apresentam de tal maneira à razão que essa tem de aceitá-las como verdadeiras. Ao formular essa primeira regra, Descartes introduz um novo conceito de verdade: ela já não consiste na adequação do pensamento à realidade (conceito escolástico de verdade), mas é propriedade das ideias em si mesmas. 

2) Análise, que consiste em "dividir cada uma das dificuldades que se examinem em tantas partes quantas forem possíveis  e em quantas exigir uma melhor solução". Trata-se de chegar às naturezas simples, já que só no simples é possível verificar se se cumpre o requisito da evidência. 

3) Síntese, que é a reconstrução dedutiva do complexo a partir do simples. Começar "pelos objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer, para ir-se elevando pouco a pouco, como que por gradações, até o conhecimento dos mais compostos". O conhecimento do complexo assim obtido tem garantia de ser verdadeiro, na medida em que houve uma cadeia de intuições - portanto, de evidências -, que é aquilo em que a dedução propriamente consiste. 

4) Enumeração. Para garantir a conexão global do processo, é preciso "fazer em tudo enumerações tão complexas e revisões tão gerais que estaremos seguros de não omitir nada". Descartes exige que se façam verificações frequentes da análise e revisões do processo sintético, de tal modo que se possa abarcar todo o conjunto de um só golpe de vista (as cadeias dedutivas podem ser muito longas) e se possa ter dele uma completa evidência intuitiva. 

A Dúvida Metódica

A dúvida, tal como Descartes a concebe, traz consigo a exigência de encontrar um ponto de partida absoluto: uma ideia, a mais simples de todas, uma ideia absolutamente indubitável e, por isso, absolutamente certa, sobre a qual fundamentar todo o edifício do saber. 

Na busca dessa ideia, Descartes escolhe o caminho da dúvida: duvidar de tudo para ver se resta algo que resista a toda dúvida, algo absolutamente indubitável. Descartes não é um cético em nenhum momento, simplesmente, se serve da dúvida como procedimento para atingir a verdade. Por isso sua dúvida é apenas uma dúvida metódica. A dúvida metódica se aplica a todas as crenças, a todo conhecimento considerado verdadeiro. Não devemos aceitar nada que nossa razão não tenha considerado por si mesma para além de toda tradição ou autoridade, e toda aquela ideia sobre a qual exista um mínimo motivo de dúvida será como falsa. A dúvida segue alguns passos. 

Em primeiro lugar, a informação que se origina nos sentidos. Esses oferecem os motivos mais óbvios para se duvidar: os sentidos já enganaram a todos nós em alguma ocasião. Não é preciso supor que os sentidos nos enganem sempre: basta que o tenham feito uma vez para que não possamos fundamentar sobre eles nosso conhecimento. 

Em segundo lugar, também é possível duvidar tanto da existência do mundo quanto de nossa própria existência corporal, diante da impossibilidade de distinguir com certeza a vigília do sonho. Alguma vez já nos aconteceu de considerar real aquilo que depois mostrou ser apenas um sonho.

A impossibilidade de distinguir a vigília do sonho, no entanto - e esse é o terceiro momento da dúvida -, não parece afetar determinadas verdades, como as matemáticas: adormecidos ou acordados, dois mais três sempre são cinco e os três lados de um triângulo sempre somam 180 graus. Descartes introduz nesse ponto o mais radical motivo da dúvida: talvez exista um gênio maligno que me faça crer em verdades que não o são realmente. O que ele está abordando com isso é a dúvida sobre a possibilidade de que a razão se converta no critério suficiente para estabelecer a verdade: talvez a razão seja de tal natureza que se equivoca necessariamente quando pensa conhecer a verdade. 

"Penso, Logo, Existo"

A dúvida metódica parece nos aproximar de um ceticismo radical: se não posso encontrar certeza nas ideias que se originam nos sentidos, nem tampouco, e mais dramaticamente, nas ideias que se originam na razão, talvez a única certeza possível seja a de que não existe certeza no conhecimento. Descartes nos faz ver que existe, sim, uma verdade absoluta, uma ideia da qual não é possível duvidar, e que não é uma certeza negativa: a existência do próprio sujeito que pensa e duvida. Em todo esse processo de dúvida, existe algo de que não cabe duvidar, e é o fato de que estou duvidando. Se duvido, é porque penso, e se penso é porque sou. Descartes expressa isso com o seu célebre Penso, logo existo (Cogito, ergo sum). Se eu penso que o mundo existe, talvez me equivoque quanto à existência do mundo, mas não cabe erro possível quanto ao fato de que eu penso isso. A certeza absolutamente indubitável para cada sujeito é a de que ele pensa e, portanto, tem ideias, ainda que suas ideias talvez sejam falsas. A primeira verdade não repousa nos objetos, chamam-se esta matéria ou mundo, mas no ato mesmo de pensá-los. 

Minha existência como sujeito pensante não é somente a primeira verdade e a primeira certeza: é também o protótipo de toda verdade e de toda certeza. Tudo quanto eu perceber com a mesma evidência com que percebi que sou um sujeito pensante será verdadeira e, portanto, poderei afirmá-lo com certeza inquestionável. 

O Cartesianismo

O cartesianismo - de Cartesius, nome latinizado de Descartes - encontrou de imediato numerosos seguidores, a ponto de se impor na Europa continental frente ao empirismo dos britânicos. Um dos mais importantes desenvolvimentos das ideias cartesianas se encontra no ocasionalismo, cujo o mais destacado representante é o francês Nicolau de Malebranche (1638-1715).

O ocasionalismo pretende superar as dificuldades que o dualismo cartesiano coloca, quer dizer, a relação entre substância pensante e substância extensa, entre alma e corpo. Trata-se de uma relação recíproca? Ou, para dizer em termos atuais, como se explica a unidade psicofísica do ser humano? 

Malebranche afirma que a relação entre alma e corpo não é recíproca, mas ocasional, no sentido de que é uma relação que dá à causa eficiente (Deus) a ocasião de atuar. Pretende superar o dualismo de seu mestre, afirmando que o conteúdo do pensamento, ou seja, das ideias claras e diferenciadas, é Deus. O que o homem conhece não é o mundo, mas o mundo refletido em Deus. Tudo o que é objeto do pensamento - a substância extensa - pertence de fato à realidade divina. Mas essa é uma tese que será desenvolvida vigorosamente por Spinoza até chegar a um monismo panteísta como superação do dualismo cartesiano. (1)

(1) TEMÁTICA BARSA (Filosofia). Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. 

Pensamentos

"Quando se quer muito saber das coisas que se praticavam nos séculos passados, geralmente acaba-se por ignorar em grande medida as que se praticam no atual."  (R. Descartes) 

"O que sou, afinal? Uma coisa que pensa. E o que é uma coisa que pensa?" (R. Descartes) 

"Tomei a decisão de fingir que todas as coisas que até então haviam entrado em minha mente não eram mais verdadeiras do que as ilusões dos meus sonhos." (R. Descartes) 

"E muitas vezes as coisas que me pareceram verdadeiras quando comecei a concebê-las tornaram-se falsas quando quis colocá-las sobre o papel." (R. Descartes)