- Os Paços do Concelho e os passos que a Câmara deu

Até ao ano de 1931 o edifício da Câmara conservou a sua traça primitiva, com o fosso onde estavam situadas as oito bicas que forneciam os aguadeiros que vendiam água pela cidade, em cântaros.

O acesso era feito por dois lanços de escadas, um de cada lado, e toda a fachada estava protegida por gradeamento de ferro.

No mesmo ano de 1931 a Câmara procedeu ao aterro do fosso das bicas, retirou o gradeamento e elevou o nível do pavimento da Praça Gil Eanes criando o inconveniente das soleiras das portas ficarem vulneráveis às cheias dessa linha de água que foi a Ribeira das Naus, hoje Rua Garrett. Actualmente continua a verificar-se fenómeno idêntico quando ocorrem chuvadas mais intensas.

As alterações introduzidas coincidiram com o fornecimento, ao domicílio, de água canalizada, e com a construção de várias casinhas semelhantes à que ainda hoje existe na Praça d’Armas.

Na madrugada de 28 de fevereiro de 1969 um tremor de terra abalou toda a cidade fazendo-se sentir muitos quilómetros em redor. Uma vez mais o edifício da Câmara sofreu avultados prejuízos, e de tal monta que o juiz da comarca mandou transferir o tribunal, que aí funcionava, para a Casa da Justiça embora esta ainda não estivesse concluída, receando danos para os funcionários e evidenciando a falta de condições resultante da avaria provocada pelo sismo.

Face aos prejuízos, quer os sofridos por particulares, quer no edifício da Câmara, o estado oficiou a autarquia inquirindo acerca da avaliação dos prejuízos municipais. Em resposta a Câmara respondeu que perante os prejuízos sofridos já estavam perspectivando a construção dum novo edifício. E tudo ficou por aqui. Perdeu-se, assim, uma boa oportunidade de proceder à reparação condigna do edifício, uma vez que o Governo estava disposto a suportar os custos da obra, tal como fez com muitos particulares.

Muitos anos depois do sismo de 1969, por volta de 1982, foi iniciada a reparação do edifício dos Paços do concelho que, fatalmente, tinha que se verificar. Os serviços foram transferidos para o Quartel de Santa Bárbara, que estava desactivado, por deferência muito digna do Ministério do Exército.

No retorno ao edifício dos Paços do Concelho, já reparado, verificou-se um caso singular que constituiu um verdadeiro atentado contra o património histórico-cultural da cidade de Lagos. Um Vereador, segundo se pensa de moto próprio e à revelia da Câmara, ordenou que fosse carregada, em viaturas da autarquia, toda a documentação do arquivo municipal e, despejada no local onde se situa hoje a praça de toiros, totalmente queimada. O fogo, pavoroso, foi tão intenso que derreteu uns vidros de umas iluminárias que em dias de festa se colocavam nas janelas do edifício da Câmara.

por José Carlos Vasques

Dos antigos edifícios dos Paços do Concelho pouco ou nada se sabe acerca da sua localização, encontra-se somente uma referência na Monografia de Lagos "Em 1490 Soeiro da Costa procurador às Cortes de Évora requereu, em nome do povo, diversas providências a respeito da finta que este pagava para a conclusão dos Paços do Concelho."

Antes de ocupar o edifício actual, os Paços do concelho situavam-se na, hoje, Praça do Infante, em frente à igreja de Santa Maria da Misericórdia, e do Pelourinho.

Segundo a obra "A Cidade e o Termo de Lagos no Tempo dos Filipes", de Fernando Cecílio Calapez Corrêa: "O pelourinho elevava-se no meio do cais. Desse local foi mudado para a Praça ou Ribeira dos Touros, em 18 de Março de 1752 por ordem do então Governador Capitão-General D. Afonso de Noronha". Parece que derruiu em 1755 devido ao terrível terramoto de 1 de Novembro.

Esse edifício onde funcionavam os Paços do Concelho possuía a torre do relógio e um subterrâneo que servia de masmorras. A construção deste edifício é atribuída a D. Nuno da Cunha Athaíde que, como Governador do Algarve, mandou erigir em Lagos as casas da Câmara. Presume-se ter sido entre 1653 e 1655 quando este Conde de Pontevel foi provedor da Misericórdia de Lagos.

Com o terramoto de 1755 uma parte de Lagos transformou-se num amontoado de ruínas que incluiu o edifício dos Paços do Concelho e o núcleo religioso contíguo.

A Praça do Município foi aterrada com os escombros das casas derrubadas, atingindo o aterro cerca de meio metro de altura. Aterrado foi também o poço que aí existia para abastecimento do povo e para serviço do pessoal do Armazém da Praça. Esse poço que estava situado metade para o exterior e metade para o interior do dito armazém tinha, por cima, na parede, a assinatura do Conde de Avintes, esculpida em pedra.

Após o cataclismo a Câmara passou a reunir-se em casas alugadas e terá ocupado, segundo a tradição oral, uma casa no cimo da Rua Augusta (actual Rua Cândido dos Reis).

Muitos anos após o terramoto a autarquia deu início à construção de um novo edifício no anterior local que ocupara, em terreno que lhe pertencia. Porém, até à construção do actual edifício, que ocupa, a Câmara passou por muitas vicissitudes com várias promessas não cumpridas de permeio, conforme refere a "Monografia de Lagos" de Manuel João Paulo Rocha:

- "Em sessão Municipal de 1 de Julho de 1796 foi presente um ofício do Conde de Vale de Rei no qual em nome de Sua Magestade oferecia um relógio para a cidade de Lagos com obrigação da Câmara desistir dos direitos que tinha sobre o terreno onde estavam edificando o hospital militar. A oferta foi aceite, mas vê-se da escrituração da Câmara que não foi enviado o relógio prometido"

- "Não foi enviado o relógio mas ainda D. Maria chegou a enviar o sino para ele, o qual, está na actual torre do relógio de Santa Maria".

- "D. João por graça de Deus e da constituição da Monarquia, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, d’aquém e d’além mar em África, etc, faço saber a vós vereadores da Câmara da cidade de Lagos, que, em consulta do Conselho da Fazenda de 17 de Janeiro do corrente ano se lhe fez presente a vossa representação em que expunheis que pelo terramoto de 1755 foram destruídas as casas próprias da Câmara em cujo terreno se achava hoje edificado o hospital militar por se haver cedido à fazenda pública nacional o mesmo terreno; que em 1798 se tinha principiado umas casas para a Câmara, as quais se achavam somente em meias paredes por falta de rendimento para as concluir em 1820, e que estando sempre em casa de aluguer, o presidente, que era conjuntamente juiz d’alfandega, destinara para as sessões da Câmara a casa da alfandega . (.....) que os vereadores, na próxima passada Câmara tinham um oficio do superintendente das alfandegas em data de 25 de Setembro de 1822 para deixarem livre e desembaraçada a sala em que faziam as suas sessões."

Lagos perdeu, desta forma ignóbil, todo o seu património documental municipal constituído, em parte, pelo que se conseguira salvar do terramoto de 1775, os registos referentes à ocupação das tropas de Napoleão e à guerra entre liberais e miguelistas e os mais recentes, até 1960. Uns pouquíssimos documentos recuperados por testemunhas deste acto tresloucado, e que tinham caído das viaturas durante o transporte, atestam o elevado valor da documentação perdida. Hoje encontram-se à guarda do Museu Regional de Lagos.

O património documental de Lagos foi vítima de várias desgraças, umas por causas naturais, outras pela prepotência ou torpe ignorância de (ir)responsáveis. Em 1808 um incêndio destruiu grande parte da documentação, quando a Câmara estava instalada em casa de aluguer, embora não saibamos o local exacto. Outro incêndio teve lugar já no actual edifício dos Paços, em 1884, tendo o fogo consumido muitos papéis antigos.

O edifício da Câmara, depois de reparado, foi destinado para funções de apoio cultural, turístico, reuniões da Câmara e de cerimónias solenes e outras funções representativas.

Conforme já foi dito o edifício da Câmara foi implantado em 1832, em parte sobre o que tinha sido a Porta de S. Roque e, ainda, sobre uma parcela da muralha, ficando com as traseiras voltadas para o mar, que vinha bater nas suas paredes. E assim se manteve até 1960, até à construção da Avenida dos Descobrimentos. Das suas janelas dominava-se uma belíssima panorâmica que incluía o estuário da ribeira de Bensafrim, a Praia de S. Roque, a Meia Praia, a Estação da C.P., a baía, etc. Hoje, com grandes construções no seu horizonte a panorâmica vai ficando comprometida.

A sua fachada principal, voltada para a Praça Gil Eanes - que foi um centro histórico mas hoje já não é devido à edificação dos prédios em seu redor que, assim, lhe negam esse direito -, segundo se afirma, manteve as linhas primitivas identificadoras de um período ou estilo de transição do séc. XVIII para o séc. XIX.

O edifício, que hoje ostenta uma tabuleta "PAÇOS DO CONCELHO – CÂMARA MUNICIPAL DE LAGOS", foi outrora um pólo (como agora se diz) de organismos oficiais. Aí funcionaram a Repartição e Tesouraria de Finanças, o Tribunal, a Administração do Concelho, uma Esquadra de Polícia, e até um laboratório de análises ao leite. Desta forma se simplificava a vida a quem necessitasse de tratar vários assuntos nas diversas repartições, com o Registo Civil e Predial bem perto. O Cartório Notarial é que esteve sempre noutro local.

Mais não é possível dizer sem recurso ao acesso a elementos que dependem de autorização da Câmara, privilégio de outros.

- " Em 8 de Janeiro de 1836 pediu a Câmara Municipal de Lagos ao administrador do Hospital Militar que cedesse duas salas do mesmo hospital para as audiências gerais; o administrador recusou-as com o fundamento de pertencerem à intendência das obras militares."

- " A Porta de São Roque que ficava onde hoje se situa os Paços do Concelho e foi tapada no dia 24 de Abril de 1832."

Por tudo quanto está escrito se deduz que a data gravada na verga de pedra da porta principal do actual edifício dos Paços do Concelho - 1798 – não corresponde à data da construção desse edifício. Presume-se que as cantarias da porta principal tenham sido inicialmente destinadas ao edifício localizado na Praça do Pelourinho, hoje Praça do Infante, visto que em 1836, conforme está esclarecido, o edifício da Câmara não estava ainda construído e, portanto, a data esculpida na porta não pode corresponder à idade deste imóvel.