- Uma Necrópole Tardo-Romana no Centro Histórico de Lagos

Uma Necrópole Tardo-Romana

no Centro Histórico de Lagos

- intervenção na Rua Marreiros Neto n.ºs 47/49 e Rua da Oliveira n.º 43 -

pelos Arqueólogos: Luís Duque, Elena Morán, Iola Filipe, Pedro Almeida

A intervenção, no prédio das Ruas Marreiros Neto e Oliveira, insere-se no âmbito do projecto de levantamento e estudo do património desenvolvido pelo Gabinete do Centro Histórico da Câmara Municipal de Lagos.

A construção de um novo prédio com 2 andares no Centro Histórico, implicou inicialmente a abertura de quatro sondagens e respectivo acompanhamento do rebaixamento de cota, onde foram detectados níveis arqueológicos de Época Moderna.

Com a operação de demolição e após o rebaixamento de cota, foi necessário abrir uma vala para a instalação de uma viga para contenção da parede medianeira com o prédio vizinho da Rua da Oliveira, pois não apresentava qualquer alicerce, constituindo uma situação grave de sustentabilidade.

No entanto, a abertura da vala proporcionou a identificação de uma sepultura romana em tegulae. Perante a situação de instabilidade da parede e a importância do achado, foi reunida uma equipa de emergência para o devido registo e levantamento.

A sepultura era constituída por uma cobertura em tegulae, em dupla vertente, que conferia uma forma geométrica prismática de secção triangular. As tegulae encontravam-se fincadas verticalmente no solo em posição oblíqua, amparadas lateralmente por um conjunto de pedras calcárias de média dimensão. O uso de pedras é um pormenor construtivo que conferia maior estabilidade à integridade da sepultura, após o enchimento do seu interior e cobertura com as terras. As dimensões do sepulcro são cerca de 1.80m de comprimento e 0.65m de largura.

O interior da sepultura I encontrava-se praticamente intacto e continha um esqueleto inumado, em decúbito dorsal com os braços colocados sobre o ventre. A orientação do enterramento é oeste/este. As condições de jazida prejudicaram a conservação do conjunto osteológico e condicionaram o seu estudo. Contudo, concluiu-se que o esqueleto corresponde a um indivíduo adulto de idade indeterminada do sexo feminino, sem que se tivessem registado patologias graves.

Associado ao esqueleto encontraram-se duas peças cerâmicas – púcaro e tigela - junto aos membros inferiores e uma terceira peça – vaso para conter líquidos - na zona da cabeceira da sepultura. As três peças são de cerâmica comum.

Numa fase posterior, foi autorizada a demolição da fachada. Destacamos a sondagem 5, onde foi encontrado um novo sepulcro (sepultura II) constituído igualmente por tegulae.

As dimensões visíveis da sepultura II, são cerca de 0.40m de largura e cerca de 0.30m de altura. Desconhece-se o estado de integridade e de conservação do sepulcro. Contudo, constatou-se a presença de um crânio no seu interior. Apesar de serem formalmente semelhantes, a sepultura II apresenta as tegulae fincadas na horizontal, em posição oblíqua, apoiadas sobre uma grande tegula colocada na horizontal, pelo menos na zona da cabeceira, sob o crânio.

No entanto, esta sepultura não foi objecto de intervenção arqueológica mas sim de protecção em relação à instalação do pilar e do betão. Isto porque, apresentava somente a sua cabeceira no perfil, desenvolvendo-se sob da Rua da Oliveira, fora da zona da obra. Para tal efeito, foi colocado geotêxtil no perfil em causa, sobre a sepultura, sendo depois, instalada uma caixa em madeira contra a zona do perfil da sepultura sendo o seu interior colmatado com placas de esferovite tipo roofmate e areia. Só após esta operação, foi possível avançar com a instalação do pilar em causa.

Estamos portanto, na presença de uma necrópole, onde o nível de utilização foi cortado pelos níveis modernos e suas estruturas. Outro aspecto a ter em conta, foi a dificuldade e impossibilidade de obtenção das respectivas fossas de implantação. Para este aspecto terá contribuído a recolocação das terras retiradas na abertura das covas, tornando indistinta qualquer diferença entre as terras retiradas e as de origem.

A cronologia apontada pelo conjunto do espólio cerâmico e tipologia das sepulturas, sugere um período compreendido entre os séculos III / IV (d.C), situando esta necrópole no Período Tardo-Romano.

Os limites da cidade velha possuem uma forma semelhante a um pentágono e o seu interior é formado por três elevações principais: a norte a colina onde hoje se situa a Igreja de São Sebastião; a colina “central”; e a sul a colina onde situou em época moderna, a Igreja de Santa Maria da Graça. Estas elevações são separadas por duas ribeiras actualmente absorvidas pela malha urbana. Assim deste modo, temos a Ribeira das Naus que limita a colina central a norte com a colina de “São Sebastião” e que conflui com a Ribeira de Bensafrim sob actual Praça Gil Eanes. A sul, a Ribeira dos Touros limita a colina central com a colina de “Santa Maria”, confluindo com a Ribeira de Bensafrim, sob a actual Praça do Infante D. Henrique.

Podemos constatar, que a necrópole aqui em causa se situa na colina central no vau da Ribeira das Naus. Apesar de os vestígios romanos serem relativamente raros no centro da cidade, contamos com a presença de um conjunto de cetárias romanas, cujo o abandono se verifica no período tardo-romano. Esta estrutura produtiva situa-se igualmente na colina central, mas no vau da Ribeira dos Touros, a sul. Além disso, registou-se a presença de um forno de produção cerâmica, nas imediações das cetárias, bem como a presença de outros vestígios romanos na zona aqui definida como colina “central”.

A identificação de dois espaços específicos com funcionalidades distintas, na mesma área da cidade, cujas cronologias abarcam o baixo império, reforçam a possibilidade da existência de um aglomerado habitacional, na colina central lacobrigense, no período tardo-romano. A Necrópole das Ruas Marreiros Neto e Oliveira lança portanto, novos dados e possibilidades de discussão sobre a História da evolução urbana da cidade de Lagos, nomeadamente, no Período Romano.