- Menires decorados de Vila do Bispo

por João Velhinho

Menires Decorados de Vila do Bispo

- Um Apontamento -

(Excerto de um dos capítulos do livro "Repensar a História de Vila do Bispo", do autor)

Vestígios de um passado que importa preservar, os Menires do concelho de Vila do Bispo são uma herança cultural da Pré-História.

Originalmente erectos, os arqueólogos hoje em dia dividem-se quanto à sua função. Se há quem defenda que foram objectos de culto ligados a rituais de fertilidade, outros há, que os consideram marcos de posse de um território nas comunidades Neolíticas.

Outras funções tais como: - a) sinais de orientação na paisagem (para um grupo de menires que formam um alinhamento); - b) observatórios astrais (para um grupo de menires que formam um cromelech); - c) uma função simbólica "axis mundi" (eixo do mundo) "... centro de referência do espaço habitado...por oposição ao espaço desconhecido..." são também defendidas.

"...Um menir é um monumento constituído por um monólito, mais ou menos oblongo, cravado verticalmente no solo e com dimensões muito variáveis. A matéria prima no que diz respeito aos menires portugueses, é constituída exclusivamente por granitos ou rochas granitóides, excepto os do Algarve, nos quais foram sistematicamente utilizados os calcários ou o grés..."

Manuel Calado 1

A carência de testemunhos arqueológicos associados aos menires e a falta de um trabalho intensivo de prospecção arqueológica têm dificultado a sua datação.

Se, pela relação encontrada entre menires e vestígios arqueológicos de povoados do Neolítico-final / Calcolítico inicial (por exemplo em Caramujeira / Lagoa), foram inicialmente datados do IV /III milénios a.C. Esta tese tem vindo a diluir-se 2, discutindo-se presentemente uma nova cronologia.

Sobre o assunto registe-se duas opiniões: - a) - "...A obtenção recente de uma data de 14 C, a partir de materiais (conchas) associados a um menir algarvio (Gomes, 1991) veio reforçar os argumentos a favor de uma antiguidade relativa dos menires dentro do fenómeno megalítico em geral, posição que temos ultimamente vindo a defender...(M. Calado, 1990)... "; b) - "... a ordenação coerente dos arqueofactos e a utililização de correlações estatísticas entre varíaveis lógicas indiciam que os monólitos decorados do extremo SW devem ser datados entre finais do VI milénio a.C. e a primeira metade do V milénio a.C. ..." (David Calado 2000).

Desde os finais do século XIX que o pioneiro da Arqueologia no Algarve, Estácio da Veiga comentou da necessidade do estudo e catalogação dos numerosos menires que, à época, constavam existir em todo Reino. Em 1987, um esforço nesse sentido foi feito pelos arqueólogos M. Varela Gomes e Carlos T. Silva com a publicação do " Levantamento Arqueológico do Algarve - Concelho de Vila do Bispo".

Com uma concentração de cerca de 121 menires no concelho de Vila do Bispo, segundo o último trabalho de M. V. Gomes (1991), sabe-se actualmente, fruto de novas prospecções, que este número andará muito próximo aos 300 exemplares.

Os menires possuem formas que podem ser descritas de um modo geral como: - (sub) Cilíndricas, (sub) Cónicas, Ovóides ou simples pedras erectas. São constituídos, na sua maioria, por calcário, ou ocasionalmente por grés (3 exemplares conhecidos na região).

Em Vila do Bispo, os menires que apresentam decorações, são fálicos. Forma a que a pedra erecta só por si dá ênfase. Exibem de comum um cordão em relevo que circunda o topo do menir - que por vezes é duplo - e que é descrito por alguns autores como : - " cintura fálica ".

Sobre a pedra erecta com representação fálica ocorrem quatro outros tipos de decoração em relevo que se distribuem: - A) - verticalmente ao longo do menir, entre o cordão em relevo da cintura fálica e a base; ou B) - caso específico das semi-elipses, em que a distribuição se organiza à volta do cordão da representação fálica. Estas decorações exibem padrões que se repetem noutros menires, apresentando por vezes ligeiras variantes3 . Podem ser ordenadas do seguinte modo:

1) - cadeias de elipses não segmentadas que podem ser: a)- simples (ex. Menir da Figueira, foto: A. 4); b) - duplas (Menir de Raposeira, foto: A.5); c)- separadas nos extremos do eixo maior (Menir da Figueira, foto: A.3).

2) - cadeias de elipses segmentadas que podem ser: a)- simples (ex. Menir do Padrão/Raposeira, foto: A.6). Como variantes são conhecidas elipses segmentadas cujo eixo maior é extremamente alongado (Alto das Barradas/Serra da Borges, foto: A.7) ou "elipses" segmentadas muito próximas ao círculo (Altos da Raposeira, foto: A.8).

3) - semi-elipses à volta dum cordão no topo do menir que podem: a) - contornar todo o cordão em relevo no topo do menir (Padrão 1, foto: A.10); b) - apresentar apenas uma semi-elipse (Norte de Raposeira, foto: A.9).

4) - linhas onduladas que apresentam um número variável de linhas ondeadas (Menir de Padrão/Raposeira, foto: A.11). A representação das linhas onduladas em zig-zag é até à data desconhecida em Vila do Bispo.

Até há pouco tempo tinha-se como uma certeza que em Vila do Bispo cada pedra erecta decorada, para além do cordão circular no topo do menir (correspondente à representação da glande fálica), era apenas decorado com outro motivo simbólico.

Actualmente, fruto de novas prospecções arqueológicas, verificou-se que o fragmento de menir da Pedra Escorregadia - Horta do Garcia-Vila do Bispo revela simultaneamente dois tipos de decorações distintas: uma cadeia de elipses não segmentada (simples) e uma cadeia de elipses não segmentada dupla. O que, nesta fase do conhecimento, em vez de vir confirmar teorias anteriormente estabelecidas, vem lançar novas interrogações.

O Menir da Pedra Escorregadia - Vila do Bispo parece estar inserido num grupo vasto e diferenciado de decorações, que circundam os cromeleques no Monte dos Amantes e fazer parte da sacralidade do lugar durante o Neolítico. Sacralidade que se prolongou nos tempos e deu lugar, na Idade Média, ao centro de peregrinações moçárabes às relíquias de S. Vicente, na Igreja do Corvo, localizado na vizinhança do Monte dos Amantes em Currais da Granja - Granja , onde, nas imediações, o topónimo Mesa da Marinha faz referência à existência anterior de um dolmén cristianizado na região e espaço geográfico, onde alguns menires foram reaproveitados como marcos de propriedade, apresentando inscrições medievais de tipo religioso.

É ainda durante a Idade Média que alguns menires do concelho de Vila do Bispo, como parte integrante da paisagem, são referenciados pelo homem medieval para designar determinados lugares. A toponímia regista os lugares de: Padrão/Raposeira; Padrão/ Figueira; Pedra Branca/Raposeira; Pedralva/ Vila do Bispo; Aspradantas/Raposeira; Pedra Escorregadia/Vila do Bispo.

Elipses Segmentadas - Variante

Através da actualização realizada ao levantamento arqueológico dos monumentos megalíticos em Vila do Bispo, constata-se que a percentagem de menires decorados corresponde a cerca de 25% do total dos menires. Número que é bastante inferior a valores já apontados para outros concelhos algarvios. Em casos específicos como o Monte dos Amantes/Vila do Bispo esta percentagem chega porém aos 31%.

Convém recordar, que estes números não são absolutos, já que se baseiam:

- a) - em menires cujo estado de conservação ronda os 53% de fragmentos, ou seja peças muito mutiladas com menos de metade do menir original.

- B) - que é a face do menir em contacto com o solo, que geralmente se encontra melhor preservada, necessitando de ser exposta para um conhecimento mais exacto do número de decorações existentes, implicando esse trabalho de o auxílio de meios mecânicos (grua) para um estudo mais aprofundado.

Uma outra conclusão do presente trabalho foi verificar que, numa apreciação global, isto é, se não forem consideradas algumas variantes, as decorações nos menires em Vila do Bispo ter-se-ão distribuído de igual forma pelos quatro tipos de decoração aqui convencionados. Não confirmando, na região, a raridade das decorações com: - " ...bandas de ovais adossadas a um cordão que delimita a glande fálica..." (Gomes 1997, p. 161) e constatando-se ainda um ligeiro predomínio das decorações com elipses segmentadas (que pictograficamente fazem recordar um grão de trigo, de cultivo milenar na região), dado que parece não ser significativo, numa primeira abordagem e face a números analisados que se consideram relativos.

1 - Menires, alinhamentos e cromlechs, in História de Portugal – direcção de João Medina – Vol. I , pág. 294 - Ediclube.

2 - Cf. M.V. Gomes 1997 pg.169 : - " ...O retomar recente, do estudo das decorações dos menires de Caramujeira (...) fez-nos reconsiderar as atribuições cronológicas genericamente propostas na década de setenta (...) não excluimos a hipótese de alguns menires serem mais antigos que o Neolítico final, datando, designadamente do Neolítico médio...".

3 - A percentagem das variantes a um tipo predominante de decoração, não ultrapassa em geral os 2% do total dos menires decorados . Número que pode dar noção da raridade das mesmas.

©JoãoVelhinho/CEMAL