"A comunidade de investigação determina condições que evocam o pensar crítico e criativo, e estes pensamentos, por sua vez, aprofundam os objetivos tanto da comunidade quanto dos seus membros."
Matthew LipmanA sala de aula, o recreio exterior, o chão do ginásio ou os simples átrios da escola são ótimos locais para que o diálogo se estabeleça e através dele os alunos questionem, problematizem, investiguem e reflitam sobre uma pergunta ou uma observação.
Em U ou em circulo é mais fácil permitir o diálogo com o visionamento de todos, mas não é obrigatório fazê-lo, apesar de uma investigação se fazer com todos de olhos nos olhos a dialogar.
O professor é um facilitador neste processo dialógico que permite os alunos fazerem um caminho onde se ouvem as ideias (suas e dos outros), onde se debatem pontos de vista (muitas vezes diferentes), onde se discutem ideias e onde o pensamento critico e autónomo é promovido por um momento inicial de instigação à reflexão (um texto, um vídeo ou uma pergunta podem instigar o pensamento e orientar a discussão).
Capaz de ouvir os outros e de desenvolver as suas capacidades reflexivas e argumentativas, a criança que se encontra no diálogo filosófico é capaz não só de expor as suas ideias como ainda mudar de posição quando compreende que a sua não é a melhor.
Saber escutar e dialogar promove a tolerância e a diferença, bem como competências de pensamento crítico e argumentativo que permitem pensar, refletir e questionar.
Auxiliada muitas vezes pela imaginação, a FcC recorre ao desenho, ao role-playing ou à criação de mapas mentais numa aproximação mais assertiva à investigação feita pelas crianças.
As regras são simples:
Pôr sempre o dedo no ar para pedir a palavra;
Escutar quem está a falar (e apenas falar depois de lhe ser dada a palavra);
Ajudar alguém, apenas se lhe for pedida ajuda;
Saber dizer se está a questionar, exemplificar, apresentar uma ideia ou argumentar (a favor ou contra)*.
O questionamento dialogado vai passando de ideia em ideia aprofundando ora através do questionamento (desdobramento das perguntas), ora através da argumentação (capacidade de arguir a favor ou contra apresentando justificações plausíveis para tal). O professor enquanto orientador resiste à tentação de moralizar uma vez que importante é que cada criança faça, com a ajuda da comunidade de investigação, o seu caminho na distinção entre o certo e o errado. Em filosofia não há respostas certas nem erradas e às vezes até nem há respostas. A arte de questionar e o diálogo em torno das questões são a essência dessa metodologia que ao bom jeito de Sócrates permite a cada um reconhecer a sua própria ignorância acerca do assunto que debate mantendo-se a caminho nessa busca incessante por querer saber mais.
Em "A Máquina dos ses" de Perter Worley (p.38-59) são várias as estratégias que nos são indicadas para trabalhar o diálogo filosófico em comunidade de investigação. Dependendo das situações resultantes do diálogo, o orientador deverá estar atento para utilizar a estratégia que mais se adeque. Por vezes uma estratégia parece bem desenhada teoricamente e chegados à comunidade de investigação ela tem de sofrer alterações. Para que o orientador da discussão não seja surpreendido, aqui fica uma listagem das técnicas enunciadas pelo autor:
Ancoragem: "Ancore as crianças, fazendo-as regressar a uma ideia ou questão" (p. 39).
Mapas conceptuais são úteis para orientar as crianças na discussão ou para registar ideias.
O discordante imaginário é o método do diálogo silencioso que incentiva as crianças a adotarem este método por si mesmas, eliminando a necessidade de outrem apresentar um ponto de vista que questione as suas ideias.
O que é necessário e o que é suficiente? (a distinção entre condições necessárias e condições suficientes é fundamental num diálogo de análise abrangente. Afinal a realidade não é a preto e branco 😉).
Falsificação e contraexemplos são utilizadas para mostrar a nem sempre a perspetiva de que comungamos é a única, uma vez que tendemos a procurar confirmar como sendo verdadeiro aquilo que pensamos. É importante procurar exemplos que refutem as nossas ideias e que permitam abrir novas perspetivas.
Quebrar o círculo (por vezes um conceito chave é o ideal para iniciar um diálogo orientando as crianças para iniciarem a sua resposta por "É").
"Se o facto" e "Se a ideia" (a utilização da possibilidade permite a ancoragem a um pensamento, mesmo que imaginário).
Identifique e questione pressupostos; uma vez que se os pressupostos forem injustificados ou mesmo falsos lançam por terra todo o argumento que se baseie neles. Utilize, por isso, um mapa conceptual para que as crianças identifique os pressupostos.
Âncora revisitada: remover conceitos reintroduzidos (p.ex. "Mas e se isso acontecer" - por muito improvável que seja).
Jogo de conceitos facilitam um debate de forma conceptual.
Escolhas múltiplas: será útil para manter o foco, mas é preciso ter cuidado a sua utilização pois pode diminuir a autonomia das crianças durante a investigação. É útil para circunscrever o debate a um campo específico do saber filosófico.
Dissolver dicotomias: os debates tendem muitas vezes a tornar-se dicotómicos sendo importante introduzir um terceiro termo no processo de pensamento.
Discussões iniciadoras podem ser feitas antes da introdução de uma ideia filosófica ou de uma ideia que se considere de difícil perceção. uma vez que as discussões iniciadoras ajudam a contextualizar as ideias difíceis ou abstratas e também a tornar as ideias mais acessíveis a mais crianças.
Segunda fase de estímulo: revelar controvérsias: depois de uma primeira fase de estímulo versus reação ao estímulo, usar essa mesma reação como estímulo adicional para a investigação permite revelar controvérsias e, por isso, diversas posições face a uma pergunta de trabalho e explorar diferentes alternativas face a um mesmo assunto alargando o pensamento crítico das crianças.
Introduzir tensão é uma técnica intimamente relacionada com revelar controvérsias, mas não fazendo parte da discussão sendo uma técnica utilizada em qualquer altura como forma de envolver criticamente as crianças nas ideias umas das outras.
Teste as implicações ou devolva as implicações de uma ideia a uma criança para que esta as considere (pode formular-se um argumento).
Abrir perguntas fechadas é um método utilizado para abrir perguntas dirigidas (que são importantes e úteis quando pretende dirigir as respostas para uma área específica) evitando a dispersão muitas vezes trazida por perguntas abertas que são muito abrangentes e levam muitas vezes a uma dispersão no diálogo com crianças pequenas.
Ou-ou-se é uma estratégia relacionada com se o facto / ideia que recorre a outra operação lógica (disjuntiva - que assume a forma de "ou A ou B") para além da condicional (que assume a forma "Se...então...") tornando-se num pensamento hipotético mais sofisticado.
Rede de compreensão é utilizada quando os alunos não percebem a ideia que o professor pretende transmitir; deste modo deverá pôr os alunos a explicar as ideias uns aos outros, pedindo inicialmente a alguém que tenha percebido para explicar pelas suas palavras.
Adotar «vozes» é uma estratégia utilizada para pôr um filósofo ou uma personagem a falar para tentar persuadir as crianças de uma ideia específica e envolvê-las na argumentação, uma vez que será importante que o facilitador (o professor) não exprima a sua opinião nas sessões nem questione pessoalmente as crianças.
Vias de pensamento e detetores de respostas são formas de elevar a discussão a um patamar mais elevado de profundidade pedindo, por exemplo, que só levantem a mão os alunos que tiverem algo a dizer sobre o último aspeto ou pedir que usem sinais distintos conforme o tipo de comentário que querem fazer (por exemplo: mão aberta para uma nova ideia, dedo no ar para resposta a uma ideia anterior) o que exige às crianças uma classificação dos seus próprios contributos (pode ser indicada como uma das regras iniciais)
Sine qua non: a essência de uma coisa (Sine qua non é a preposição latina que designa "sem o qual não") é uma estratégia que nos direciona para o essencial ou para aquilo sem o qual uma determinada coisa não pode ser ela mesma ou um determinado conceito não pode prescindir.
Compartilhar e criticar a ideia é uma estratégia que convida a criança a desenvolver o pensamento critico sobre a sua própria ideia questionando e procurando perceber as razões pelas quais ela é correta ou não.
Transitar entre o concreto e o abstrato: Hokey kokey pretende ajudar as crianças a transitarem entre o abstrato e o concreto (sendo ambos importantes na investigação filosófica). Worley sugere uma estratégia simples de aplicação deste método ("Hokey Cokey" ou "Hokey Pokey" como na canção infantil) - 1) "Dentro" - faça uma pergunta concreta (p.ex. O escorpião mentiu?); 2) "Fora" - faça uma pergunta socrática abstrata (p.ex. O que é a mentira?); 3) Dentro / fora: relacione a pergunta abstrata com a concreta usando a estratégia "Se X é... (complete com o que foi dito na resposta a 2)), então ... (complete com a pergunta concreta)...?, por exemplo, "Se a mentira é dizer o que não é verdade, então o escorpião mentiu?"; 4) "Abane tudo" - reconsidere ou avalie a resposta dada à luz de quaisquer implicações que se sigam de 1-3, depois o aluno pode rever ou rejeitar o que disse inicialmente. Steven Campbell Harris sugeriu uma variante deste método invertendo o Dentro / Fora por Fora / Dentro para no último passo convidar os alunos a reconsiderarem ou reavaliarem a resposta dada à luz das indicações de 1-3. (p. 57, 58)
«O mundo sem» é uma proposta de experiência mental que utiliza variáveis conceptuais para ver como isso afeta o pensamento e os valores acerca de uma determinada situação. A melhor forma é a de utilizar o pensamento hipotético pedindo aos pensadores uq e considerem as seguintes perguntas: "Como seria o mundo com X?" e "Como seria o mundo sem X?". Aplicável a vários e diferentes contextos educativos, "certifique-se de que a leva (sempre) consigo!"🧐 (p.59).