Carta 32

É do senhor de todos deste tempo que devo falar com toda a força do meu pesar. Pois quem a ele não se deixa escravizar torna-se escravo de sua falta.

De todo modo, por toda parte, todos deste tempo arrendaram a ele sua felicidade e por isso tornaram-se infelizes, ainda que estejam alegres na sua companhia, o que se percebe é que é uma alegria infeliz, pois o seu senhor não os deixa senti-la livremente, está sempre ocupando suas mentes com a prepotência do egoísmo e afligindo seus corações com o veneno da avareza e da soberba; alimento de todo sofrimento.

Na ilusão de ser seu senhor tornaram-se seus escravos! Perdem muito por não querer perder nada.

E em busca da liberdade puseram-se ao seu serviço, como seus ministros divulgam e obedecem a seus mandamentos contra si e contra todos a favor de seu senhor. Libertaram-no do mundo do caos e ao liberta-lo perderam sua liberdade.

Absolveram e espalharam por toda parte todos seus males que superam mil vezes os males de Pandora: de início, o que perdem em si mesmos, é a bondade de seus corações que agora é tomado por todo tipo de maldade. A coragem; dá lugar à temeridade ou a covardia, a temperança; à libertinagem ou a insensibilidade, a humildade; à prodigalidade ou a avareza, no lugar do respeito próprio; nasce toda vulgaridade e vileza, da simplicidade do espírito; toda vaidade ou falsa modéstia, no lugar da gentileza; surge a irascibilidade ou a indiferença, onde havia benevolência; agora habitam o orgulho, a inveja, o tédio e a malevolência. O despeito é o princípio que o faz bater mais forte, a vingança, é o que irriga mais freqüentemente suas veias, a insaciável cobiça; é o que o sacia, e a fraude, a astúcia e a violência; é o que reinam sobre os escombros da verdade e da justiça jaz soterrada pelo esquecimento de sua prática.

No convívio com o outro, o que perdem primeiro, é o sentido real da amizade, não a reconhecem mais, não são mais amigos dos seus amigos porque seu senhor não é solidário a ninguém nem mesmo é capaz de solidariedade, pois, desconhece tal sentimento, conhece apenas a ambição.

Irmãos se tornam inimigos, maridos e mulheres adversários, filhos se precipitam em antecipar a morte dos pais, reina a desconfiança porque seu senhor não a conhece, conhece apenas a intolerância.

Sequer os mortos têm paz, seus cadáveres são cobiçados, seus dentes arrancados, seus órgãos roubados por que o senhor de todos, tudo quer e não conhece senão a ganância.

E crianças morrem de inanição e doenças enquanto remédios e alimentos apodrecem pelos quatro cantos do mundo por que seu senhor não se deixa levar pela compaixão.

Religiosos fazem de suas religiões cativeiros de honrarias e luxúrias, pedofilias e comércio de murmuras, uma confraria fechada em si mesma como um clube de proteção mútua disposto a tudo, contra todos que dele não pertence para se fazer pródigo contra o mal que quase sempre é tudo aquilo que não é o seu próprio bem. Dizem servir a Deus, mas atrás de seu nome escondem o verdadeiro senhor a que servem, e ele é impiedoso, pois, usa do nome daquele para arrebanhar sem perdão o corpo, o coração, a alma e o espírito de seu rebanho fiel. Se não pode ter os céus, quer o mundo, se não pode ser senhor dos anjos quer ser dos homens.

Os amantes entregam seu gozo não mais a amada ou ao amado más, ao senhor de seu prazer que não se apraz com quem ama, pois, o amor é seu rival na guerra pelo domínio dos corações humanos. E todo ato de amar não passa de um trabalho a espera de alguma recompensa que lhe seja proveitosa para si, individualmente.

E a palavra? Há! A palavra, a primeira a curvar-se em reverência ao poder deste senhor que nela nunca crê, pois sabe que ela vem do sentimento e dela provém a verdade. Por isso exige de todos, que a renegue caluniando-a de falsa e preventivamente a condenando por ser suspeita. Em todo e qualquer caso os senhores de todos, não a aceitam sem garantias que lhe permita punir o escravo que não lhe obedecer.

E por fim, àqueles que se rebelam contra este senhor e não entrega sua alma e espírito ao seu domínio, toda sorte do abandono, da discriminação e do mau presságio. Vilipendiado será para sempre até a morte lhe libertar deste reino de súcias.

Por conta disso todos os escravos que o senhor quer suas almas comprar, sofrem do esvaziamento daquilo que o faz torna-lo um Ser. Até que não tenham mais nada a oferecer a não ser sua própria alma, e aí, seu senhor o abandonará, como faz a todos que dele depende, no reino da sofreguidão, quase sempre desamparado e só, em um leito simples ou luxuoso forrado de jornal ou tafetá, mas, em um leito de morte sem ter quem lhe traga um copo d’água sem lhe desejar que tomasse ao invés, uma dose de vinagre, pois o fim de sua vida miserável será a riqueza da vida miserável dele.

E o senhor de todos; o dinheiro continuará reinando soberano no mundo dos homens deste tempo comprando as almas e os espíritos que estiverem à venda e pagando com a guerra de todos contra todos.

Março, de 2007

Westerley

Carta Filosófica Nº 32