Da Finalidade do Estado

O homem é, por sua natureza, como dissemos desde o começo ao falarmos do governo doméstico e do dos escravos, um animal feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que não tivéssemos necessidade uns dos outros, não deixaríamos de desejar viver juntos. Na verdade, o interesse comum também nos une, pois cada um aí encontra meios de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim principal, comum a todos e a cada um em particular. Reunimo-nos, mesmo que seja só para pôr a vida em segurança. A própria vida é uma espécie de dever para aqueles a quem a natureza a deu e, quando não é excessivamente cumulada de misérias, é um motivo suficiente para permanecer em sociedade.

Ela conserva ainda os encantos e a doçura neste estado de sofrimento, e quantos males não suportamos para prolongá-la!

Mas não é apenas para viver juntos, mas sim para bem viver juntos que se fez o Estado, sem o quê, a sociedade compreenderia os escravos e até mesmo os outros animais. Ora, não é assim. Esses seres não participam de forma alguma da felicidade pública, nem vivem conforme suas próprias vontades.

Os homens tampouco se reuniram para formar uma sociedade militar e se precaver contra as agressões, nem para estabelecer contratos e fazer trocas de coisas ou outros serviços. Caso contrário, os tirrenianos e os cartagineses e todos os outros povos que comerciam uns com os outros seriam membros de uma mesma Cidade. Eles possuem tratados redigidos por escrito, com base nos quais importam e exportam suas mercadorias, garantem-nas uns aos outros, prometendo defendê-las a mão armada. Mas não têm, quanto a esses objetos, nenhum magistrado que lhes seja comum. Cada um desses povos tem os seus em seu próprio território. Eles não se preocupam com o que os outros são, nem com o que fazem, se são injustos ou corrompidos como particulares, só fazendo questão da garantia que ambos os povos se deram mutuamente de não se lesarem.

Aqueles, pelo contrário, que se propõem dar aos Estados uma boa constituição prestam atenção principalmente nas virtudes e nos vícios que interessam à sociedade civil, e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude.

Sem isso, não será mais do que uma liga ou associação de armas, diferindo das outras ligas apenas pelo lugar, isto é, pela circunstância indiferente da proximidade ou do afastamento respectivo dos membros. Sua lei não é senão uma simples convençâo de garantia, capaz, diz o sofista Licefron, de mantê-los no dever recíproco, mas incapaz de torná-los bons e honestos cidadãos.

Para tornar isto mais claro, suponhamos que aproximamos os lugares e que as cidades de Megara e Corinto se toquem; esta proximidade não fará com que os dois Estados se confundam, mesmo que se acertassem casamentos entre uma e outra cidade, apesar de este ser um dos laços mais íntimos para a comunicação mútua.

Suponhamos, até, alguns homens: um carpinteiro, outro lavrador, outro sapateiro, um quarto de alguma outra profissão. Suponhamos, se se quiser, dez mil deles, residindo separadamente, mas não a uma distância tão grande que não se possam comunicar. Eles fizeram um pacto de não-agressão no que toca a seus comércios e até prometeram tomar armas para sua mútua defesa, mas não têm outra comunicação a não ser o comércio e seus tratados. Mais uma vez, esta não será uma sociedade civil. Por quê, então? Nesta hipótese, não se dirá que estejam afastados demais para se comunicarem.

Aproximando-se assim, a casa de cada um deles assumiria o papel de cidade e eles se prestariam, graças à sua confederação, ajuda contra as agressões injustas. No entanto, se não tivessem nessa aproximação uma comunicação mais importante do que a que têm quando separados, esta ainda não seria exatamente uma Cidade ou uma sociedade civil. A Cidade, portanto, não é precisamente uma comunidade de lugar, nem foi instituída simplesmente para se defender contra as injustiças de outrem ou para estabelecer comércio. Tudo

isso deve existir antes da formação do Estado, mas não basta para constituí-lo.

A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver bem, isto é, para se levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma. Ora, isto não pode acontecer senão pela proximidade de habitação e pelos casamentos.

Foi para o mesmo fim que se instituíram nas cidades as sociedades particulares, as corporações religiosas e profanas e todos os outros laços, afinidades ou maneiras de viver uns com os outros, obra da amizade, assim como a própria amizade é o efeito de uma escolha recíproca. O fim da sociedade civil é, portanto, viver bem; todas as suas instituições não são senão meios para isso, e a própria Cidade é apenas uma grande comunidade de famílias e de aldeias em que a vida encontra todos estes meios de perfeição e de suficiência. É isto o que chamamos uma vida feliz e honesta. A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de vida comum do que uma sociedade de honra e de virtude.