Artigo 148.º – Processo

1 — Durante a instrução do processo é assegurada a audição da pessoa contra a qual o mesmo foi instaurado, que goza de todas as garantias de defesa.

2 — A audição referida no número anterior vale, para todos os efeitos, como audiência do interessado.

3 — O instrutor deve promover as diligências consideradas essenciais para o apuramento da verdade, podendo recusar, em despacho fundamentado, as requeridas pela pessoa contra a qual foi instaurado o processo, quando julgue suficientemente provados os factos alegados por esta.

4 — Concluída a instrução, é elaborado o respetivo relatório, no qual o instrutor faz a descrição e apreciação dos factos apurados, propondo a resolução que considere adequada, e o processo é presente à entidade competente para proferir a decisão.


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Comentários 


1 — O n.º 1 observa o n.º 1 do art. 15.º e, por aplicação analógica, cumpre o princípio consignado no art. 32.º, ambos da Constituição da República. Mas, essencialmente, acata o princípio do dever de respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (art. 4.º do CPA), o princípio da participação (art. 8.º do CPA) e o princípio da decisão (art. 9.º, n.º 1, do CPA).

Apesar de se tratar de um procedimento especial, segundo as regras do Código de Procedimento Administrativo na parte aplicável e com as devidas adaptações. Nota SEF: As referências ao Código de Procedimento Administrativo reportam à versão anterior ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro (Novo CPA).


2 — A "audição" tem em mira a observância do princípio do contraditório, tão caro ao nosso sistema jurídico, e, em última análise, realiza a vinculação derivada do Protocolo n.º 7, celebrado em Estrasburgo em 22-11-84, pelos Estados membros do Conselho da Europa, com carácter adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 4-11-50. Resulta, com efeito, do art. 1.º desse Protocolo que o estrangeiro não pode ser expulso sem "ter a possibilidade de": a) Fazer valer as razões que militam contra a sua expulsão; b) Fazer examinar o seu caso; e c) Fazer-se representar, para esse fim, perante a autoridade competente ou perante uma ou várias pessoas designadas por essa autoridade."


3 — Esta "audição" vale para todos os efeitos como a "audiência do interessado" a que se refere o art. 100.º do CPA. Significa que no final da instrução não se torna indispensável voltar a ouvir o interessado, se ele teve já o ensejo de apresentar as suas razões contrárias à expulsão, enfim, a oportunidade de exercer o seu direito de defesa antes de ser proferida a decisão.

Tem-se discutido, a propósito de outros casos - que não este - se a falta da realização da formalidade se deverá reflectir na anulabilidade ou na nulidade do acto administrativo decisório. Deve conceder-se que, em situações como a que agora analisamos, a omissão se mostra muito pouco verosímil. Na verdade, achamos dificilmente provável que a entidade competente ouse declarar a expulsão sem ouvir o cidadão, nem que seja uma só vez. Mas, vá lá, mesmo que por absurdo se admita uma tamanha relapsia, um tal comportamento que desconsidere de todo a necessidade de audição do principal visado, o interesse da discussão reacende-se.

Autores propenderam para a defesa da primeira das sanções, e o acto seria anulável; outros, inclinaram-se para a mais severa forma de invalidade, e o acto seria nulo (sobre o debate em torno do assunto, ver JOSE MANUEL SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código de Procedimento Administrativo - anotado e comentado, 5.ª edição, págs. 423-424).

Por nós entendemos que o caso, pelo seu particularismo, se acontecer aqui, tem uma acuidade invulgar. Tratando-se de uma audiência a realizar em sede de procedimento expulsório, portanto, no quadro de uma administração agressiva e ablativa, assume-se como formalidade essencial e adquire uma importância acrescida e indeclinável. Estando em causa, por um lado, o próprio direito de defesa da pessoa insurgida contra o lastro provocado na sua esfera por uma alegada infracção às regras legais sobre entrada e permanência no território nacional, e sendo certo, por outro lado, que a decisão final só pode ser a expulsão - perante, obviamente, os respectivos pressupostos fácticos - não nos parece que a decisão se salve da nulidade procedimental, porque em causa está, afinal um direito supremo, absoluto e fundamental, com garantias constitucionais e com raízes fundas na própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Mas, porque se trata de nulidade procedimental (não substantiva), o vício formal que inquina inevitavelmente o acto final decisor toma-o simplesmente anulável.

Importa, por fim, realçar um aspecto que o legislador parece não ter considerado. É que, embora a audição do cidadão "durante a instrução" possa relevar como audiência de interessado, a observância dessa formalidade só pode funcionar de pleno e sem os indesejáveis efeitos invalidantes, desde que entre o momento da audição e o termo da instrução não se interpuserem elementos novos e relevantes que devam vir a ser tidos na devida conta na decisão final. Se isso não acontecer, consentiremos que à "audição" passa conferir-se o efeito que a “audiência de interessados” estabelece no art. 100.º do CPA. Mas se, porventura, novos dados surgirem no procedimento até ao final da fase instrutória, sobre eles deverá o interessado pronunciar-se, realizando-se então a "audiência" que a “audição” efectuada nunca poderia ter suprido.


4 — O órgão instrutor deve promover as diligências consideradas necessárias ao apuramento da verdade, diz o n.º 3, 1ª parte.

Este dever repousa não só no princípio do inquisitório, plasmado no art. 56.º do CPA, mas também, de certa forma, num certo poder dispositivo que ao interessado se reconhece no fornecimento de elementos de prova em sede do direito de defesa (cfr. art. 88.º do CPA). Em princípio, o instrutor deverá receber os elementos apresentados pelo cidadão estrangeiro, para sua posterior análise, e deverá ouvir as testemunhas por si arroladas. Porém, uma vez que o procedimento também se pauta por princípios de economia de meios e de celeridade (art. 57.º do CPA), o instrutor deverá evitar actos inúteis, impertinentes e dilatórios. É por essa razão que o n.º 3 permite que o instrutor recuse, em despacho fundamentado, as provas requeridas pelo interessado, quando entenda estarem já suficientemente reunidas as provas necessárias dos factos por ele mesmo alegados ("quando julgue suficientemente provados os factos alegados por esta"). A ideia é esta: não vale a pena maior dispêndio de meios e de tempo, se a prova que o interessado queria fazer sobre determinado aspecto está já feita.

O dever de fundamentação desta decisão de recusa de acrescidas diligências probatórias, embora radique num juízo favorável aos interesses do cidadão estrangeiro - o que em princípio a dispensaria: cfr. art. 124.º, n.º 1, do CPA - compreende-se por razões de cautela e sensatez. Se são negadas ao requerente diligências de prova, a sua justificação deverá ficar indelevelmente contida nos autos, para que não passe de uma mera opinião íntima, psicológica, sem expressão concreta no mundo jurídico. Pretende-se, por conseguinte, evitar o perigo de se negar a realização de actos instrutórios que poderiam ser úteis no futuro, mas que o órgão instrutor acharia serem irrelevantes nessa ocasião. Desta maneira, a fundamentação acode aos interesses do requerente, já que no momento da decisão não pode ser oposta uma decisão desfavorável aos interesses do estrangeiro com base na carência de elementos. Se estes faltam, por certo não será por culpa sua que tal acontece. Nesse caso, e uma vez que a decisão de recusa de mais diligências com fundamento na suficiência dos elementos já recolhidos no processo não vincula o órgão decisor, este, se entender que elas se mostram essenciais à descoberta da verdade material e à justeza e legalidade da decisão a tomar, poderá devolver o procedimento ao instrutor a fim de que este ordene a realização das diligências em causa.

Em matéria de instrução, são convocáveis as disposições dos arts. 86.º e segs. do CPA.


5 — O relatório do instrutor é uma peça escrita que resume o conteúdo e os passos do procedimento até esse instante. Deve mencionar a identificação do cidadão estrangeiro, fazer a descrição dos factos apurados, conter a sua apreciarão crítica e, dentro das prescrições jurídicas atinentes ao caso, rematar fundamentadamente com uma proposta de decisão. É o que assinala o n.º 4 do artigo, em consonância, de resto, com o preceituado no art. 105.º do CPA.

Lavrado o relatório, o procedimento está pronto para a decisão. Assim, o processo é presente à entidade competente para a proferir.


6 — Nada é dito sobre o prazo para a decisão, nem no presente, nem no artigo seguinte. Entendemos, todavia, que o processo deve ser célere, mesmo que não tenha natureza urgente. Sendo um procedimento de iniciativa pública - desencadeado directamente pela Administração através das autoridades policiais competentes - e tendo presente o interesse público relevante, mal se compreenderia que ele tivesse uma arrastada duração. Por outro lado, não pode deixar de se ter na devida conta a necessária ponderação dos interesses em presença. E assim é que também não pode ser negligenciado o interesse particular do cidadão estrangeiro, a braços com uma eventual medida de expulsão e com todo o cotejo de implicações que isso pode provocar na sua vida afectiva, social, económica, profissional, etc, e na dos seus familiares. Logo, deve ser rápida a conclusão do procedimento.

Mesmo que a lei não qualifique expressamente este procedimento como urgente, há pelo menos um particular dever de celeridade que sobre a Administração impende (art. 57.º do CPA).

Geralmente, o procedimento, à falta de outro prazo especialmente consignado na lei, deve estar concluído no prazo de 90 dias. Di-lo o art. 58.º, n.º 1, do CPA. E o prazo geral para a entidade competente o decidir será de dez dias (art. 71.º do CPA), contado do recebimento do processo oriundo do instrutor.

Contudo, não podemos esquecer que o cidadão estrangeiro pode estar sujeito a uma medida de detenção em centro de instalação temporária aguardando o termo do procedimento (cfr. art. 142.º, n.º 1, al. c)). Ora, nesse caso, porque é indispensável a harmonização dos diversos prazos que no caso concorram, a conclusão do procedimento não pode ultrapassar o prazo de 60 dias, o máximo que a lei considera possível na condição de detenção (art. 146.º, n.º 3).


Jurisprudência 


EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO - AUDIÊNCIA DO INTERESSADO - FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO - DIREITO DE AUDIÇÃO - DIREITO DE AUDIÊNCIA

1 - O artigo 118º, nºs 1 e 2 do DL nº 244/98 de 8 de Agosto, na redacção do DL nº 34/2003, de 25 de Fevereiro, institui, em lei posterior, um modelo especial de concretização do direito de participação procedimental que prefere ao regime geral fixado no art. 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.

2 - A fundamentação que declara abonar-se na factualidade que se considerou adquirida em determinado relatório, que identifica e que considera reproduzido para todos os efeitos legais, satisfaz as exigências da fundamentação formal expressa, de acordo com o modelo remissivo previsto na segunda parte do art. 125º do CPA, ficando o relatório a fazer parte integrante do respectivo acto.

Acórdão do STA de 15-05-2007 - Processo n.º 01176/06



1. Para efeitos de aplicação do disposto no artº 668º nº 1 d) CPC em sede de omissão de pronúncia, o conceito adjectivo de questão, no que respeita à delimitação do conhecimento do Tribunal ad quem pedida pelo Recorrente, deve ser entendido em sentido amplo envolvendo nele tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir, ou seja, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras, bem como às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

2. Decorrendo da matéria de facto provada que o ora Recorrente se achava: (i) irregularmente em território português, onde entrara com visto de turista há cerca de quatro anos; (ii) foi notificado para abandonar voluntariamente o território nacional, possibilidade que não aproveitou; (iii) e que notificado para ser ouvido no âmbito do processo de expulsão, faltou sem justificar tal ausência, estamos, claramente, face ao não preenchimento da formulação negativa do fumus boni iuris, isto é, do chamado fumus non malus iuris, donde resulta a evidente improcedência da pretensão de fundo em sede de processo principal, cfr. artº 120º nº 1 in fine CPTA.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-03-2008, no Processo 03322/07



REJEIÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL - CIDADÃOS ESTRANGEIROS EM SITUAÇÃO IRREGULAR - ART. 134º Nº 1 DA LEI Nº 23/2007

1. O nº 3 do artigo 118º do CPTA não obriga o juiz a produzir a prova testemunhal requerida pelas partes, podendo rejeitá-la quando a considere dispensável no caso concreto. 

2. Tal rejeição não configura violação do direito de audição da requerente.

3. Os cidadãos estrangeiros que se encontrem a trabalhar em território nacional, sem estarem autorizados para o efeito, encontram-se em situação irregular e, consequentemente, sujeitos a ser expulsos do país, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 134º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.

"...Como é sabido, os cidadãos estrangeiros que se encontrem a trabalhar em território nacional, sem estarem para tal autorizados, encontram-se em situação irregular e ficam sujeitos a ser expulsos do país, conforme prescrito na alínea a) do nº 1 do artigo 134º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho. Ora, ficou provado nos autos que a recorrente permaneceu ilegalmente em território nacional, o que determinou a instauração de processo de expulsão administrativa. Com efeito, e como decorre da factualidade assente, a ora recorrente foi detectada por quatro vezes em estabelecimentos de diversão nocturna, por via de acções de fiscalização nocturna, por via de acções de fiscalização do SEF, nas datas de 24.09.2004, 12.08.2006, 22.08.2007 e 31.01.2008, designadamente nos bares “O Conquistador” e “Almargem”. No entanto, e apesar de a recorrente ter declarado, no decurso do PEA, que “veio trabalhar (…) e que “trabalha em limpezas, onde aufere cerca de trinta a quarenta €uros”, e “quer permanecer em Portugal e procura contrato de trabalho com vista a poder regularizar a sua situação” (cfr. fls 18 do processo instrutor, é necessário recordar que, como resulta dos artigos 6º, 9º, 10º e 32º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, e cidadão estrangeiro que pretenda permanecer em território nacional deverá, previamente, munir-se de visto válido e adequado à situação, ou seja, de visto de residência para o exercício de actividade profissional subordinada, nos termos do artigo 59º da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho. Acresce que os autos demonstram ainda que, já em 19.03.2005 a recorrente havia sido detida pela PSP de Vila Real, por permanência ilegal em território nacional, tendo sido na sequência do PEA nº 86/OSIDRA, embarcada para S. Paulo em 19.03.05. E não parece que, na sequência de toda esta factualidade e insusceptibilidade de enquadramento da situação da recorrente na alínea a) do nº 1 do artigo 134º da Lei 23/2007, possa dizer-se que foi violado o direito de audição da recorrente. Na verdade, a recorrente foi notificada para prestar declarações no âmbito do processo instaurado em 17.09.2007 e não compareceu, não estando provada a tese da recorrente de que foi informada por um inspector cujo nome não refere de que não havia necessidade de a ouvir porque o processo de expulsão estava suspenso...". 

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18-03-2009, no Processo 04674/08



PROVIDÊNCIA CAUTELAR - SUSPENSÃO DE EFICÁCIA - EXPULSÃO - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS.

1. Por força do disposto no art.º 148.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, a audição em processo penal tem natureza de audição prévia no âmbito do processo de expulsão.

2. Por regra a entrada em Portugal de cidadão estrangeiro sem passaporte válido e munido de documento de identificação falsificado determina sua expulsão do território nacional, nos termos do art.º 134.º, n.º 1, al. a), da referida Lei.

3. Inexistindo outros motivos que imponham decisão diversa, é notoriamente improcedente a providência cautelar destinada a suspender a eficácia do acto do SEF que determina a expulsão, por manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal;

4. Nesse contexto não se impõe que o tribunal verifique da existência dos demais requisitos de que a lei faz depender a adopção das providências cautelares, ou seja, da probabilidade da constituição de uma situação de facto consumado ou da existência de prejuízos de difícil reparação e da ponderação dos interesses em presença.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-04-2010, no Processo 0651/10



SUSPENSÃO DE EFICÁCIA – EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL – FACTO CONSUMADO

1 – Se com a execução do acto cuja suspensão é requerida, o ora recorrente é expulso de Portugal para o seu país de origem [República de Cabo Verde], ficando-lhe ainda vedada a entrada no território nacional por um período de 5 anos, perdendo deste modo o seu emprego, esta situação não pode deixar de configurar-se como uma situação geradora de facto consumado, que não é afastada por uma eventual reposição da situação agora existente, se a acção principal vier a proceder.

2 – O critério de proporcionalidade estabelecido no nº 2 do artigo 120º funciona como limite no caso das citadas alíneas b) e c), obrigando a uma “ponderação de todos os interesses em jogo, de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão ou não da providência cautelar dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada”.

3 – Alegando o recorrente que caso venha a ser executada a ordem de expulsão, será imediatamente repatriado para a República de Cabo Verde, perdendo o seu emprego, além de lhe ficar vedada a reentrada em território português durante 5 anos e se, por sua vez, o SEF nada invocou de relevante, sendo certo que o único fundamento que motivou a expulsão do recorrente do território nacional foi o facto de nele permanecer irregularmente, afigura-se que os prejuízos resultantes para o recorrente, consubstanciando uma situação de facto consumado de expulsão do território nacional, são superiores aos resultantes para a entidade recorrida ou mesmo para o interesse público, pelo que nada obsta à adopção da providência cautelar requerida.

Acórdão do TCAS de 01-06-2011 - Processo n.º 07608/11



Vistos, asilo, imigração e outras políticas ligadas à livre circulação de pessoas – Diretiva 2008/115/CE – Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular – Procedimento de adoção de uma decisão de regresso – Princípio do respeito dos direitos de defesa – Direito de um nacional de um país terceiro em situação irregular de ser ouvido antes da adoção de uma decisão suscetível de lesar os seus interesses – Recusa da administração, acompanhada de uma obrigação de abandonar o território, de conceder a esse nacional uma autorização de residência ao abrigo do direito de asilo – Direito de ser ouvido antes de a decisão de regresso ser proferida

O Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: Em circunstâncias como as do processo principal, o direito de ser ouvido em qualquer procedimento, tal como é aplicável no âmbito da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2008 relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, designadamente do seu artigo 6.°, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma autoridade nacional não ouça o nacional de um país terceiro especificamente acerca de uma decisão de regresso quando, após ter concluído pelo carácter irregular da sua permanência no território nacional, no termo de um procedimento que respeitou plenamente o seu direito de ser ouvido, pretende tomar a sua respeito uma decisão dessa natureza, quer essa decisão de regresso seja consecutiva ou não a uma recusa do título de residência.

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção), de 5-11-2014 | Sophie Mukarubega contra Préfet de police, Préfet de la Seine‑Saint‑Denis - Processo C‑166/13



I – A expulsão administrativa de estrangeiro que tenha entrado ou permaneça ilegalmente em território nacional, prevista no DL 244/98, de 8/8, consubstancia-se num processo sancionatório muito próximo do processo penal.

II – O vício de falta de audiência prévia no âmbito do processo de expulsão administrativa gera a nulidade do acto, face ao estatuído nos arts. 32º n.º 10, da CRP, e 133º n.º 2, al. d), do CPA de 1991, pelo que não estando a acção principal sujeita a prazo (cfr. art. 58º n.º 1, do CPTA na versão originária, e art. 58º n.º 1, corpo, do CPTA revisto, isto é, na redacção do DL 214-G/2015, de 2/10), pode o processo cautelar ser interposto a todo o tempo.

III - O estrangeiro sujeito ao processo de expulsão administrativa goza de todas as garantias de defesa (cfr. art. 118º n.º 1, parte final, do DL 244/98, de 8/8, na redacção do DL 34/2003, de 25/2), pelo que tem o direito de requerer a assistência por advogado defensor aquando da prestação de declarações perante o SEF.

IV - Se o estrangeiro, no início da prestação de declarações perante o SEF, colocou como condição (legítima) para a ocorrência de tais declarações a assistência por advogado defensor, mas de imediato foi encerrada a referida diligência e, após, proferida decisão de expulsão administrativa, conclui-se que não foi concedida ao estrangeiro a oportunidade de prestação de declarações perante o SEF, o que implica a inexistência de audiência prévia, e, em consequência, o preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris previsto no art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-06-2016, no Processo 13188/16



PROVIDÊNCIA CAUTELAR; FUMUS BONI IURIS

No âmbito do artigo 120º n.º 1 do CPTA a atribuição das providências cautelares depende de um juízo perfunctório sobre a probabilidade de a acção principal poder vir a ser procedente. Esta avaliação não deve ultrapassar os limites próprios da tutela cautelar sob pena de passarmos a antecipar a decisão de fundo sobre o mérito da questão que apenas caberá tomar quando da análise do processo principal.

"... A recorrente vem ainda invocar, em diversos artigos das suas conclusões, que não ocorreu audiência prévia, verificando-se ainda violação clara dos seus direitos de defesa. Encontra-se suficientemente demonstrado nos autos que a entidade recorrida por diversas vezes tentou contactar a recorrente e não conseguiu, tendo mesmo recorrido à notificação por via edital. Aliás, no acto suspendendo vem referido que em 6 de Julho de 2010 foi enviada notificação para a recorrente através de carta registada com aviso de recepção para a morada nos autos tendo a mesma sido devolvida por “ objecto não reclamado”. Refere-se ainda na decisão suspendenda que: “6. Para além da afixação em lugar de estilo na Junta de Freguesia da área da residência, foi também afixado edital junto do Centro Nacional de Apoio ao Imigrante… 7 De acordo com a cota de fls. 40 dos presentes autos, e após cumprimento dos prazos legais, constatou-se que a arguida não compareceu nas instalações desta direcção Regional do Norte dispensando, assim a audiência de interessado que lhe era garantida pelo artigo 148º da lei 23/07, de 4 de Julho”.

Esta factualidade não vem posta em crise. Ou seja, verifica-se dos autos que a recorrente não pôde ser notificada por não ter levantado a nota de notificação, nem respondeu à notificação edital. Assim sendo, se não ocorreu audiência dos interessados apenas a si se deve tal situação. Não se pode assim concluir que a impugnação do acto em causa possa, por esta razão, vir a ser julgado procedente na acção principal, quando estamos, por seu lado, perante um vício formal, que poderá vir a ser julgado inoperante, como se refere na decisão recorrida.

Pelo exposto não se vêm razões que levem a concluir que ocorra qualquer probabilidade de a recorrente poder vir a obter ganho na causa principal. Assim sendo, e tendo sido este o entendimento seguido pela decisão recorrida tem de se concluir que não podem proceder as conclusões da recorrente, não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso interposto.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09-06-2017, no Processo 02701/16.2BEPRT



SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA; AFASTAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL; IMIGRANTE ILEGAL; AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA TEMPORÁRIA; AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA DE LONGA DURAÇÃO; DIREITO AO REAGRUPAMENTO FAMILIAR; AUDIÊNCIA DO INTERESSADO; PRESENÇA DE ADVOGADO; ARTIGOS 77º, N.º1, 98º, 125º, N.º1, E 148º DA LEI 23/2007, DE 04.07.

1. O procedimento cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio) do caso através de um procedimento simplificado e rápido.

2. Para efeito da análise do pressuposto bonus fumus iuris, e tendo em conta a natureza meramente instrumental, provisória e sumária da providência cautelar, bastam os factos provados documentalmente no processo administrativo para se conhecer de mérito.

3. Nos termos do disposto no artigo 148.º da Lei 23/2017 a audiência do interessado, em processo de afastamento de estrangeiro do território português, é assegurada através de audiência pessoal.

4. A lei não exige a presença de advogado no cumprimento desta formalidade pelo que a sua falta não representa preterição do direito de defesa.

5. Um cidadão guineense que entrou ilegalmente em território português não pode beneficiar nem da autorização de residência temporária nem de residência de longa duração ou sequer de direito ao reagrupamento familiar, nos termos do disposto nos artigos 77º, n.º1, 125º, n.º1, e 98º da Lei 23/2007, de 04.07.

6. O núcleo familiar que se pretende ver protegido, sob pena de excessiva abrangência da norma do artigo 98º da Lei 23/2007, é o grupo constituído pelos cônjuges e por ascendentes e descendentes, ou seja, o tradicional núcleo familiar, ocidental, mais próximo.

7. Não sendo provável o êxito da acção principal para anulação do despacho do Director Nacional Adjunto do SEF que, além do mais, determinou o afastamento do requerente do território nacional, e a sua interdição de entrada por um período de 3 anos, é de indeferir a suspensão da eficácia deste acto, apesar de se verificar uma situação de facto consumado com a execução imediata e com prejuízo para a análise da ponderação de interesses em jogo.

"...Invoca o Requerente para afastar da ordem jurídica o acto impugnado e obter autorização para permanecer em território português o seguinte:

“Foi concedido direito de defesa, em toda a sua plenitude, em 05.11.2010, no âmbito do processo de expulsão administrativa? Foi-lhe concedida a faculdade de ser acompanhado por defensor? Consequências da sua omissão”. Determina o artigo 148.º da Lei 23/2017: 1 - Durante a instrução do processo é assegurada a audição da pessoa contra a qual o mesmo foi instaurado, que goza de todas as garantias de defesa. 2 - A audição referida no número anterior vale, para todos os efeitos, como audiência do interessado. (…)”

Ora, no dia 05.10.2010, o Requerente prestou declarações no âmbito do processo de expulsão administrativa n.º 68/10 – facto provado sob o n.º 13 -, o que equivale a audiência do interessado. A presença de advogado, nomeado oficiosamente ou escolhido pelo visado, por outro lado, não é, nesta formalidade, uma exigência da lei.

Como se pode verificar pela discussão na Assembleia da República (cfr. Diário), sobre a proposta Lei 50/XII do Governo, foi apresentada pelo Bloco de Esquerda uma alteração dos n.ºs 1 e 2 e de aditamento do n.º 3 (passando os n.ºs 3 e 4 a n.ºs 4 e 5) do artigo 38.º da Lei n.º 23/2007, mas tal proposta foi rejeitada, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e a favor PCP, do BE e do PEV.

Foi esta a proposta de alteração do artigo 38.º, rejeitada: “1 – A decisão de recusa de entrada é proferida após audição do cidadão estrangeiro na presença de um defensor oficioso ou de advogado convocado pelo cidadão estrangeiro, e vale para todos os efeitos legais, como audiência prévia do interessado, desde que tenha sido garantido o direito à defesa. 2 – A decisão de recusa de entrada é notificada ao interessado e ao seu defensor oficioso, com indicação dos seus fundamentos, redigidos na língua portuguesa e em língua que o cidadão estrangeiro possa entender, dela devendo expressamente constar o direito de impugnação judicial, o respetivo prazo de interposição e da possibilidade de recorrer à assistência jurídica por advogado, nos termos estabelecidos no n.º 2 do artigo 40.º. 3- A decisão de recusa de entrada é imediatamente comunicada à representação diplomática ou consular do seu país de origem. 4 – [anterior n.º 3]. 5 – [anterior n.º 4].”

A redacção do 38.º que acabou por ficar, foi esta: “1 - A decisão de recusa de entrada é proferida após audição do cidadão estrangeiro, que vale, para todos os efeitos, como audiência do interessado, e é imediatamente comunicada à representação diplomática ou consular do seu país de origem. 2 - A decisão de recusa de entrada é notificada ao interessado, em língua que presumivelmente possa entender, com indicação dos seus fundamentos, dela devendo constar o direito de impugnação judicial e o respetivo prazo. 3 - É igualmente notificada a transportadora para os efeitos do disposto no artigo 41.º 4 - Sempre que não seja possível efetuar o reembarque do cidadão estrangeiro dentro de 48 horas após a decisão de recusa de entrada, do facto é dado conhecimento ao juiz do juízo de pequena instância criminal, na respetiva área de jurisdição, ou do tribunal de comarca, nas restantes áreas do País, a fim de ser determinada a manutenção daquele em centro de instalação temporária ou espaço equiparado”.

O que significa que o legislador expressamente afastou a necessidade de o visado ser representado por advogado para ficar garantido o seu direito de defesa, o direito a ser ouvido. Pelo que por esta via não só não é provável como é improvável o êxito da acção principal...".

A segunda linha argumentativa do ora Recorrente é esta: A decisão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é datada de 22.01.2015, e apenas foi notificado em 26.04.2017, pelo que perdeu actualidade, sendo necessário uma reavaliação da situação do Requerente para actualizá-la, verificar se pode ser susceptível de regularização, adequando a decisão e notificando imediatamente o visado, e não após mais de dois anos, como ocorreu nos autos.

Na Lei 23/2007 não se prevê qualquer prazo para tomar a decisão de expulsão ou afastamento do território nacional. Por outro lado, como resulta da própria posição processual do Requerente – quer na presente providência quer no processo principal – a sua situação naquilo que é essencial mantém-se a mesma desde que entrou em Portugal. Está em situação ilegal. Também por esta via não só não é provável como é improvável o êxito da acção principal...".

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-12-2017, no Processo 01484/17.3BEPRT-A



ARTIGO 148º DA LEI Nº 23/2007, DE 04.07; FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO; VALIDADE; EFICÁCIA.

1. Por regra, a falta de fundamentação apenas conduz à anulação do acto e não á declaração de nulidade, tendo em conta o princípio geral de invalidade dos actos consagrada no n.º 1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.

2. Um acto está devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido da decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto ou a sua impugnação.

3. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é um órgão de polícia criminal que tem como um dos “objectivos fundamentais controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional” – artigo 1º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16.10.

4. No exercício das funções que a lei lhe atribui, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras averigua a situação de facto que invocam os pretendentes, como é aqui o caso, à concessão de asilo ou de residência por protecção subsidiária. Essa averiguação de facto, enquanto órgão de polícia criminal, faz parte daquilo a que se costuma designar por “discricionariedade técnica”.

5. E no campo da “discricionariedade técnica” é entendimento pacífico o de que a conduta da Administração é insindicável, salvaguardados os casos de erro grosseiro, uso de critérios manifestamente desajustados ou desvio de poder.

6. No caso de estrangeiro em situação irregular o direito de audiência prévia, em processo movido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, não se concretiza da forma genérica prevista nos indicados preceitos do Código de Procedimento Administrativo, mas na forma especial prevista no artigo 148º da Lei nº 23/2007, de 04.07.

7. Esta formalidade cumpre-se quando o visado é ouvido no procedimento administrativo, lavrando-se o correspondente “Auto de Declarações”.

8. A falta de notificação da decisão de afastamento coercivo ao mandatário da visada neste procedimento não afecta a validade do acto, menos ainda constitui nulidade por preterição de direito fundamental, porque a notificação é externa e posterior ao acto, afectando apenas a sua eficácia.  

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 03-07-2020, no Processo 00467/20.0BEBRG


Origem do texto


Direito nacional 

A norma tem origem e reproduz com adaptações o texto do artigo 85.º do Decreto-Lei 59/93, de 3 de Março, à excepção do disposto no n.º 2, cujo texto remonta, na íntegra, à redacção do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, no n.º 2 do seu artigo 120.º

Na última redacção deste diploma a matéria era regulada no artigo 118.º

 

Procedimento legislativo


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)          

Artigo 148.º - Processo

1 - Durante a instrução do processo é assegurada a audição da pessoa contra a qual o mesmo foi instaurado, a qual goza de todas as garantias de defesa.

2 - A audição referida no número anterior vale, para todos os efeitos, como audiência do interessado.

3 - O instrutor deve promover as diligências consideradas essenciais para o apuramento da verdade, podendo recusar, em despacho fundamentado, as requeridas pela pessoa contra a qual foi instaurado o processo, quando julgue suficientemente provados os factos alegados por esta.

4 - Concluída a instrução, é elaborado o respectivo relatório, no qual o instrutor faz a descrição e apreciação dos factos apurados, propondo a resolução que considere adequada, posto o que é o processo presente à entidade competente para proferir a decisão.

Discussão e votação indiciária: artigo 148.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovado, com votos a favor do PS, PSD e CDS-PP e a abstenção do PCP e BE.