A Dúvida e o Cristão


A Dúvida e o Cristão


Entre a irmandade e nossos familiares podemos conhecer pessoas que parecem estar invariavelmente firmes na fé. Não vacilam, nunca questionam a vontade de Deus e estão sempre satisfeitos com os acontecimentos ainda que passando por provas e situações difíceis em suas vidas. O perfil espiritual dessas pessoas é tão sólido, tão imperturbável que nós os consideramos “Santos de Deus”. Ao compararmos nossas vidas com esses “Santos de Deus”, podemos concluir que cada vez que temos dúvidas ou questionamos a vontade de Deus estaríamos pecando contra Êle.

Que tipo de dúvidas são essas?

Muitas vezes não entendemos certos eventos que nos surpreendem ou decepcionam. Acontecimentos que, no nosso entendimento, poderiam trazer mais edificação se resolvidos de forma diferente do que o Senhor determinou. Por exemplo, o falecimento prematuro de um jovem ou de uma mãe com filhos pequenos, o fato de o Senhor libertar alguns de enfermidades graves e não outros nas mesmas condições, bem como outros casos que presenciamos. Todas essas situações originam questões dirigidas a Deus e dúvidas em nossas mentes.

Por questionarmos o Senhor podemos nos sentir a menos na graça e faltantes, ou seja, imaginamos que a fé e a dúvida sejam incompatíveis, o que não é verdade.

O cristão caminha por fé, mas como nossa natureza humana tem muitas limitações, eventos e desfechos que nos surpreendem sempre nos trazem dúvidas. Na verdade, essas dúvidas provam que estamos caminhando por fé.

O que nos dá conforto e segurança é a fé (veja NOTAS 1 no fim do documento) que pelo Espírito Santo em nós reside, e não por alguma garantia ou certeza que temos em nossas mentes.

O profeta João Batista

Ao examinarmos a Palavra de Deus – a Bíblia - encontramos vários casos de servos que tiveram dúvidas, desde Jó e profetas no Antigo Testamento, até Pedro e outros apóstolos no Novo Testamento. Como podemos aplicar esses casos como exemplo para nossas vidas de hoje?

O exemplo que escolhemos é um dos mais importantes, pois se refere a João Batista, cuja vinda já havia sido profetizada por Malaquias (2).

Antes mesmo de nascer, João Batista já havia reconhecido o Senhor Jesus como o Salvador, fazendo dele o primeiro Cristão na terra (3). Quando adulto, João pregou o batismo do arrependimento aos Judeus (4) e a vinda do Messias - Jesus Cristo. Quando Jesus foi ao encontro de João para ser batizado por ele, ao sair das águas os céus se abriram e uma voz do céu proclamou, se referindo a Jesus: "Este é o meu Filho amado, em quem me agrado”. (Mateus 3:16-17)


As dúvidas de João Batista

Depois do batismo de Jesus, em três ocasiões João Batista teve, direta ou indiretamente, questões com o Senhor Jesus:

1. Ao ver o Senhor comendo com publicanos e pecadores na casa de Levi, os fariseus perguntaram aos seus discípulos: "Por que o mestre de vocês come com publicanos e ‘pecadores’? Ouvindo isso, Jesus disse: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes”. (Mateus 9:9-12).

2. Pouco depois, os discípulos de João vieram perguntar-lhe: "Por que nós e os fariseus jejuamos, mas os teus discípulos não? Jesus respondeu: "Como podem os convidados do noivo ficar de luto enquanto o noivo está com eles? Virão dias quando o noivo lhes será tirado; então jejuarão”. (Mateus 9:14-15).

3. E finalmente, quando João Batista estava na prisão esperando pela sentença a ser dada por Herodes Antipas, e ouviu que o Senhor ensinava na Galileia “...enviou seus discípulos para lhe perguntarem: És tu aquele que haveria de vir ou devemos esperar algum outro? Jesus respondeu: Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos veem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa". (Mateus 11:1-6)

Nesse exemplo podemos ver que, principalmente numa situação de extrema tensão e angústia na prisão, João duvidou da autenticidade de Jesus como o Messias, ainda que ele tivesse ouvido a voz de Deus, diretamente e por profecias, confirmando esse fato.

A resposta do Senhor Jesus

E qual foi a reação do Senhor em relação as dúvidas de João Batista perante o povo? “...Jesus começou a falar à multidão a respeito de João: "O que vocês foram ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Ou, o que foram ver? Um homem vestido de roupas finas? Ora, os que usam roupas finas estão nos palácios reais. Afinal, o que foram ver? Um profeta? Sim, eu lhes digo, e mais que profeta. Este é aquele a respeito de quem está escrito: ‘Enviarei o meu mensageiro à tua frente; ele preparará o teu caminho diante de ti’. Digo-lhes a verdade: Entre os nascidos de mulher não surgiu ninguém maior do que João Batista; todavia, o menor no Reino dos céus é maior do que ele.” (Mateus 11:7-11)

Como vemos, cada vez que Joao Batista teve dúvidas ele recorreu ao Senhor, e obteve resposta. Será que João compreendeu essas respostas nas três ocasiões? Provavelmente ele não as entendeu completamente pois a obra de Deus com Jesus Cristo na terra só foi concluída quando da crucificação e ressurreição.

E se nós, assim como João, também não entendemos?

João, e os judeus em geral, provavelmente não entenderam o plano de Deus por Jesus Cristo pois esperavam que o Senhor, o Messias, viesse a terra para libertá-los do domínio dos Romanos. Nós também, ainda que entendamos (superficialmente?) a obra na cruz e ressurreição do Senhor, muitas vezes esperamos que a vontade de Deus coincida com a nossa vontade. Quando isso não acontece podemos nos desanimar e ter dúvidas quanto ao plano de Deus em nossas vidas. Aí então vem o ensinamento que Jesus deu para João, e para todos nós: “...e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa." (Mateus 11:6)

Quando será tudo esclarecido?

Uma vez mais, João Batista teve dúvidas, mas todas foram respondidas. Ao final, o Senhor também afirmou “...e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa" (Mateus 11:6). No original do Novo Testamento encontramos que um sinônimo para a palavra escandalizar é tropeçar. O tropeço no caminho do cristão atrasa sua caminhada, disturba sua fé, e promove desânimo. Abençoados são os cristãos que não se escandalizam, que não tropeçam por não entenderem inteiramente a vontade de Deus, mas sim por fé esperam no Senhor.

Um dia – quando estivermos com Ele nos céus - entenderemos a obra de Deus em sua plenitude. Como escreveu Paulo a respeito de nossas limitações: “Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido”. (I Coríntios 13:12)

NOTAS:

1 Hebreus 11:1: Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos.

2 Malaquias 3:1: "Vejam, eu enviarei o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim. E então, de repente, o Senhor que vocês buscam virá para o seu templo; o mensageiro da aliança, aquele que vocês desejam, virá", diz o Senhor dos Exércitos.

3 Lucas 1:43-45: Mas por que sou tão agraciada, a ponto de me visitar a mãe do meu Senhor?

Logo que a sua saudação chegou aos meus ouvidos, o bebê que está em meu ventre agitou-se de alegria. Feliz é aquela que creu que se cumprirá aquilo que o Senhor lhe disse! "

4 Marcos 1:4: Assim surgiu João, batizando no deserto e pregando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados.


Joel Spina

17 outubro de 2022