Quando: Terça-feira, 4/11 — 13h-15h
Onde: Sala 14 da Sociais
Mediação: Jorge de Almeida (DTLLC)
Publicado pela primeira vez em julho de 1943 no suplemento literário de La Nación e reunido em El otro, el mismo (1964), o “Poema Conjetural” ocupa lugar central na obra de Jorge Luis Borges. Concebido na década de 1940, em paralelo aos contos que consolidaram sua fama, o poema condensa, em síntese notável, o núcleo do qual sua literatura se alimenta: a tensão constitutiva entre história e metafísica. Nele, a matéria histórica argentina se apresenta desde o início, encenada pelo monólogo dramático de Francisco Narciso de Laprida (prócer da independência e antepassado distante de Borges) nos instantes que antecedem sua morte. À dimensão histórica e familiar se soma a social, por meio do ideologema “civilização versus barbárie”, que o texto mobiliza e converte em eixo. Estruturado por paralelismos e oposições que ecoam e desdobram esse mote clássico da cultura argentina, o poema parece ele próprio encenar, em sua forma, a trajetória de percalços e enfrentamentos do eu lírico que culminará na imagem final – “el íntimo cuchillo en la garganta” – metáfora ambígua de um fim violento que é também a aceitação de um sujeito que encontra na derrota “la recóndita clave” de sua vida. O “círculo se fecha” e Laprida, em meio ao pântano, encontra seu “rostro eterno”. O poema, que então parecia composto de uma simples dimensão localista e restrita à história da formação nacional, imbui-se de um inesperado teor metafísico, conduzindo a uma misteriosa reconciliação do conflito e ao triunfo secreto da ordem e da razão. Essa paradoxal vitória na derrota, contudo, tem um custo e marca decisivamente o modo como o “Poema Conjetural” se apresenta a seu leitor: ao conceder a Laprida a compreensão de seu “destino sudamericano” por meio de uma revelação de ordem mística, o poema lança mão de um enigma impenetrável cujo resultado é a instauração de uma poderosa dimensão metafísica que entra em conflito com a dimensão histórica. A comunicação que ora se submete tem por objetivo esboçar as linhas gerais dessa análise e discutir brevemente suas implicações na interpretação do poema.
Palavras-chave: Jorge Luis Borges; Literatura e sociedade; Poesia; Enigma.
Imagen de John Keats, de Julio Cortázar, embora seja uma obra de inspiração biográfica, não se enquadra nesse gênero (e até insiste em não sê-lo). O texto é híbrido entre ensaio, diário e biografia propriamente, e a figura histórica do poeta John Keats é matizada pelo autor com seus próprios tons. Nos capítulos iniciais "Declaración Jurada" e "Metodología" Cortázar faz um panorama de como pretende seguir com a obra e estabelece alguns de seus pressupostos. Sobretudo, ele anuncia desde já a relevância que tem, para ele, o uso livre das citações de outros autores e a diferença que faz entre este uso e o acadêmico. O hibridismo de gênero que marca o Imagen é também uma característica que os críticos apontam como central na obra de Cortázar. Partindo dos poemas, das cartas e de uma extensa leitura da fortuna crítica sobre John Keats, o jovem Cortázar desenha um primeiro projeto de destruição do texto.
Palavras-chave: Literatura latino-americana; Ensaio; Poesia; Biografia.
Esta apresentação propõe uma análise da novela Autogol (2017), do escritor colombiano Ricardo Silva Romero, investigando as relações entre voz, violência, futebol e literatura. O livro conta a história de Pepe Calderón Tovar, comentarista de futebol que perde a voz ao vivo durante a transmissão do jogo entre Colômbia e Estados Unidos na Copa do Mundo de 1994. Além de consumar a desclassificação do escrete sulamericano, esta partida tornou-se famosa por seu trágico desfecho: o assassinato do zagueiro André Escobar (autor do fatídico gol contra) por Humberto Muñoz Castro (motorista e segurança dos irmãos Gallón, chefes do cartel de Medellín). Partindo deste caso real, Autogol mistura ficção e relato histórico, destrinchando as conexões entre o futebol e os cartéis de narcotráfico nos anos 90. Durante as quase 400 páginas, escritas em primeira pessoa como uma espécie de autobiografia, acompanhamos Pepe Calderon planejar e tentar levar às últimas consequências o assassinato de Escobar. O romance, assim, gira em torno da ausência da voz e da morte iminente de Escobar, contrapondo-se à verborragia e ao excesso de fala que tornam o futebol, na acepção de Juan Villoro (2014), um “assunto de palavras”. Um desdobramento dessa tensão entre voz e silêncio se manifesta no uso recorrente da canção Grito Vagabundo (composta por Buenaventura Díaz Ospino e imortalizada na voz de Guillermo Buitrago) ao longo da narrativa. Finalmente, considerando os trânsitos entre a literatura sobre futebol e as poéticas produzidas no e pelo campo esportivo, a pesquisadora propõe um estudo comparado entre o romance e dois cantos de torcida que também tematizam o assassinato de Escobar: um deles do Atlético Nacional (Medellín) e outro do rival, Millonario (Bogotá). Em termos bibliográficos, a apresentação coteja os postulados teóricos de Mladen Dolar (2014), em especial o livro A voice and nothing more, e o capítulo “A literatura no segredo”, de Jacques Derrida (2013).
Palavras-chave: Literatura latinoamericana; Futebol; Voz; Violência.