Quando: Quinta-feira, 6/11 — 15h-17h
Onde: Sala 24 da Sociais
Mediação: Fábio de Souza Andrade (DTLLC)
O romance Outros Cantos, de Maria Valéria Rezende, entrelaça memória, política e literatura ao narrar a trajetória de Maria, professora aposentada que retorna ao sertão onde atuara como educadora popular durante a ditadura militar. A viagem, motivada por uma palestra a trabalhadores rurais, desperta lembranças de sua juventude em Olho d’Água, quando buscava semear ideais revolucionários por meio da educação. O movimento de rememorar articula dimensões pessoais e coletivas, trazendo à tona tanto a experiência individual da protagonista quanto a violência estrutural do regime. Nesse processo, o romance mobiliza a metáfora do fio e da tecelagem: símbolo do trabalho de memória, da resistência e da própria vida comunitária do vilarejo, sustentada pela confecção de redes. O ato de tecer, que envolve do tingimento à urdidura, ecoa na prática narrativa de Maria, que aprende com os moradores e, ao mesmo tempo, compartilha suas histórias. Essa troca remete à concepção benjaminiana da narração como forma de transmissão enraizada na experiência. A figura de Maria aproxima-se das personagens míticas Penélope e Ariadne, mulheres que manipulam fios para transformar o destino. Assim como elas, a protagonista utiliza a palavra e a educação como instrumentos de resistência ao autoritarismo. Contudo, a violência do regime rompe a trama: a morte de Antônio, companheiro militante das Ligas Camponesas, desfaz os projetos coletivos e obriga Maria a fugir, deixando para trás lembranças e símbolos de sua luta. O relato entrecortado e hesitante da narradora reflete a própria experiência do trauma, marcada por perdas, silêncios e fraturas. Embora não tenha sofrido diretamente a violência física, Maria partilha da desilusão e da dor de toda uma geração cujos sonhos foram interrompidos pela repressão. Resta-lhe apenas a revisitação mnêmica, que, embora não restitua a utopia, permite ressignificar o vivido e realizar o trabalho do luto. Assim, Outros Cantos constrói uma reflexão sobre a ditadura e suas marcas, articulando memória individual e coletiva, resistência e desilusão. Ao mobilizar o simbolismo do fio e da tecelagem, o romance propõe a narrativa como espaço de elaboração e de resistência frente à violência e à perda.
Palavras chave: Memória; Tessitura; Trauma.
Houve um aumento, nos últimos trinta e cinco anos, no número de romances distópicos. As distopias comumente têm por objetivo problematizar questões contemporâneas, aumentando sua magnitude, evidenciando as fissuras na estrutura da sociedade, delineando realidades descontinuas em relação a realidade empírica contemporânea. Esses romances sem dúvida forçaram uma compreensão renovada dos conceitos de utopia e distopia. Este artigo busca analisar as formas como essa nova forma de literatura utópica/distópica é explorada em Filhos da Esperança (1992) de P. D. James e sua adaptação para o filme homônimo (2006) dirigido por Alfonso Cuarón. Na obra literária e sua adaptação verificamos que embora a humanidade esteja iminentemente em risco de extinção e que nessas circunstâncias cada vida deveria assim ser considerada mais indispensável e preciosa, seu valor é mais relativizado, e cada um se vê numa posição extremamente vulnerável. Tanto o romance quanto o filme compartilham a mesma premissa, imaginando um mundo futuro em que a reprodução humana não seja mais possível; no entanto, cada um deles lida com preocupações ideológicas e políticas drasticamente diferentes. Esta fala baseia-se na leitura de diferentes textos e considera a adaptação tanto como um produto e um processo, analisando representação, especificidade do meio, gênero e política, bem como questões de produção e recepção.
Palavras chave: Distopia; Extinção; Filhos da Esperança; Alfonso Cuarón; Adaptação.
Em Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, obra marcada pela multiplicidade de pontos de vista acerca dos mais variados temas, assuntos e tópicos, interpreta-se a atitude do poeta diante da arte do objeto chamada poesia. “Poesia” surge como resultado do conflito, do impasse e da contradição performativa, que serão aqui comentados. Assim, ao expor algumas cisões e resoluções fundadas a partir da relação do eu-poeta com o impasse, reflete-se como a contradição performativa da enunciação poética elabora um texto no qual se afirma e se nega, num mesmo espaço, a tradução irônica e destrutiva que domina a obra.
Palavras chave: Alguma Poesia; Carlos Drummond de Andrade; Contradição performativa; Poesia.