Quando: Segunda-feira, 3/11 — 17h-19h
Onde: Sala 24 da Sociais
Mediação: Rita Loiola (egressa)
A apresentação toma o tema da 36ª Bienal de São Paulo, “Nem todo viandante anda estradas”, de Conceição Evaristo, para refletir trajetórias não mapeadas pelo mainstream, cujos enunciados exigem uma nova atenção, tempo e abertura para o inaudito. A curadoria de Bonaventure Soh Bejeng Ndikung ao limitar instâncias de mediação, preserva-as em sua oralidade, envolvendo educadores que, sem funções performativas pré-determinadas, são capazes de manter uma teatralidade coletiva. Partimos da apropriação do canto em instalações como Cosmococas (1973), de Hélio Oiticica e Neville D'Almeida, Ão, de Tunga, de (1981), e Terremoto Santo (2017), de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, intuindo que, nessas obras, ao lado de uma desmaterialização do suporte tradicional, ocorra o que Adorno chamou de "fetichização da música", transformando conteúdos originalmente "extra diegéticos", em incidentais, e estabelecendo uma teatralidade ambivalente baseada na livre participação e na tendência a um insidioso "restauro do belo natural", prenunciado por Agamben em seu primeiro livro de ensaios. Buscamos demonstrar, então, como, a partir da década de 1980, juntamente com o processo de reabertura política, a assimilação de modelos culturais de maior prestígio deixou de estar mediada, como na Nova Figuração, exclusivamente por uma visada crítica e se reconstitui em vertentes como a de Ivens Machado e Tunga, na edição de 1987, em que a teatralidade proposta já nos textos de apresentação das obras instaurava um caráter excessivo, hiperbólico, de um erotismo transgressivo que extrapolava quaisquer parâmetros de "acabamento" exigidos pelo mercado ou pela inteligência crítica da época. Por fim, abordamos transformações nas diretrizes curatoriais da Bienal, durante a gestão de Edemar Cid Ferreira, quando, sob o pretexto de uma maior internacionalização da arte brasileira, passaram a se articular curadorias com orçamentos superdimensionados, introduzindo demandas institucionais e mercadológicas alheias a um contexto local rico e insipiente - como dá a entender a videoinstalação “Reporting From São Paulo: I'm from the USA”, de Andrea Fraser, comissionada para a edição de 1998, só instalada, em 2021, na 34ª Bienal. As investigações se estendem à leitura de obras que tematizaram, em edições recentes da mostra, violência de estado e violência manicomial, aproximações entre instalações como "Montando a história da vida", de Castiel Vitorino Brasileiro, e processos de comissões para preservação de “centros clandestinos de detenção, tortura, desaparecimento e extermínio”, na Argentina e no Brasil.
Palavras-chave: Teatralidade; Oralidade; Canto; Literatura; Instalação.
"Carta ao velho mundo", uma das obras mais célebres do artista macuxi Jaider Esbell, tem como matéria-prima um livro de história da arte ocidental, encontrado casualmente em um sebo de alguma cidade do Nordeste brasileiro. Em suas quatrocentas páginas, que reproduzem detalhes de telas e descrevem 168 pinturas, Esbell intervém desenhando e escrevendo, sobrescrevendo tanto o verbal quanto o visual. A antiga "Galeria Delta de Pintura Universal", de Valsecchi, ganha novo título, novo gênero e novo destino: torna-se uma “carta” endereçada à Europa, entregue durante uma performance em uma agência do banco UBS em Grenoble, na Suíça. O livro, esquecido em um sebo, é reatualizado por Jaider e transformado em obra de arte visual e performática, integrando a 34ª Bienal de São Paulo – Faz escuro mas eu canto. Ainda em 2021, foi vendido para o Centro Georges Pompidou, para onde viajou em 2023, com a finalidade compor a coleção de arte do renomado museu. Em diálogo constante com o material original, o pincel Posca do artista não prevê o seu apagamento (afinal, apagar o outro é também apagar a violência por ele causada), mas o tem como destinatário. Ao devorar essa coletânea de arte ocidental (que se propõe universal), Jaider realiza um exercício de alteridade radical, reconhecendo o espaço da diferença, a constituição de outros eus possíveis. Para pensar essa antropofagia gráfica, recorremos a Viveiros de Castro, que, ao refletir sobre a logomaquia que antecede o rito antropofágico, a relaciona ao tempo. Na lógica da vingança, quem está para morrer já está vingado, pois quem mata será comido; tal “dupla interminabilidade” faz da vingança antropofágica não uma máquina de abolir o tempo, “mas uma máquina de produzi-lo, e de viajar nele (o que talvez seja o único modo de realmente aboli-lo)” (Viveiros de Castro, 2002, p. 240). Desta maneira, a viagem no tempo possibilitada por essa vingança do macuxi contra o europeu, o habitante do velho mundo, é o que possibilita o exercício de escovar a história a contrapelo, escapando da ideia de um tempo vazio e homogêneo (Benjamin, 1994). A criação de Jaider, além de promover uma viagem geográfica, entre espaços e circuitos de prestígio – do sebo ao museu –, rompe a linearidade temporal, instaurando uma experiência de deslocamento e recomposição (ou decomposição) do tempo.
Palavras-chave: Jaider Esbell; Arte Indígena Contemporânea; Temporalidades.
Obras consideradas fundamentais para a cultura literária brasileira, Iracema e Macunaíma trazem o índio; entenda-se bem, não trato de um indígena ou um representante dos povos originários, para o centro da narrativa. Tanto uma narrativa quanto outra, ao seu modo e estilo próprio, opera a produção literária como instrumento dos processos de “transformação” da sociedade; de confirmação de uma identidade nacional; da necessidade da autoafirmação. Inventando-se e reinventando-se; entre virgens e heróis, a escrita, como forma de tradução de anseios e do projeto de e para uma nação foi sendo construída e reconstruída com a dinâmica de uma máquina que avança orientada pelos espelhos retrovisores; avança, se avança, pausada e trôpega: excludente. Construída e saudada por um determinado leitor e por um leitor determinado. Talvez não seja a Literatura que esteja falida; mas, sim, um modo passadista de construção da memória literária; memória esta que vem sendo questionada pelos que, outrora excluídos dos direitos de cidadania, e dos processos de formação da literatura, vêm, não para abrir, mas para forçar as estruturas que as prescrições da academia, transformadas em objeto do mercado, recusava-lhes. Conceição Evaristo não abriu as portas; mas, com a palavra poética de suas escrevivências, arrombou-as.
Palavras-chave: Conceição Evaristo; Escrevivências; Macunaíma; Iracema; Formação da Literatura.