Quando: Quinta-feira, 6/11 — 13h-15h
Onde: Sala 24 da Sociais
Mediação: Maria Nilda de Carvalho Mota (IEB)
A obra “Assentamento” (2013), da artista afro-brasileira Rosana Paulino, é uma análise da subversão do arquivo colonial e uma reescrita da história da diáspora negra. A artista confronta diretamente o legado de Louis Agassiz (1807-1873), cientista suíço-americano conhecido por suas teorias racistas. Em meados do século XIX, Agassiz encomendou fotografias de pessoas escravizadas no Brasil (Rio de Janeiro e Manaus) para validar o racismo científico, criando imagens que desumanizavam os indivíduos. Paulino utiliza essas fotografias do arquivo de Agassiz para intervir, expandindo e fragmentando as imagens originais para, em seguida, suturar e reescrever as narrativas. Seus trabalhos operam como uma visualização do trauma, não como um evento psíquico isolado, mas como uma estrutura histórica. A imagem que ela constrói é de um corpo fragmentado pela violência histórica, que, embora em pé, permanece suturado e reconfigurado. Ao intervir no suporte do arquivo, a artista subverte o olhar colonial que se pretendia científico, atribuindo novos significados aos corpos retratados. A escolha de materiais como tecido, linha e costura não é meramente estética. Como afirma a própria artista, "Esses materiais remetem ao universo do trabalho feminino, da manualidade, da domesticidade, lugares socialmente atribuídos às mulheres negras no Brasil" (Paulino, 2017). Ao utilizar esses elementos para construir corpos fragmentados, a artista explicita a impossibilidade de uma "recomposição" total da história. A obra de Paulino dialoga com a fabulação crítica de Saidiya Hartman (2021), que busca dar forma ao que não pode ser documentado. Da mesma forma, Paulino mobiliza o recurso visual para lidar com a ausência de imagens ou reescrever as que foram sequestradas pelo regime colonial. A artista resgata esses indivíduos do anonimato, subvertendo a narrativa dominante e propondo uma nova forma de ver o passado.
Palavras chave: Rosana Paulino; Louis Agassiz; Racismo Científico; Arquivos; Fabulação.
Tomamos por objeto a literatura carcerária, aquela que versa sobre o cárcere, escrita por autores que possuem diferentes relações com a cadeia. Inicialmente mapeamos e demarcamos as tensões institucionais do carcerário na literatura e, a fim de conceitualizá-la, lidamos com a amplitude do corpus, constituído de escritos sobre, durante e após a prisão: quando os autores estavam presos (Submundo: cadernos de um penitenciário e Pacto de Bocapiu); depois de soltos (Memórias do Cárcere e Diário de um Detento: o livro); os textos em que o cárcere tem um papel preciso na estrutura narrativa (Na colônia penal ou Bartleby: o escrevente); e os que derivam do conflito com a lei (Críton ou Diário de Guantánamo). Partindo do pressuposto de que a cadeia é um ponto de inflexão quando cruza a vida de alguém, num segundo momento da pesquisa, mergulharemos nas histórias de vida tomadas enquanto literatura, observando como a lógica narrativa é afetada quando tem suas linhas interceptadas pela cadeia, aproximando literatura e vida, destino-enredo. Nesse sentido, interessa-nos olhar para as possibilidades narrativas de quem teve sua história cruzada pelo sistema de justiça, pois observamos que quando as linhas da prisão interceptam a vida de alguém, algumas possibilidades são mais comuns: a conversão religiosa, o mundo do crime e/ou das facções – nessas tramas destacam-se arquétipos como o herói/bandido, a exemplo de Hiroito em A Boca do Lixo; o louco, como Febrônio, autor de Revelações do Príncipe do Fogo; ou os sobreviventes, como Vera Tereza de Jesus em Ela e a Reclusão, e o professor Roberto da Silva em Os Filhos do Governo. Assumimos aqui que a prisão produz formas de saber, poder, subjetividades e, portanto, literatura. Por fim, aproximando literatura e cadeia, investigamos a conexão dessas instituições quando mediada pela educação, no caso da remição de pena por leitura – explorando a promiscuidade entre escrita e leitura nas prisões. Da mesma forma, investigaremos os objetos, cadeia e literatura, a partir de seus estudos críticos e teóricos, pensando em problemáticas comuns que ambas enfrentam: a consistência de seus objetos (hermético ou poroso); seus mitos fundantes (ressocialização, dom; criminoso, autor) e a crise como prerrogativa da existência na Modernidade. Assim, propomos uma fricção na oposição fundamental entre realidade e ficção na sua ampla significação e, no limite, uma discussão entre teoria e prática, forma e conteúdo.
Palavras chave: Literatura carcerária; Presos escritores; Remição por leitura; Crítica literária; Prisão.
Quarto de Despejo é um texto literário? A pergunta já aparece no prefácio de 1960. Dois conceitos de Jakobson fundamentam a análise desse corpus com o objetivo de demonstrar suas qualidades literárias: I – Função Poética: o texto literário é aquele que apresenta uma forma marcada por recursos expressivos gerando efeitos estéticos; II – Literariedade: “O objeto da ciência da literatura não é a literatura, mas a literariedade, isto é, o que faz de uma obra uma obra literária (1960)”. Segundo Gottlieb, foi preciso, portanto, que o conceito de literatura [a partir da literariedade] “conhecesse uma bem-vinda pluralização”, para que os ‘estudos sobre cartas’” e outros gêneros fossem considerados em seus elementos intrínsecos (2000). A análise do diário em close reading revela: organização literária (tempo circular); configuração alegórica de um espaço (cidade-casa, favela-quarto de despejo); figuras de linguagem (metáforas, ironias e elipses); pastiche e intertexto; traço estilístico recorrente; linguagem própria e frequente metatexto (o diário também narra a história do diário). Constata, ademais, que o livro atende algumas funções da literatura propostas por Antonio Candido em “O Direito à Literatura”: a visão subjetiva (nos pensamentos e no impacto do real refletido na consciência), mesmo com cenas realistas, leva o gênero a cruzar fronteiras na direção de uma realidade ficcional; essa visão subjetiva da ordem social questiona a visão de mundo do leitor. Assim afirma a literariedade dessa obra que, sem um elevado número de recursos expressivos (na função poética), também se aproxima do literário através das funções da literatura. No pensamento da historiadora Beatriz Nascimento, do quilombo histórico surge uma abstração na qual o quilombo é um símbolo de resistência. A principal alegoria do diário trata da relação entre a cidade (casa) e a favela (quarto de despejo). No seu quarto-quilombo, Carolina resiste à fome, às relações de poder (política), ao racismo e à desigualdade social. Seu diário registra que a escravidão não terminou pois os negros seguem “escravos do custo de vida”. Sua narrativa (com pastiches do Romantismo Europeu) é um livro-instrumento de luta através do qual Carolina deseja a liberdade. Assim a forma de um gênero lateral, que é reelaborada por uma autora negra em face de gêneros canônicos, em Quarto de Despejo, sugere que as margens (os países na periferia do capitalismo) são um lugar de resistência a uma importação de relações de trabalho desiguais e de resistência a uma importação simplista da cultura europeia.
Palavras-chave: Quarto de Despejo; Carolina de Jesus; Diário; Literariedade; Escritoras negras.
Este trabalho se propõe a analisar aspectos do documentário Aprender a Sonhar, dirigido por Vitor Rocha, no qual se encontram registradas as dificuldades inerentes à entrada de estudantes periféricos, negros e quilombolas na Universidade Federal da Bahia, que aqui serve como sintoma e exemplo de mecanismos e estruturas que orientam os processos formativos das universidades públicas nacionais. Para isso, este texto se guia por três direções: 1) a contradição existente nos dados de ingresso e abandono dos estudos, mesclando formas de inclusão e exclusão na profundidade das relações estabelecidas no meio acadêmico; 2) as novas configurações ditas e estabelecidas ao campo educacional, em especial após o advento de reformas como a do Novo Ensino Médio, que marca a completa entrega de eixos formativos às políticas neoliberais de governo, guiadas por jargões de mercado mascarados em roupagens psicologicamente infundadas e aparentemente participativas e emancipatórias; e 3) o estabelecimento de algumas relações possíveis com a obra mais recente do escritor Jeferson Tenório, intitulada De onde eles vêm, finalista do Prêmio Jabuti deste ano de 2025. Sem a pretensão de oferecer respostas a um processo social que se encontra em desenvolvimento e disputa, o objetivo principal deste trabalho é o de escancarar contradições – em especial, aquelas que se referem à ideia de cânone e a processos de branqueamento do meio acadêmico, tal como outrora descritos por Lélia González –, em prol do resgate e estabelecimento de formas possíveis de sonho e vida.
Palavras chave: Educação; Inclusão; Violência; Cânone; Branqueamento.