Quando: Segunda-feira, 3/11 — 13h-15h
Onde: Sala 24 da Sociais
Mediação: Samuel Titan (DTLLC)
Publicado em 1924, o ensaio “O intervalo” (Промежуток), de Iúri Tyniánov, constitui uma reflexão decisiva sobre o estatuto da literatura em momentos de instabilidade do sistema literário. O crítico escreve num contexto em que a tradição poética russa do século XIX já havia perdido sua força e as vanguardas modernas haviam se dissolvido, deixando a poesia em um espaço de transição — o “intervalo” — no qual o antigo já não se sustentava e o novo ainda não havia se consolidado. No centro de sua argumentação, Tyniánov critica a inércia literária, isto é, a tendência de poetas e leitores a se apoiarem em convenções formais ou temáticas esvaziadas de vitalidade. Para ele, o desafio do intervalo é justamente que os elementos herdados não oferecem mais garantias, enquanto as novas soluções ainda não conquistaram legitimidade. Nesse cenário, a personalidade do autor pode sobrepor-se ao verso, ou o tema impor-se de modo excessivo, reduzindo o poema a mero veículo de mensagem. No entanto, o mesmo intervalo abre caminho para experimentações decisivas: renovação da entonação, reconfiguração da relação entre palavra e objeto, e exploração do choque entre linguagem poética e realidade cotidiana. Assim, o “intervalo” não é apenas um impasse criativo, mas também um desafio hermenêutico da crítica, que precisa rever seus modos de operação diante da instabilidade. E, uma vez que, o resultado da crise é a mudança no quadro literário, com ela também se transforma o aparato teórico que o crítico mobiliza. A proposta de Tyniánov ultrapassa, portanto, a descrição de um momento histórico da literatura russa e oferece um modelo de compreensão das rupturas literárias em geral. Seu ensaio ilumina a dialética entre tradição e inovação, entre desgaste das formas e busca por novas configurações, evidenciando a literatura como processo em constante transformação. Mais do que um diagnóstico do pós-vanguarda, “O intervalo” nos convida a pensar os momentos de suspensão e passagem em que tanto autores quanto leitores e críticos são chamados a reconhecer a historicidade das formas e repensar seus instrumentos de análise.
Palavras-chave: Iúri Tyniánov; Intervalo; Sistema literário; Tradição e inovação
A literatura russa do século XIX foi atravessada por uma série de disputas ideológicas e estéticas, cujo eixo é a relação cultural complexa entre Rússia e Europa — traduzida numa profunda crise de identidade que, no fim, não impediu que o ocidente continuasse a influenciar a cultura e a literatura na Rússia. Não diferentemente, a virada do século foi marcada pela crescente influência do simbolismo francês em suas tendências e polêmicas, até o momento em que o simbolismo russo tomou “vida própria”, sendo complementado por uma visão filosófica e religiosa distintamente russa que lhe deu novas bases. Óssip Mandelstam inicia sua atividade quando a visão de mundo propagada pelos simbolistas russos começou a ser questionada pelos acmeístas e, nos primeiros anos de seu trabalho, combateu o transcendentalismo e a excessiva abstração dos seus antecessores. No lugar disso, ele propôs uma poesia que valorizasse a experiência concreta dos sujeitos e o legado cultural no mundo, o que se converteria na máxima definidora do seu movimento e do seu projeto poético: “o acmeísmo é a nostalgia pela cultura mundial”. Considerando a somatória do seu trabalho, ler Mandelstam é entrar em contato com uma voz preocupada com o diálogo, capaz de materializar a voz do interlocutor em sua própria voz e defender o seu ponto de vista, por meio da arte, de forma quase esportiva, como apontou seu contemporâneo Boris Eikhenbaum. O poeta judeu e polonês, considerado por Iuri Tinianov um “forasteiro” e escanteado pelas vanguardas, chega até nós como o talentoso mártir que bateu de frente com o despotismo de Stalin, sendo hoje um dos autores mais lidos e estudados da Rússia. Por meio de uma leitura de seu poema “Tristia” pretendo discutir as transformações e flutuações estilísticas no que concernem a: 1 — os preceitos e as linhas de força estéticas do acmeísmo; 2 — o classicismo (particularidades e desdobramentos) na sua poesia; 3 — a experiência subjetiva do conflito político; 4 — a defesa da cultura em face da sua crise; 5 — o problema formal e ideológico do subtexto e sua articulação retórica, com o propósito de discutir o contexto e o lugar de sua obra na literatura da Rússia, e como seu projeto poético abriu caminhos e meios de se conciliar a influência estrangeira na produção de um material novo e autônomo.
Palavras-chave: Literatura Russa; Poesia Russa; Estilística.
Esta comunicação analisa o academic novel Pnin (1957), de Vladimir Nabokov, à luz da experiência do exílio e das consequências traumáticas que essa condição impõe à trajetória fragmentada do protagonista, o professor russo Timofey Pnin. Partindo da figura do intelectual europeu deslocado no pós-guerra — o outcast inserido no ambiente universitário norte-americano, conforme delineado por Edward Said —, busca-se evidenciar como a comicidade que permeia as desventuras de Pnin encobre uma profunda melancolia e o trauma de um duplo exílio. Esses aspectos, intensificados pela inaptidão linguística e pela marginalização social da personagem em sua nova realidade, serão discutidos à luz das reflexões de Theodor W. Adorno e Joseph Brodsky. Sustenta-se a hipótese de que a História e a dor são elementos estruturantes da narrativa, manifestando-se através das crises alucinatórias do protagonista, e de que Pnin, ao resistir à mediocridade intelectual que o cerca e ao afirmar que “the history of man is the history of pain”, converte-se em metonímia do sofrimento humano na modernidade.
Palavras-chave: Nabokov; Pnin; Academic Novel; Exílio; Memória.