Quando: Sexta-feira, 7/11 — 15h-17h
Onde: Sala 172 da Letras
Mediação: Fernando Viotti (DTLLC)
Em Pompas fúnebres (1947), o narrador Jean Genet declara ser o túmulo de Jean Decarnin, seu amante morto durante a Ocupação de Paris, e apresenta um trabalho de luto que se assemelha ao processo digestivo: Genet ora busca incorporar o amante, prolongando a relação amorosa, ora deseja destruí-lo e, por fim, metamorfoseá-lo. O túmulo emerge, assim, como imagem crítica que perpassa toda a narrativa em suas múltiplas dimensões, seja como túmulo de Decarnin, que se manifesta sob a forma de diferentes objetos, seja como signo da morte em consonância com o tempo fúnebre da guerra. Se o objetivo confesso do romance é a decomposição do amante, a síntese do corpo morto, o que resta de Decarnin no interior do túmulo e quais seriam os fins de uma imagem literária? Recorrendo ao trabalho de autores como Jean-Luc Nancy, Octavio Paz e Paul Ricoeur, este seminário busca investigar as particularidades do túmulo enquanto imagem de caráter especular, pois espelha a morte e especula sobre a própria natureza da imagem literária.
Palavras-chave: Túmulo; Morte; Fim; Imagem literária; Jean Genet.
A comunicação propõe uma leitura da seção III de “Burnt Norton”, o primeiro dos Quatro Quartetos de T. S. Eliot, publicado em 1936. Partimos da força estruturante da justaposição que liga duas formas de experiência no poema. Por um lado, verifica-se um momento referencial, baseado na representação de elementos da realidade objetiva, vistas de um ângulo em que predomina a fragmentação da personalidade e a má-universalidade de uma integração social conforme a mercadoria. Assim, enfatizaremos a reprodução da lógica espacial da metrópole londrina, focalizada no poema a partir de um dado básico de seu cotidiano: a viagem de metrô. Por outro lado, dentro da estrutura de montagem criada no texto, Eliot coloca essa forma de experimentar o tempo e a subjetividade, existente na realidade objetiva, em relação com outro conteúdo, vindo de uma esfera muito remota: a tradição literária cristã. Esse segundo movimento supõe a retomada do legado cultural, atualizando a temática religiosa para o contexto urbano de uma sociedade pós-industrial. O efeito global da passagem, procura-se mostrar, dependeria do contraste entre uma forma de autoanulação sentida como desumana e uma segunda forma em que a inatividade adquire valor positivo. “Burnt Norton” pareceria então expor o leitor a uma constante tensão dialética entre o momento “realista” da composição e uma estrutura de montagem na qual o sentido é determinado pelas relações construídas entre elementos descontextualizados e modificados por sua inclusão em um novo contexto. A partir da análise do poema, procura-se aventar a hipótese de que os Quatro Quartetos buscam questionar as condições sociais e culturais que representam ao envolver o leitor em práticas simbólicas que antecipariam práticas sociais e culturais alternativas – face didática do poema, a investigar e compreender. Trata-se de sugerir que o modo de construção do sentido no poema de Eliot supõe um regime temporal contraditório: o poema busca produzir um sentimento de comunidade e construir uma partilha de significações comuns que estão sempre, por assim dizer, num estado de vir-a-ser. A reconciliação entre o autor e o público aparece como ponto de chegada, e não como ponto de partida, da criação artística.
Palavras-chave: Modernismo; Modernidade; Parataxe; Literatura e sociedade; Didática.
Esta comunicação propõe uma leitura de uma espécie de "trindade modernista", composta ainda de forma irregular, por Adalgisa Nery, Ismael Nery e Murilo Mendes, para examinar as conexões entre vanguarda estética e espiritualidade católica no Brasil dos anos trinta. Mantém-se uma hipótese central: de que a configuração trata da preocupação com o questionamento da representação e a recusa ao puramente visível, colocando o eixo de uma afinidade eletiva para um núcleo biográfico, afetivo e estético. Esta trindade fortalece o substrato surrealista como chave de leitura. Ismael Nery permanece como o ponto de origem, o artista-filósofo, cujas telas e poemas já investigam uma realidade para além da forma. Murilo Mendes, por sua vez, atua como o articulador teórico, construindo a ponte explícita entre o automatismo psíquico do Surrealismo e a experiência mística do Catolicismo. A grande inflexão ocorre com Adalgisa Nery, que representa a encarnação visceral dessa busca. Em sua obra, a recusa ao visível não é um programa estético, mas uma condição existencial, expressa através da dor, do desejo e da angústia. Nesse arranjo, o conceito de "ícone" é ressignificado. Ele transcende a imagem do corpo de Cristo para se manifestar no próprio corpo poético, especialmente o feminino sofredor [de Adalgisa], que se torna um portal para uma verdade não visível, uma revelação carnal e subjetiva. A análise demonstra, assim, como a poética do invisível se desdobra em um drama estético e biográfico, onde o corpo se afirma como o lugar privilegiado de uma transcendência imanente, consolidando uma das mais potentes e coesas constelações da modernidade brasileira.
Palavras-chave: Catolicismo; Modernismo; Adalgisa Nery; Vanguardas; Representação.