Quando: Sexta-feira, 7/11 — 13h-15h
Onde: Sala 172 da Letras
Mediação: Renan Nuernberger (DTLLC)
O trabalho propõe uma análise dos reincidentes diálogos entre o projeto poético e a produção crítica de Sebastião Uchoa Leite. A partir do exame atento de certas correspondências e aproximações entre a escrita de poesia e o exercício crítico — sem, contudo, ignorar seus aspectos específicos —, o objetivo é enfatizar os variados modos com que determinados motivos, temáticas e procedimentos por ele cultivados perpassam e acompanham ambas as dimensões de sua obra, destacando como seus ensaios críticos podem auxiliar no esclarecimento de sua poesia e vice-versa. Como eixo central, explora-se a opção de Uchoa Leite por analisar construções artísticas em certo sentido afins à sua própria postura estética, estabelecendo pontos de contato significativos entre seus poemas e as obras que comenta em sua ensaística. Sem pretender discorrer sobre todas as questões analíticas do crítico e sobre todo o universo criador do poeta, focaliza-se, aqui, algumas ponderações de Sebastião acerca da trajetória poética do alemão Christian Morgenstern (1871 - 1914), do qual foi também tradutor. Através do exame do texto “No planeta de Morgenstern”, de Crítica clandestina (1986), chama-se atenção para o paralelismo entre a poesia de Uchoa Leite, ancorada no signo da dessacralização irônica e do sarcasmo, e as afirmações críticas acerca do autor de Jogo da forca (2024), o qual, nos termos de Sebastião, além de não se enganar com o olhar poetizante de tonalidades graves e convencionais, soube, muitas vezes, tirar proveito de modos retóricos menos rebuscados e enfáticos, como indicam as evocações humoradas, oscilantes e grotescas de poemas como “As placas” e “O joelho”. Com efeito, ao falar da recusa ao intimismo sentimental e grandiloquente, a propósito de Christian Morgenstern, é de si mesmo que Sebastião Uchoa Leite parece falar.
Palavras chave: Sebastião Uchoa Leite; Poesia brasileira contemporânea; Crítica de poesia; Christian Morgenstern.
Pretende-se investigar como o Tropicalismo, ao promover um deslocamento produtivo das contradições modernistas para um outro meio – a canção popular –, redimensiona as tensões estético-ideológicas das vanguardas históricas no Brasil. Isto é, se admitimos que a vanguarda se torna para nós menos um momento autônomo da história literária recente do que o nome de uma das versões daquilo que quer dizer “modernidade”, é preciso então reconhecê-la como um discurso simultaneamente poético e político cujos valores, ao reivindicarem um modelo de moderno, lançam uma interpretação interessada do passado e disputam com os contemporâneos a hegemonia do campo artístico de que participam. Atualizando, em escala industrial, as rivalidades que a vanguarda desencadeia em torno do conceito de poesia, o movimento encabeçado em 1967 pelos baianos, ao relativizar no interior da forma-canção a aparente dicotomia entre constrição e liberdade, lei e arbítrio, ordem e desordem, propõe uma alternativa artística que, movida concomitantemente por forma musical e força oral, opera menos pela exclusão do que pela sobreposição de elementos antagônicos. Nesse sentido, em vez de optar esquematicamente entre escolas poéticas em conflito, a canção popular, a meu ver, realizaria, por meio da articulação entre regramento métrico e variação entoativa, uma síntese estética que revela a coexistência e a interdependência entre construção e espontaneidade e sugeriria, por conseguinte, uma leitura a contrapelo da historiografia tradicional da poesia brasileira moderna, segundo a qual, grosso modo, as práticas poéticas de fins do século XIX até hoje oscilam como um pêndulo mecânico entre o ensimesmamento da linguagem e a adesão à experiência, em cujo aborrecido vaivém opõem-se, conforme a versão modernista da modernidade, os parnasianos e a vanguarda, a participação de 1930 e a geração de 1945, o concretismo e o mimeógrafo. A lógica irresistível da malandragem, porém, não é necessariamente melhor. Fora da ordem e da desordem, ao mesmo tempo que é a expressão máxima da sua dialética, a canção MPB a que os tropicalistas se ligam configura na volubilidade rítmica com o verso sonoro a própria rítmica volúvel da realidade social da sua época, cristalizando, pela conciliação formal de contrários, os impasses históricos da modernidade no Brasil.
Palavras chave: Poesia; Canção; Ritmo; Modernismo; Tropicalismo.
A obra de Cacaso é, não sem razão, comumente associada ao humor, sobretudo pela exploração do trocadilho e troça com a tradição literária. Cabe ainda, porém, explorar o sorriso amarelo que o sustenta, encarando o quinhão de negatividade nele contido. Seu poema síntese “célula mater” explicita bem a questão em pleno contexto da anistia: “unidos/ perderemos”. Mar de mineiro, 1982, último conjunto de inéditos publicado por Cacaso em vida, é marcado pelo mal estar. Em continuidade ao que já esboçava em Na corda bamba, 1978, o autor explora a recusa ao futuro como temporalidade progressiva, expressando-o em imagens de bloqueio e paralisia. A melancolia da abertura lenta, gradual e segura impregna também as figurações populares, expondo seu possível caráter ideológico já presente no antigo repertório nacional-popular. Há, assim, um sujeito poético sem propostas para o que há de vir e reavaliando negativamente o que já passou. Desses destroços, retira sua verve mais ou menos cômica, a ver em cada poema. A presente comunicação tem como objetivo averiguar a singularidade das imagens temporais e do repertório da vida rural em Mar de Mineiro, associando-a à matéria social emergente no período de redemocratização. Nossa hipótese é que há, na própria formalização, uma avaliação negativa do que se prospectava como realidade nacional naquela década.
Palavras chave: Poesia marginal; Abertura política; Ditadura militar; Cacaso.