Durval Filho
Data de publicação: 15/10/2002
O Córrego Segredo, sempre muito discreto, seguia seu rumo escorrendo suas lágrimas no leito que o aconchegava; trazia consigo uma revelação. Que seria?
Espalhou-se por todo o arraial de Sto. Antônio de Campo Grande que o Córrego Segredo sabia prever o futuro. Ele estava um pouco triste. O que seria?
Um antigo amigo do Segredo, o Córrego Prosa, muito falador e atrevido, dizia sem modéstia que descobriria o motivo do colega andar meio-alegre/meio-triste. O seu plano era infalível: quando se encontrarem, seus líquidos pensamentos misturar-se-iam nos pensamentos líquidos do outro. Saberia então qual o mistério.
Ocorre que o esperto Segredo trazia seus pensamentos muito bem escondidos debaixo de uma pedra submersa no fundo do córrego. Foi quando o Prosa logo puxou conversa:
– Olá! Como vai, grande amigo? O que traz em seus braços para dividir comigo?
– Trago muitos peixes e água limpa para alimentar meu povo e a sua criação.
– Você sabia que eu também carrego na transparência de minha cor os peixes que suavizam a minha dor ? Vivem fazendo cócegas em minha barriga. Ah, ah, ai, ai! Ah, ah, ai, ai! Ah, ai, ai. Veja só esse lambari!
– Já até me acostumei com as travessuras da peixarada, jovem Prosa.
– Sim amigo, eu sei. Mas me diga, Segredo. O que se passa contigo? Vejo que está tão triste! Confie em mim e me conte. O que lhe aflige? O que você tem aí escondido debaixo dessas pedras?
– Alguns segredos me foram revelados: Sei que essa terra será grandiosa. Esse cerrado muita glória trará ao povo que aqui mora. O vilarejo crescerá um tanto que se eu contar, nem você acredita!
– E por que a aflição?
– Preocupo-me com nós dois, meu irmão. E mais, com esses travessos peixes e as árvores que sombreiam nosso leito. Preocupo-me com o Pantanal que nos abraça; com o Rio Taquari e o grande Rio Paraguai que com suas correntes dão vida a nossa vida, que tanto necessita dessas águas.
– Ainda não entendi, fala Segredo. O que lhe fora confiado pra você mostrar agora tanta preocupação?
– É cedo para eu dar o alarde; mas saiba, caro Prosa, que o homem com sua ganância destrói o que não deve. Derruba o arvoredo das nossas sombras e arranca as raízes que seguram nosso leito. Depois a terra desaba e nos enchem de areia. Tem mais, o tal do progresso faz com que joguem em nossas limpas águas até as suas merdas.
– Cruzes! que horror! que nojo !
– Quer saber mais ? Caso não preservem e respeitem a natureza, tudo que tem vida em volta de nós morrerá. Inclusive nossos amigos peixes, sapos e pequenos animais que vêm sempre nos visitar.
– Que história triste, isso tudo é invenção sua, você quer me assustar, seu malvado!
– Quisera não ter certeza, quisera ter realmente inventado. Vou-lhe contar até que ponto me fora revelado. Nosso futuro, infelizmente, está condenado. Nosso caixão será chamado canalização; um caixão de concreto. O que me preocupa mais é o cerrado, o Pantanal e seus grandes rios. Esses mesmos homens que nos matam não param de fazer filhos. Isso é um perigo! Não acha ?
– Grande perigo, irmão Segredo. O que faremos para mudar esse quadro ?
– Enquanto escorrer em nós o mínimo de vida, vamos denunciar e educar os jovens para que respeitem os córregos, rios e a natureza. Eles precisam saber que sem a água nada nessa terra sobrevive.
– Eu não vou perder tempo, vou aumentar minha Prosa. Vou convencer todo mundo da importância de se preservar a natureza em nossa volta. Não vou perder tempo. Adeus, amigo Segredo.
– Adeus não, iremos juntos exigir que parem de destruir o nosso belo cerrado que nos envolve. Dê-me a mão irmão e vamos já.
Somada à união desses dois irmãos córregos logo se juntou muita gente que até hoje lutam para que esse mundo seja cada vez mais limpo.
Amigos, não se envergonhem, juntem-se a eles também e comecem a luta sem armas, a luta da paz. Uma luta pela natureza que quer dizer: Uma luta por cada um de nós.
Durval Filho é professor, poeta e escritor
durvalgfilho@hotmail.com
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