Análise Crítica: Vou-me embora pra Pasárgada, Manuel Bandeira
Fonte: Blog Glamour Literário POSTADO POR MADAME LUMIÈRE
“Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias [...]. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. (Manuel Bandeira)
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa e demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
A evasão para uma outra realidade da diferente do poeta é uma das temáticas de “Vou-me embora pra Pasárgada”, poema de Manuel Bandeira em que o poeta busca uma espécie de paraíso para vivenciar os atos comuns da vida , os quais não puderem ser vivenciados devido à doença. Este poema tem um caráter biográfico a partir do momento que é influenciado pelas aspirações do poeta em buscar a felicidade, que foi impedida devido às dores pessoais. Pasárgada é uma alegoria do paraíso, representante do mito da felicidade no qual Manuel Bandeira tem liberdade de escolher a mulher que quer, na cama que desejar.
Novamente são dois extremos que são abordados pelo poeta: a realidade de dois mundos distintos, o presente e o imaginário; o que se nega e o que se deseja.
Um recurso utilizado neste poema é a intertextualidade; aqui utilizada em forma de paródia, burlesca. A retomada de um poema romântico com intenção sarcástica.
O poema aproxima-se de Canção de Exílio de Gonçalves Diasno sentido de oposição entre o cá e o lá, um cá hostil e um lá acolhedor; no entanto em Gonçalves Dias o poema corresponde a uma idealização do Brasil em oposição a Portugal, devido ao exílio. Bandeira constrói esta oposição entre cá e lá de modo a projetar um futuro que se torna real; uma Pasárgada construída em razão da necessidade de um espírito que busca liberdade e que também prega uma liberdade ao leitor, pois a Pasárgada apresenta – se desprovida de significado na língua. O significado vago permite que a imaginação crie um espaço psicologicamente ideal, livre de qualquer carga social.
A liberdade dada pelo poeta já é observada na primeira estrofe:
“Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei...”
Bandeira coloca o sofrimento de lado e resolver ser feliz, agindo inconseqüentemente, livre de obrigações. Neste reino, ele é amigo do rei e pode escolher aleatoriamente a mulher e a cama. Um das características da poesia de Manuel Bandeira é a manifestação do amor, do erotismo, da mulher, da beleza, do desejo que transcendem até mesmo o espiritual como no belo poema Arte de amar “... Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo/ Porque os corpos se entendem, mas as almas não”. A tônica forte do amor como ato físico, que dispensa até a interferência da alma que “... só em Deus (...) pode encontrar satisfação...” Em Vou –me embora pra Pasárgada, o amor e o desejo apresentam-se consideravelmente, despidos de qualquer inibição imposta pela sociedade. Bandeira pode escolher qualquer mulher e qualquer cama. O sexo aparece de forma liberada em oposição ao cerceamento causado pelos valores morais, religiosos e sociais. Na Pasárgada de Bandeira “... tem prostitutas bonitas para a gente namorar”. Neste paraíso, as imagens são colocadas de modo a delimitar o mundo que não traz felicidade ao poeta (“Aqui não sou feliz”) daquele na qual a“existência é uma aventura /de tal modo inconseqüente”.
Recomendo este livro de David Arrigucci Jr :
uma crítica literária à altura de sua inspiração Bandeirense
Este poema retoma elementos diversos da obra poética de Manuel Bandeira – como relatado por Davi Arrigucci “... o confessional, da memória biográfica; o poético-crítico, intelectual e imaginativo, a que não falta o caráter visionário ou onírico da consideração da poesia enquanto transe ou alumbramento – fundindo tudo numa forma especial de balanço de uma experiência poética”.[1]
Com relação à memória biográfica, Bandeira apresenta de forma latente o retorno à infância, que aparece no poema como tempos felizes, tempos no qual o poeta anda de bicicleta, monta em burro brabo, sobe no pau de sebo e toma banho de mar. A Pasárgada de Bandeira alinha todos os tipos de liberdade: a amorosa, a sexual e até mesmo a liberdade de voltar à infância. Considerando a vida de Manuel Bandeira e o convívio que o poeta teve com o tema da morte e da doença, que o fez até mesmo a abandonar os estudos; o poema retrata o tema da infância como um anseio de recuperar o tempo perdido, de reviver a ternura o mito que ficou arquivado na memória. A evasão é a recuperação da infância, pois a qualquer momento o poeta pode parar de brincar e chamar a mãe – d ´ água para lhe contar as historias da infância :
“... e quando tiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-dágua
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou – me embora pra Pasárgada
A nostalgia da infância é tema que ressurge sempre na poesia de Manuel Bandeira. Em poemas como “Profundamente”, “Evocação do Recife” e “Infância”, o poeta relembra os tempos de infância e a família. A oposição entre criança e adulto, tempo presente e tempo passado é reconstruída como modalidade de fuga, a ponto de se questionar que o tempo passado pode ter sido bem melhor que o tempo presente, por isso a necessidade de evasão e recuperação destes momentos.
O humor modernista e a retomada de termos tidos como“modernos” são empregados por Bandeira para caracterizar a completude do paraíso chamado Pasárgada. O poeta afirma que lá tem de tudo; uma civilização que tem até mesmo um processo seguro que evita a concepção e telefone automático; ou seja, elementos caracterizadores da vida moderna. A incorporação do cotidiano, tão freqüente no movimento modernista, é utilizada pelo poeta com grande carga poética. Manuel Bandeira é um dos poetas modernistas mais reconhecidos por ter uma temática capaz de transformar temas “triviais” em matéria – prima de sua obra poética.
“... o ideal da poética de Bandeira é o de uma mescla estilística inovadora e moderna, uma vez que persegue uma elevada emoção poética através das palavras mais simples de todo dia. Para o poeta, o alumbramento, revelação poética da poesia, pode dar-se no chão do mais “humilde cotidiano”, de onde o poético pode ser desentranhado , à força da depuração e condensação da linguagem, na forma simples e natural do poema.”[2]
Na última estrofe do poema, Bandeira dá aos versos um caráter de amargura e desespero extremo, cujo campo semântico nos recorda temas como a morte, tristeza e suicídio (“E quando eu estiver mais triste/ mas triste de não ter jeito/ quando de noite me der/ vontade de me matar”). Este recurso serve para destacar a oposição que segue nos versos seguintes, nos quais a Pasárgada é o único local no qual o poeta pode ir e libertar-se deste sofrimento; a Pasárgada que é a solução para as tristezas humanas; quando o poeta estiver no extremo de desespero e tristeza, até mesmo a ponto de se matar; lá ele encontrará a amizade, o amor, o prazer. Na Pasárgada de Manuel Bandeira há liberdade estética e libertinagem.
Citações 1 e 2 , do mais que recomendado livro: Humildade, paixão e morte: A poesia de Manuel Bandeira, de Davi Arrigucci Jr, Cia das Letras.
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EXERCÍCIO: APÓS A LEITURA DO POEMA E DAS EXPLICAÇÕES APREENDIDAS, ATRAVÉS DO TEXTO, FAÇA UMA INTERTEXTUALIDADE (PARÓDIA), ONDE VOCÊ IRÁ SE INSPIRAR EM BANDEIRA PARA PRODUZIR O SEU POEMA.
LEMBRE-SE, IMAGINE UM LOCAL FANTÁSTICO OU MESMO UM LOCAL REAL QUE VOCÊ GOSTA MUITO, LÁ VOCÊ VIVERÁ AS AVENTURAS QUE SEMPRE DESEJOU.
Fonte: Blog Glamour Literário POSTADO POR MADAME LUMIÈRE
http://glamourliterario.blogspot.com.br/2010/07/analise-critica-vou-me-embora-pra.html
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