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1 — O disposto no n.º 1 já resulta do preceituado no art. 1.º
De facto, de acordo com essa disposição, a presente lei define as condições e procedimentos de “entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português”. O que naturalmente engloba também os apátridas. Aliás, estrangeiro “é todo aquele que tem cidadania diferente da portuguesa tendo outra ou não possuindo qualquer cidadania” (ver 1. 1. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º edição, Vol. I, pág. 357). Há todavia que ter em conta que o âmbito de aplicação da lei, tal como definido no n.° 1, fica aquém do seu verdadeiro alcance.
Sobre esta questão ver anotação ao art. 1.º
2 — A epígrafe do art. 15.º da Constituição da República Portuguesa é “Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus”. O n.º 3 do mesmo artigo refere-se ainda aos “cidadãos dos países de língua portuguesa”. Há pois diversas categorias de estrangeiros que, de comum, têm o facto de não serem detentores da nacionalidade portuguesa, mas relativamente aos quais vigoram diferentes regimes em termos de entrada, permanência e afastamento.
De entre as diferentes categorias merecem destaque as seguintes:
— Nacionais de Estados Parte na Convenção de Aplicação, Estados membros da União Europeia, do Espaço Económico Europeu e da Suíça;
— Familiares dos nacionais de países atrás referidos, que sejam nacionais de países terceiros;
— Nacionais do Brasil;
— Nacionais dos restantes países membros da CPLP.
Haja no entanto em vista que, para efeitos da aplicação do acordo de Schengen e nos termos do art. 1.º da Convenção de Aplicação, estrangeiro é “qualquer pessoa que não seja nacional dos Estados membros das Comunidades Europeias”.
Existem pois, face ao ordenamento jurídico português e ao direito comunitário, diversas categorias de estrangeiros, sujeitas a diferente tratamento em matéria de entrada, permanência, saída e afastamento. Diferenciação essa que pode resultar do facto de serem ou não nacionais de países terceiros, do estatuto jurídico de que gozam no nosso país ou nos Estados Parte na Convenção de Aplicação, estatuto familiar, etc. O conceito de estrangeiro varia mesmo em função do contexto em que é referenciado.
3 — Nos termos do art. 12.º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE), “no âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade”. O art. 17.º do mesmo Tratado institui a cidadania da União Europeia e o art. 18.º, n.º 1, consagra para todos os cidadãos da União Europeia o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no Tratado. E em nome deste princípio da não discriminação que a lei excepciona a sua aplicação relativamente aos nacionais dos Estados membros da União Europeia.
Situação idêntica verifica-se em relação aos cidadãos de Estado Parte no Espaço Económico Europeu, que resultou de acordos entre a CEE e os países da EFTA, e é constituído pelos Estados da União Europeia e ainda pela Islândia, Lichtenstein e Noruega. Este acordo consagra a livre circulação de mercadorias, serviços, pessoas e capitais, gozando em princípio os trabalhadores e estudantes dos países integrantes do EEE de tratamento igual aos dos cidadãos do país em que se encontrem, suposto que seja também Estado Parte.
A Suíça celebrou com a União Europeia um acordo de associação relativo à execução, aplicação e desenvolvimento do acervo de Schengen.
4 — O regime relativo aos cidadãos estrangeiros nacionais de um Estado membro da União Europeia, de que por extensão beneficiam também os de Estado Parte no Espaço Económico Europeu e da Suíça, é o previsto na Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto (ver art. 3.º, n.º 4), diploma que operou a transposição para a ordem jurídica interna da Directiva 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril.
Atente-se porém em que o diploma sobre entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros tem aplicação subsidiária, aplicando-se também nos casos em que nesse sentido haja indicação expressa. Um exemplo de expressa referência de aplicação a cidadãos comunitários é o disposto no art. 15.º, n.º 2.
Nota SEF: Veja-se neste âmbito o disposto no artigo 32.º da Lei n.º 37/2006 quando dita, quanto a direito subsidiário: "Em tudo quanto não esteja regulado na presente lei deve observar-se o disposto na lei geral que seja compatível com as disposições do direito comunitário.".
5 — O instrumento jurídico fundamental em matéria de asilo é a “Convenção de Genebra”, de 28 de Julho de 1951, e o protocolo adicional, conhecido por “Protocolo de Nova Iorque”, de 31 de Janeiro de 1967. A nível nacional o mais importante diploma é a Lei n.º 15/98, de 26 de Março. Mais recentemente merecem referência as Directivas 2001/55/CE e 2003/9/CE, cujo regime foi transposto para o ordenamento jurídico nacional através da Lei n.º 67/2003, de 23 de Agosto, e Lei n.º 20/2006, de 23 de Junho, respectivamente.
Nos termos do art. 1.º, n.º 1, da Lei n.º 15/98, “É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana”, De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo “Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social não possam ou, em virtude desse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual”.
Nota SEF: A Lei n.º 15/98, de 26 de Março, foi revogada com a publicação da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, constando a matéria do comentário no disposto no seu artigo 3.º, sob a epígrafe: “Concessão do direito de asilo”.
Comentário: Outros diplomas relativos ao Regime Jurídico dos Refugiados (apreciação histórica):
Decisão do Conselho 2004/904/CE, de 2 de Dezembro, que cria o Fundo Europeu para os Refugiados para o período de 2005 a 2010; Decreto-Lei n.º 222/2006, de 10 de Novembro - Define a estrutura orgânica e o regime de financiamento no âmbito do Fundo Europeu para os Refugiados; Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica; Directiva do Conselho 2004/83/CE, de 29 de Abril, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida; Directiva do Conselho 2005/85/CE, de 1 de Dezembro, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membros (rectificada); Directiva n.º 2003/9/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros; Lei n.º 38/80, de 1 de Agosto - Direito de asilo e Estatuto do Refugiado - diploma não vigente; Resolução do Conselho de Ministros n.º 110/2007, de 12 de Julho - Determina, para efeitos da Lei n.º 15/98 de 26 de Março, que serão criadas condições para conceder anualmente, no mínimo, asilo a 30 pessoas.
Enviado para legispedia@sef.pt por Tiago Santos
6 — O asilo não esgota as modalidades de protecção. De facto, conforme o disposto no art. 8º, n.º 1, da Lei n.º 15/98, “É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do art. 1.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, por motivos de grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiquem”. Designa-se por subsidiária esta modalidade de protecção, estatuto que, nos ter mos do art. 2.º, al. g), da Lei n.º 20/2006, de 23 de Junho, se traduz no reconhe cimento por parte das competentes autoridades portuguesas, de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como pessoa elegível para concessão de autorização de residência por razões humanitárias, nos termos das disposições legais em matéria de asilo. Nota SEF: A Lei n.º 15/98, de 26 de Março, foi revogada com a publicação da Lei n.º 27/2008, de 20 de Junho, consagrando o regime de protecção subsidiária no disposto no seu artigo 7.º
7 — Protecção temporária é uma modalidade de protecção concedida, nos termos do n.º 1 do art. 9.º da Lei n.º 15/98, “... a pessoas deslocadas do seu país, em consequência de graves conflitos armados que, originem, em larga escala fluxos de refugiados”. Designa-se por protecção temporária, visto ser concedida por período que não deve exceder os dois anos.
8 — Os beneficiários destes regimes de protecção ou até os requerentes, enquanto durar o processo de apreciação dos respectivos pedidos, estão sujeitos a um conjunto de regras especiais de entrada e permanência, constantes dos diplomas acima citados, sendo porém de aplicação subsidiária o regime previsto no presente diploma. Aliás, nos termos do art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 15/98, “O refugiado goza dos direitos e está sujeito aos deveres dos estrangeiros residentes em Portugal, na medida em que não contrariem o disposto nesta Lei, na Convenção de Genebra de 1951 e no Protocolo de Nova Iorque de 1967, cabendo-lhe, designadamente, a obrigação de acatar as leis e os regulamentos, bem como as providências destinadas à manutenção da ordem pública”. Nota SEF: A Lei n.º 15/98, de 26 de Março, foi revogada com a publicação da Lei n.º 27/2008, de 20 de Junho, cominando o conjunto de direitos e obrigações do refugiado e do beneficiário do estatuto de protecção subsidiária no disposto no seu artigo 65.º e seguintes.
9 — Conforme se refere no n.º 5 dos considerandos da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, “O direito de todos os cidadãos da União circularem e residirem livremente no território dos Estados-Membros implica, para que possa ser exercido em condições objectivas de liberdade e de dignidade, que este seja igualmente concedido aos membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade”. Daí que o regime jurídico de entrada, permanência e saída do território português de nacionais de Estados membros da União Europeia, consagrado na Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto, seja também aplicável aos familiares destes e de cidadãos portugueses, nos termos do art. 1.º da referida lei, sendo para este efeito considerados como familiares os que constam do seu art. 2º, als. i) a iv). O mesmo regime é aplicável por extensão aos familiares de cidadãos de países do Espaço Económico Europeu, bem como daqueles com os quais a Comunidade Europeia tenha firmado acordo de livre circulação de pessoas.
Os familiares dos requerentes do direito de asilo, protecção subsidiária ou protecção temporária, beneficiam dos mesmos direitos, no quadro do reagrupamento familiar, sendo-lhes extensivo o regime dos primeiros.
T NACIONAIS U.E / E.E.E / ANDORRA /SUÍÇA – Portal SEF W DIREITO À LIVRE CIRCULAÇÃO E RESIDÊNCIA DOS CIDADÃOS DA UNIÃO E DOS MEMBROS DAS SUAS FAMÍLIAS – Sínteses da Legislação da UE – Portal EUROPA, a 28 de Novembro de 2009 V OBJECTO E ÂMBITO DA LEI – Julho de 2008 T LEI N.º 67/2003, de 23 de agosto – Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2001/55/CE, do Conselho, de 20 de Julho, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento
Direito nacional
Na última redacção do anterior diploma a matéria da norma era regulada no n.º 3 do artigo 1.º
A norma retoma parcialmente o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, na sua redacção original. Clarifica o âmbito de aplicação pessoal da Lei de Estrangeiros para excluir não só os cidadãos da União Europeia, mas os nacionais do Espaço Económico Europeu, da Suíça e os nacionais de países terceiros que sejam membros da família de cidadãos que beneficiam da liberdade de circulação, bem como de cidadãos portugueses. Estas categorias de estrangeiros estão sujeitas hoje a um regime jurídico especial de entrada, residência e afastamento que decorre do Direito Comunitário. Consequentemente não se reproduzem as disposições do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, que submetiam os cidadãos estrangeiros membros da família de cidadão português ao regime jurídico geral de entrada, residência e afastamento.
A redacção do n.º 1 do artigo corresponde em parte ao âmbito delineado pelo Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, nos seus artigos 1.º e 2.º
O conceito de estrangeiro não consta da Lei, sendo depreendido da norma em apreço. Remonta ao artigo 69.º do Decreto-Lei 264-B/81, de 3 de Setembro, estipulando como estrangeiro todo aquele que não prove possuir a nacionalidade portuguesa.
A exclusão dos nacionais de um Estado membro da União Europeia ou de um Estado Parte no Espaço Económico Europeu, constante da alínea a) do n º 2, tem origem na introdução de um n.º 3 ao artigo 1.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, efectuada pelo Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro.
Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)
Artigo 4.º - Âmbito
1 - O disposto na presente lei é aplicável a cidadãos estrangeiros e apátridas.
2 - Sem prejuízo da sua aplicação subsidiária e de referência expressa em contrário, a presente lei não é aplicável a:
a) Nacionais de um Estado‑membro da União Europeia, de um Estado Parte no Espaço Económico Europeu ou de um Estado terceiro com o qual a Comunidade Europeia tenha concluído um acordo de livre circulação de pessoas;
b) Nacionais de Estados terceiros que residam em território nacional na qualidade de refugiados, beneficiários de protecção subsidiária ao abrigo das disposições reguladoras do asilo ou beneficiários de protecção temporária;
c) Nacionais de Estados terceiros membros da família de cidadão português ou de cidadão estrangeiro abrangido pelas alíneas anteriores.
Discussão e votação indiciária: artigo 4.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.