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A CIÊNCIA DA CULTURA - Edward Burnett Tylor

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Entre as evidências que nos ajudam a traçar o curso que a civilização mundial realmente seguiu está aquela grande classe de fatos aos quais achei conveniente denotar usando o termo "sobrevivências." Trata-se de processos, costumes, opiniões, e assim por diante, que, por força do hábito, continuaram a existir num novo estado de sociedade diferente daquele no qual tiveram sua origem, e então permanecem como provas e exemplos de uma condição mais antiga de cultura que evoluiu em uma mais recente. Assim, conheço uma mulher idosa em 50mersetshire cujo tear manual data do tempo anterior à introdução da lançadeira móvel. Ela nem mesmo aprendeu a usar a novidade, e a vi jogando a lançadeira de uma mão para a outra de um jeito verdadeiramente clássico; essa mulher idosa não está um século atrás de seu tempo, mas é um caso de sobrevivência. Tais exemplos freqüentemente nos levam de volta aos hábitos de centenas e até milhares de anos atrás. O ordálio da Chave e da Bíblia, ainda em uso, é uma sobrevivência; a fogueira do solstício de verão é uma sobrevivência; o jantar para "Todas as Almas" oferecido pelos camponeses bretões aos espíritos dos mortos é uma sobrevivência. A simples manutenção de hábitos antigos é apenas uma parte da transição do tempo antigo para os tempos novos e mutantes. Podemos ver aquilo que era um assumo sério na sociedade antiga sendo reduzido a entretenimento de gerações futuras, e suas graves crenças perdurando como histórias folclóricas para crianças, enquanto hábitos superados que faziam parte da vida do mundo antigo podem ser modificados e adquirir formas ainda poderosas no mundo novo, para o bem e para o mal. Às vezes, velhos pensamentos e práticas irão irromper novamente, para surpresa de um mundo que os pensava há muito mortos ou morrendo; aqui, sobrevivência transforma-se em renascimento, como tem acontecido ultimamente, de maneira tão notável, na história do espiritualismo moderno, um tema cheio de ensinamentos do ponto de vista do etnógrafo. O estudo dos princípios de sobrevivência tem, na verdade, uma importância prática nada pequena, pois a maior parte do que chamamos superstição está incluída nas sobrevivências e, dessa forma, fica exposta ao ataque de seu mais mortal inimigo: uma explicação razoável. Além disso, insignificantes como são, em si mesmos, os abundantes casos de sobrevivência, seu estudo é tão útil para traçar o curso do desenvolvimento histórico - única forma possível de entender seu significado - que se torna um ponto vital da pesquisa etnográfica obter a mais clara compreensão possível de sua natureza. Essa importância deve justificar o nível de detalhamento que se devota aqui ao exame da sobrevivência, com base em evidências de jogos, ditos populares, costumes, superstições e coisas semelhantes que bem podem servir para revelar a maneira como aquela funciona.

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Fonte:

CELSO CASTRO (Org.) Evolucionismo Cultural-Textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. Pgs. 87-88.