Morgan

A SOCIEDADE ANTIGA - Lewis Henry Morgan

PARTE I - Desenvolvimento da inteligência através das invenções e descobertas

CAPÍTULO I - Períodos Étnicos

As mais recentes investigações a respeito das condições primitivas da raça humana estão tendendo à conclusão de que a humanidade começou sua carreira na base da escala e seguiu um caminho ascendente, desde a selvageria até a civilização, através de lentas acumulações de conhecimento experimental.

Como é inegável que partes da família humana tenham existido num estado de selvageria, outras partes num estado de barbárie e outras ainda num estado de civilização, parece também que essas três distintas condições estão conectadas umas às outras numa seqüência de progresso que é tanto natural como necessária. Além disso, é possível supor que essa seqüência tenha sido historicamente verdadeira para toda a família humana, até o status respectivo atingido por cada ramo. Essa suposição baseia-se no conhecimento das condições em que ocorre todo progresso, e também no avanço conhecido. de diversos ramos da família através de duas ou mais dessas condições.

Nas páginas seguintes, será feita uma tentativa de apresentar evidência adicional da rudeza da condição primitiva da humanidade, da evolução gradual de seus poderes mentais e morais através da experiência, e de sua prolongada luta com os obstáculos que encontrava em sua marcha a caminho da civilização. Essas evidências estarão baseadas, em parte, na grande seqüência de invenções e descobertas que se estende ao longo de todo o caminho do progresso humano, mas levam em conta, principalmente, as instituições domésticas que expressam o crescimento de certas idéias e paixões.

À medida que avançamos na direção das idades primitivas da humanidade, seguindo as diversas linhas de progresso, e eliminamos, uma após outra, na ordem em que aparecerem, invenções e descobertas, de um lado, e instituições, de outro, tornamo-nos capazes de perceber que as primeiras têm uma relação progressiva entre si, enquanto as últimas foram se desdobrando. Ou seja: enquanto invenções e descobertas tiveram uma conexão mais ou menos direta, as instituições se desenvolveram a partir de uns poucos germes primários de pensamento. As instituições modernas têm suas raízes plantadas no período da barbárie, ao qual suas origens foram transmitidas a partir do período anterior de selvageria. Tiveram uma descendência linear através das idades, com as linhas de sangue, e também apresentaram um desenvolvimento lógico.

Duas linhas de investigação independentes convidam, assim, nossa atenção. Uma passa por invenções e descobertas; a outra, por instituições primárias. Com o conhecimento propiciado por essas linhas, podemos esperar indicar os principais estágios do desenvolvimento humano. As provas a serem apresentadas derivarão, principalmente, de instituições domésticas; as referências a realizações de natureza estritamente intelectual serão de caráter geral e receberão atenção secundária aqui.

Os fatos indicam a formação gradual e o desenvolvimento subseqüente de certas idéias, paixões e aspirações. Aquelas que ocupam as posições mais proeminentes podem ser generalizadas como sendo ampliações das idéias particulares com as quais estão respectivamente conectadas. Além das invenções e descobertas, essas idéias são as seguintes:

I. Subsistência

II. Governo

III. Linguagem

IV. Família

V. Religião

VI. Vida doméstica e arquitetura

VII. Propriedade

Primeira. A subsistência foi aumentada e aperfeiçoada por uma série de artes sucessivas, introduzidas no decorrer de longos intervalos de tempo e conectadas mais ou menos diretamente com invenções e descobertas.

Segunda. O germe do governo deve ser buscado na organização por gentes no status de selvageria, e seguido, através de formas cada vez mais avançadas, até o estabelecimento da sociedade política.

Terceira. A fala humana parece ter se desenvolvido a partir das formas mais rudes e simples de expressão. A linguagem de gestos ou sinais, como sugerido por Lucrécio/ tem que ter precedido a linguagem articulada, assim como o pensamento precede a fala. O monossilábico precedeu o silábico, tal como esse precedeu as palavras concretas. A inteligência humana, inconsciente de propósito, desenvolveu a linguagem articulada utilizando os sons vocais. Esse grande tema, em si mesmo uma área específica de estudo, está fora do escopo da presente investigação.

Quarta. Com respeito à família, seus estágios de crescimento estão incorporados em sistemas de consangüinidade e afinidade e nos costumes relacionados ao casamento, por meio do qual, coletivamente, a história da família pode ser seguramente traçada através de diversas formas sucessivamente assumidas.

Quinta. O crescimento de idéias religiosas está cercado de tantas dificuldades intrínsecas que talvez nunca receba uma explicação perfeitamente satisfatória. A religião trata, em tão grande medida, da natureza imaginativa e emocional e, conseqüentemente, de tão incertos elementos do conhecimento, que todas as religiões primitivas são grotescas e, numa certa medida, ininteligíveis. Esse tema também está fora do plano deste trabalho, exceto quando puder trazer sugestões incidentais.

Sexta. A arquitetura da habitação, que está ligada à forma da família e ao plano de vida doméstica, permite uma ilustração razoavelmente completa do progresso desde a selvageria até a civilização. Seu crescimento pode ser traçado da cabana do selvagem, através das habitações comunais dos bárbaros, até a casa da família nuclear das nações civilizadas, com todos os vínculos sucessivos através dos quais um extremo está conectado ao outro. Esse tema será observado incidentalmente.

Última. A idéia de propriedade foi lentamente formada na mente humana, permanecendo em estado nascente e precário por imensos períodos de tempo. Surgindo durante a selvageria, requereu toda a experiência daquele período e da subseqüente barbárie para desenvolver-se e preparar o cérebro humano para a aceitação de sua influência controladora. Sua dominância, como uma paixão acima de todas as outras, marca o começo da civilização. Ela não apenas levou a humanidade a superar os obstáculos que atrasavam a civilização, mas também a estabelecer a sociedade política baseada no território e na propriedade. Um conhecimento crítico sobre a evolução da idéia de propriedade incorporaria, em alguns aspectos, a parte mais notável da história mental da humanidade.

Tratarei de apresentar alguma evidência do progresso humano ao longo dessas diversas linhas e através de sucessivos períodos étnicos, tal como revelado por invenções e descobertas e pelo crescimento das idéias de governo, família e propriedade.

Pode ser explicitada aqui a premissa de que todas as formas de governo são redutíveis a dois planos gerais, usando a palavra plano em seu sentido científico. Em suas bases, os dois são fundamentalmente distintos. O primeiro a surgir está baseado em pessoas e em relações puramente pessoais, e pode ser distinguido como uma sociedade (societas). A gens é a unidade dessa organização. No período arcaico, ocorreram estágios sucessivos de integração: a gens, a fratria, a tribo e a confederação de tribos, que constituíam um povo ou nação (populus). Num período posterior, uma coalescência de tribos na mesma área, formando uma nação, tomou o lugar da confederação de tribos ocupando áreas independentes. Assim ocorreu, através de prolongadas eras, após o aparecimento da gens, a organização quase universal da sociedade antiga; e perdurou entre os gregos e romanos após o surgimento da civilização.

O segundo plano é baseado no território e na propriedade, e pode ser distinguido como um estado (civitas). A vila ou distrito, circunscrita por limites e cercas, com a propriedade que contém, é a base ou unidade do estado, e a sociedade política é seu resultado. Essa está organizada sobre áreas territoriais e trata da propriedade e das pessoas, através de relações territoriais. Os sucessivos estágios de integração são a vila ou distrito, que é a unidade de organização; o condado ou província, que é uma agregação de vilas ou distritos; e o domínio ou território nacional, que é uma agregação de condados ou províncias; e o povo de cada uma delas está organizado em um corpo político. Após terem alcançado a civilização, coube aos gregos e romanos, usando suas capacidades até o limite, inventar a vila e o distrito e, assim, inaugurar o segundo grande plano de governo, que permanece até o presente entre as nações civilizadas. Na sociedade antiga, esse plano territorial era desconhecido. Quando ele apareceu, fixou as linhas de fronteira entre a sociedade antiga e a moderna, nomes com os quais a distinção será reconhecida nestas páginas.

Pode-se observar também que as instituições domésticas dos bárbaros, e mesmo dos ancestrais selvagens da humanidade, ainda estão exemplificadas em partes da família humana, e com tamanha completude que, exceto pelo período estritamente primitivo, os diversos estágios desse progresso estão razoavelmente preservados. Eles são vistos na organização da sociedade com base no sexo, depois com base no parentesco e, finalmente, com base no território; através das sucessivas formas de casamento e de família, com os sistemas de consangüinidade assim criados; através da vida familiar e de sua arquitetura, e através do progresso nos usos relativos à propriedade e à transmissão da mesma por herança.

A teoria da degradação humana para explicar a existência dos selvagens e dos bárbaros já não é mais sustentável. Ela apareceu como um corolário da cosmogonia mosaica 4 e foi aceita a partir de uma suposta necessidade que já não existe. Como teoria, é não apenas incapaz de explicar a existência de selvagens como também não encontra suporte nos fatos da experiência humana.

Os remotos ancestrais das nações arianas presumivelmente passaram por uma experiência similar à das tribos bárbaras e selvagens existentes. Embora a experiência dessas nações contenha toda a informação necessária para ilustrar os períodos de civilização tanto antigos quanto modernos, e também uma parte do último período de barbárie, sua experiência anterior tem que ser deduzida, em sua maior parte, da conexão que pode ser traçada entre os elementos de suas instituições e inventos existentes e os elementos similares ainda preservados nas instituições e inventos das tribos selvagens e bárbaras.

Pode ser observado, finalmente, que a experiência da humanidade tem seguido por canais quase uniformes; que as necessidades humanas, em condições similares, têm sido substancialmente as mesmas; e que as operações de princípio mental têm sido uniformes em virtude da identidade específica do cérebro em todas as raças da humanidade. Isso, no entanto, é apenas uma parte da explicação da uniformidade dos resultados. Os germes das principais instituições e artes da vida foram desenvolvidos enquanto o homem ainda era um selvagem. Em larga medida, a experiência dos períodos subseqüentes de barbárie e de civilização foi plenamente utilizada no desenvolvimento que se seguiu a essas concepções originais. Onde quer que se possa traçar uma conexão, em diferentes continentes, entre uma instituição hoje existente e uma origem comum, estará implícito que os próprios povos derivam de um estoque original comum.

A discussão dessas diversas classes de fatos será facilitada pelo estabelecimento de um certo número de períodos étnicos, cada um representando uma condição distinta de sociedade e podendo ser distinguido dos outros por seu modo de vida peculiar. Os termos "Idade da Pedra", "do Bronze" e "do Ferro") introduzidos por arqueólogos dinamarqueses, têm sido extremamente úteis para certos propósitos, e continuarão a sê-lo para a classificação de objetos de arte antiga; mas o progresso do conhecimento tornou necessárias outras e diferentes subdivisões. Implementas de pedra não foram totalmente deixados de lado com a introdução das ferramentas de ferro nem das de bronze. A invenção do processo de fundição do minério de ferro criou uma época étnica, mas dificilmente podemos datar uma outra que se tenha iniciado com a produção do bronze. Além disso, como a época dos implementos de pedra se sobrepõe aos períodos dos instrumentos de bronze e ferro, e como a do bronze também se sobrepõe à do ferro, não é possível circunscrever cada um desses períodos e tratá-los como independentes e distintos.

Dada a grande influência que devem ter exercido sobre a condição da humanidade, as sucessivas artes de subsistência, surgidas a longos intervalos, provavelmente virão a possibilitar, ao final, bases mais satisfatórias para essas divisões. Mas a pesquisa não foi levada suficientemente longe nessa direção para produzir a informação necessária. Com nosso conhecimento atual, o principal resultado pode ser obtido selecionando outras invenções ou descobertas que permitam suficientes testes de progresso para caracterizar o começo de sucessivos períodos étnicos. Mesmo que sejam aceitos como provisórios, esses períodos se revelarão convenientes e úteis. Veremos como cada um dos que serão propostos em seguida cobrirá uma cultura distinta e representará um modo de vida particular.

O período de selvageria, de cuja parte mais antiga sabe-se muito pouco, pode ser dividido, provisoriamente, em três subperíodos. Esses fadem ser chamados de período inicial, intermediário ou final de selvageria; e a condição da sociedade em cada um, respectivamente, pode ser distinguida como status inferior, intermediário ou superior de selvageria.

Da mesma forma, o período de barbárie se divide naturalmente em três subperíodos, que serão chamados de período inicial, intermediário ou final de barbárie; e a condição da sociedade em cada, respectivamente, será distinguida como status inferior, intermediário ou superior de barbárie.

Para marcar o começo desses diversos períodos, é difícil, se não impossível, encontrar testes de progresso que se revelem absolutos em sua aplicação e sem exceções em todos os continentes. Mas também não é necessário, para o propósito em mãos, que não existam exceções. Será suficiente que as principais tribos da humanidade possam ser classificadas, de acordo com o grau de seu progresso relativo, em condições que possam ser reconhecidas como distintas.

I - Status inferior de selvageria. Esse período começou com a infância da raça humana, e pode-se dizer que terminou com a aquisição de uma dieta de subsistência à base de peixes e com um conhecimento do uso do fogo. A humanidade estava então vivendo em seu habitat original restrito, subsistindo com frutas e castanhas. O começo da fala articulada ocorre nesse período. Não restou, no período histórico, nenhum exemplo de tribos da humanidade nessa condição.

II - Status intermediário de selvageria. Começou com a aquisição de uma dieta de subsistência baseada em peixes e com um conhecimento do uso do fogo, e terminou com a invenção do arco-e-flecha. A humanidade, enquanto nessa condição, espalhou-se, a partir de seu habitat original, por grande parte da superfície da terra. Entre tribos ainda existentes, encaixam-se no status intermediário de selvageria, por exemplo, os australianos e a maior parte dos polinésios, quando descobertos. Será suficiente dar um ou mais exemplos de cada status.

III - Status superior de selvageria. Começou com a invenção do arco-e-flecha e terminou com a invenção da arte da cerâmica. No tempo de sua descoberta, encontravam-se no status superior de selvageria as tribos dos atapascos, no território da baía de Hudson, as tribos do vale do Columbia e certas tribos costeiras da América do Norte e do Sul. Isso encerra0 período de Selvageria.

IV - Status inferior de barbárie. Quando se levam em conta todos os aspectos, a invenção ou prática da arte da cerâmica é, provavelmente, o teste mais efetivo e conclusivo que se pode escolher para fixar uma linha demarcatória, necessariamente arbitrária, entre a selvageria e a barbárie. Há muito foram reconhecidas as especificidades de cada uma das duas condições, mas não se produziu, desde então, nenhum critério para definir etapas de progresso de uma condição para a outra. Assim, todas as tribos que nunca alcançaram a arte da cerâmica serão classificadas como selvagens, e aquelas que possuem essa arte, mas nunca chegaram a um alfabeto fonético e ao uso da escrita, serão classificadas como bárbaras.

O primeiro subperíodo da barbárie começou com a manufatura de objetos de cerâmica, seja por invenção original ou por adoção. Para determinar seu término e o começo do status intermediário, encontramos a dificuldade de os dois hemisférios terem características naturais distintas, o que começou a ter influência sobre os negócios humanos depois de passado o período da selvageria. No entanto, pode-se resolver isso com a adoção de equivalentes. A domesticação de animais no hemisfério oriental e, no ocidental, o cultivo irrigado de milho e plantas, junto com o uso de tijolos de adobe e pedras na construção de casas, foram selecionados como evidência suficiente de avanços para possibilitar a transição do status inferior para o status intermediário da barbárie. No status inferior estão, por exemplo, as tribos indígenas a leste do rio Missouri, nos Estados Unidos, e aquelas tribos da Europa e da Ásia que praticavam a arte da cerâmica, mas não tinham animais domésticos.

V. Status intermediário de barbárie. Começou com a domesticação de animais no hemisfério oriental e, no ocidental, com a agricultura de irrigação e com o uso de tijolos de adobe e pedras na arquitetura, corno mostrado. Seu término pode ser fixado pela invenção do processo de forjar o minério de ferro. Isso situa no status intermediário, por exemplo, os índios pueblos do Novo México, do México, da América Central e do Peru, e aquelas tribos do hemisfério oriental que possuíam animais domésticos, mas não tinham um conhecimento do ferro. Numa certa medida, os antigos bretões, embora familiarizados com o uso do ferro, também pertencem a essa subdivisão. A vizinhança com tribos continentais mais adiantadas havia avançado as artes de subsistência entre eles muito além do que correspondia ao estado de desenvolvimento de suas instituições domésticas.

VI. Status superior de barbárie. Começou com a manufatura de ferro e terminou com a invenção do alfabeto fonético e o uso da escrita em composição literária. Aqui começa a civilização. Isso põe no status superior, por exemplo, as tribos gregas da idade de Homero, as tribos italianas logo antes da fundação de Roma e as tribos germânicas do tempo de César.

VII. Status de civilização. Começou, como dito, com o uso do alfabeto fonético e a produção de registros literários, e se divide em Antigo e Moderno. Como um equivalente, pode-se admitir a escrita hieroglífica em pedra.

RECAPITULAÇÃO

Cada um desses períodos tem uma cultura distinta e exibe seu modo de vida mais ou menos especial e peculiar. Essa especialização de períodos étnicos possibilita tratar uma sociedade específica de acordo com suas condições de avanço relativo, e tomá-la como um tema independente para estudo e discussão. Não afeta o resultado principal o fato de que, num mesmo tempo, diferentes tribos e nações do mesmo continente, e até da mesma família lingüística, estejam em diferentes condições, pois, para nosso propósito, a condição de cada uma é o fato material, o tempo sendo imaterial.

[Foram aqui suprimidas três páginas do texto original nas quais se discutem, com detalhes técnicos que não são fundamentais para o objetivo desta coletânea, as razões para a adoção do uso da cerâmica corno marco de separação de períodos étnicos. A idéia central de Morgan é que "A manufatura de cerâmica pressupõe urna vida aldeã e considerável progresso nas artes simples.".]

Outra vantagem de fixar períodos étnicos definidos é que isso possibilita orientar uma investigação especial para aquelas tribos e nações que oferecem a melhor exemplificação de cada status, a fim de tornar cada caso tanto um padrão quanto um elemento ilustrativo. Algumas tribos e famílias foram deixadas em isolamento geográfico para resolver os problemas do progresso através de esforço mental original e, conseqüentemente, mantiveram suas artes e instituições puras e homogêneas, enquanto aquelas de outras tribos e nações foram adulteradas pela inf1uência externa. Assim, enquanto a África era e é um caos étnico de selvageria e barbárie, a Austrália e a Polinésia estavam na selvageria pura e simples, com as artes e instituições próprias daquela condição. Da mesma forma, a família indígena da América, diferente de qualquer outra existente, exemplificava a condição da humanidade em três períodos étnicos sucessivos. Na posse não perturbada de um grande continente, com uma linhagem comum e com instituições homogêneas, aqueles indígenas ilustravam, quando descobertos, cada uma dessas condições, e especialmente as condições dos status inferior e intermediário de barbárie; e isso se dava de uma forma mais elaborada e mais completa que entre qualquer outra parcela da humanidade. Os índios do extremo norte e algumas das tribos costeiras da América do Norte e do Sul estavam no status superior de selvageria; os índios parcialmente aldeados, a leste do Mississipi, estavam no status inferior de barbárie, e os pueblos da América do Norte e do Sul estavam no status intermediário. Dentro do período histórico, ainda não houvera uma oportunidade como essa para se recuperar uma informação completa e minuciosa sobre o curso da experiência e do progresso humanos no desenvolvimento de suas artes e instituições através desses períodos sucessivos. Deve-se acrescentar que a oportunidade tem sido aproveitada de maneiras desiguais. Nossas maiores deficiências estão relacionadas ao último período nomeado.

Sem dúvida, existiam diferenças entre culturas do mesmo período nos hemisférios oriental e ocidental, em conseqüência das características desiguais de cada continente; mas a condição da sociedade no status correspondente tem que ter sido, em sua maior parte, substancialmente semelhante.

Os ancestrais das tribos gregas, romanas e germânicas passaram pelos estágios que indicamos, e, na metade do último, a luz da história caiu sobre eles. Sua diferenciação da massa indistinguível de bárbaros não ocorreu, provavelmente, antes do começo do período intermediário de barbárie. A experiência dessas tribos foi perdida, com exceção de tudo que é representado pelas instituições, invenções e descobertas que trouxeram com eles e que possuíam quando pela primeira vez se encontraram sob observação histórica. As tribos gregas e latinas dos períodos de Homero e Rômulo permitem a melhor exemplificação do status superior de barbárie. Suas instituições eram, igualmente, puras e homogêneas, e sua experiência está diretamente conectada com a chegada, por fim, à civilização.

Começando, então, com os australianos e polinésios, seguindo com as tribos de índios americanos e concluindo com os romanos e gregos, que permitem as mais elevadas exemplificações, respectivamente, dos seis grandes estágios do progresso humano, é bastante razoável supor que a soma de suas experiências unidas representa a experiência da família humana desde o status intermediário de selvageria até o final da civilização antiga. Conseqüentemente, as nações arianas encontrarão o tipo correspondente à condição de seus ancestrais remotos, quando na selvageria, nas condições dos australianos e polinésios; quando no status inferior de barbárie, nos índios semi-aldeados da América; e, quando no status intermediário, nas condições dos índios pueblos, com as quais se conecta diretamente sua própria experiência no status superior. Tão essencialmente idênticos em todos os continentes são as artes, instituições e o modo de vida no mesmo status, que a forma arcaica das principais instituições domésticas dos gregos e romanos pode ser vista, ainda hoje, nas instituições correspondentes dos aborígines americanos, como será mostrado no curso deste volume. Esse fato constitui uma parte da evidência acumulada tendente a mostrar que as principais instituições da humanidade foram desenvolvidas a partir de uns poucos germes primários de pensamento; e que o curso e o modo de seu desenvolvimento foram predeterminados, bem como mantidos dentro de estreitos limites de divergência, pela lógica natural da mente humana e pelas necessárias limitações de seus poderes. Descobriu-se que, num mesmo status, o tipo de progresso substancialmente o mesmo em tribos e nações habitando continentes diferentes e até mesmo não conectados, com desvios da uniformidade ocorrendo em casos particulares e sendo produzidos por causas especiais. O argumento, quando desenvolvido, tende a estabelecer a unidade de origem da humanidade.

Ao estudar as condições de tribos e nações nesses diversos períodos étnicos, estamos lidando, substancialmente, com a história antiga e com as antigas condições de nossos próprios remotos ancestrais.

Lewis Henry Morgan - A Sociedade Antiga, in Evolucionismo Cultural, Textos de Morgan, Tylor e Frazer, RJ: Jorge Zahar Editor, 2005. Org.: Celso castro. Trad.: Maria Lúcia de Oliveira.