Evol biol e evol cultural

EVOLUÇÃO BIOLÓGICA E EVOLUÇÃO CULTURAL

extraído de: Castro, Eduardo Viveiros. Evolucionismo Cultural. RJ: Zahar, 2002.

Há diferenças entre os autores do período clássico do evolucionismo cultural em relação a aspectos tanto teóricos quanto de interpretação etnográfica. Também ocorreram mudanças ao longo da produção acadêmica de cada um deles, tomados individualmente. No entanto, pode-se, com relativa facilidade, sintetizar as principais idéias gerais dos autores evolucionistas da antropologia, que eram em grande medida convergentes.

Antes, porém, é preciso desfazer um equívoco bastante comum: pensar que a idéia de evolução corno explicação para a diversidade cultural humana é decorrência direta da idéia de evolução biológica, tendo como marco a publicação, em 1859, do livro do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), "On the Origins of Species by Means of Natural Selection; or, The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life" ["Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural; ou, A preservação das raças favorecidas na luta pela vida"].

Darwin argumentou que as espécies existentes haviam se desenvolvido lentamente a partir de formas de vida anteriores, e apontou como mecanismo principal desse processo a teoria da "seleção natural" através de variações acidentais. Em meados dos anos 1870, talvez a maior parte das pessoas cultas na Europa e na América do Norte já tivesse aceito as idéias de Darwin. Muitas vezes, no entanto, a compreensão de sua teoria era vaga e superficial. Um dos fatores fundamentais para a aceitação da idéia de evolução era sua associação com a idéia de progresso, cuja imagem mais comum é a de uma "escada" cujos degraus estão dispostos numa hierarquia linear. Geralmente, o evolucionismo era percebido como a expressão científica desse princípio mais antigo e gera.

É também importante perceber que a chamada "revolução" darwinista ocorreu em paralelo ao enorme alargamento do tempo histórico da espécie humana, para muito além dos cerca de cinco mil anos apontados pela tradição bíblica. Em 1858 foram descobertos artefatos humanos junto com ossos de mamutes e outros animais extintos na caverna de Brixham, próxima à cidade de Torquay, na Inglaterra. Com isso, o mundo "antediluviano" recuou muito no tempo, tornando-se "pré-histórico". Na mesma época, descobertas similares foram feita na França, igualmente comprovando a grande antigüidade do homem sobre a terra. Indiretamente, essas descobertas reforçavam a suposição de que teríamos descendido de formas "inferiores" de vida há muito extintas.

O impacto do livro de Darwin e dessas descobertas paleontológicas foi enorme, estendendo-se para além de seus campos científicos específicos e influenciando a teologia, a filosofia, a política e também a nascente antropologia. No entanto, para aqueles que, nas décadas de 1860 e 1870, se dedicaram a estudar a história do progresso humano - autores como Johannes Bachofen, Henry Maine, Fustel de Coulanges, John Lubbock,

Evolucionismo Cultural

John Ferguson McLennan, Lewis Henry Morgan e Edward Burnett Tylor - a influência da obra do filósofo inglês Herbert Spencer teve maior impacto do que as teorias darwinistas. Aliás, Darwin não foi o primeiro a dar uma definição rigorosa de "evolução". Essa palavra só apareceu na 6ª edição, de 1872, da Origem das espécies. A razão que levou Darwin a finalmente usar essa palavra, 13 anos após a primeira edição de seu livro, é que ela se havia tornado amplamente conhecida. O grande responsável por sua popularização foi Herbert Spencer, que já havia usado "evolução" em seu livro "Social Statics" ["Estática social"], de 1851. Em seu texto "Progress: Its Law and Cause" ["Progresso: sua lei e causa"], de 1857, Spencer generalizou o processo evolucionário para todo o cosmo:

"o avanço do simples para o complexo, através de um processo de sucessivas diferenciações, é igualmente visto nas mais antigas mudanças do Universo que podemos conceber racionalmente e indutivamente estabelecer; ele é visto na evolução geológica e climática da Terra, e de cada um dos organismos sobre sua superfície; ele é visto na evolução da Humanidade, quer seja contemplada no indivíduo civilizado, ou nas agregações de raças; ele é igualmente visto na evolução da Sociedade com respeito a sua organização política, religiosa e econômica; e é visto na evolução de todos ... os infindáveis produtos concretos e abstratos da atividade humana."

Enquanto a teoria biológica de Darwin não implicava uma direção ou progresso unilineares, as idéias filosóficas de Spencer levavam à disposição de todas as sociedades conhecidas segundo uma única escala evolutiva ascendente, através de vários estágios. Esta se tornaria a idéia fundamental do período clássico do evolucionismo na antropologia.

Um só caminho, uma mesma humanidade

Aplicada à antiga questão da enorme diversidade cultural humana, percebida tanto nas sociedades que existiram no passado como nas que conviviam contemporaneamente no espaço, a perspectiva evolucionista em antropologia baseava-se num raciocínio fundamental: reduzir as diferenças culturais a estágios históricos de um mesmo caminho evolutivo.

[...]

O postulado básico do evolucionismo em sua fase clássica era, portanto, que, em todas as partes do mundo, a sociedade humana teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obrigatórios, numa trajetória basicamente unilinear e ascendente. A possibilidade lógica oposta, de que teria havido uma degeneração ou decadência a partir de um estado superior - idéia que tinha por base uma interpretação bíblica - precisava ser descartada, como se poderá ver nos textos aqui reunidos. Toda a humanidade deveria passar pelos mesmos estágios, seguindo uma direção que ia do m.ais simples ao mais complexo, do mais indiferenciado ao mais diferenciado.

O caminho da evolução seria, nas palavras de Morgan, natural e necessário: "Como a humanidade foi uma só na origem, sua trajetória tem sido essencialmente uma, seguindo por canais diferentes, mas uniformes, em todos os continentes, e muito semelhantes em todas as tribos e nações da humanidade que se encontram no mesmo status de desenvolvimento."

Um corolário desse postulado era o da unidade psíquica de toda a espécie humana, a uniformidade de seu pensamento. Isso distinguia os autores evolucionistas clássicos da antiga tradição poligenista da antropologia, que argumentava que as "raças humanas" tiveram origens diferentes, estando assim permanentemente estabelecida uma desigualdade natural e uma hierarquia entre elas. Tylor, numa passagem de seu texto, é especialmente claro ao afirmar ser "tanto possível quanto desejável eliminar considerações de variedades hereditárias, ou raças humanas, e tratar a humanidade corno homogênea em natureza, embora situada em diferentes graus de civilização". [ver p.76] No entanto, mesmo proclamando uma origem única para todas as raças (monogenismo), por vezes esses e outros autores se contradiziam ao tratar das raças humanas. Estas eram geralmente consideradas (não só por eles, como pelo público culto em geral) como desiguais, senão em.gênero, ao menos em grau.

O método comparativo e a ciência da cultura

Como decorrência da visão de um único caminho evolutivo humano, os povos "não-ocidentais", "selvagens" ou "tradicionais" existentes no mundo contemporâneo eram vistos como uma espécie de "museu vivo" da história humana - representantes de etapas anteriores da trajetória universal do homem rumo à condição dos povos mais "avançados"; como exemplos vivos daquilo "que já fomos um dia". Para Prazer, "o selvagem é um documento humano, um registro dos esforços do homem para se elevar acima do nível da besta". Nas palavras de Morgan:

... as instituições domésticas dos bárbaros, e mesmo dos ancestrais selvagens da humanidade, ainda estão exemplificadas em partes da família humana, e com tamanha completude que, exceto pelo período estritamente primitivo, os diversos estágios desse progresso estão razoavelmente preservados.

Na medida em que a arqueologia era então pouco desenvolvida e não havia registros históricos disponíveis para a reconstituição dos estágios supostamente mais "primitivos" - a maior parte da trajetória humana - o estudo dessas sociedades assumia enorme importância, pois assim se poderia reconstituir o caminho evolutivo da humanidade, através de suas diferentes etapas. Passava-se a dispor de uma espécie de "máquina do tempo" que permitia, observando o mundo dos "selvagens" de hoje, ter uma idéia de como se vivia em épocas passadas. Assim, as informações sobre a sociedade antiga e sobre a mente do homem primitivo, até então dependentes dos relatos da antigüidade greco-romana - Heródoto, Tucídides, Tácito etc. - poderiam ser complementadas por novos relatos. Nas palavras de Frazer,

... um selvagem está para um homem civilizado assim como uma criança está para um adulto; e, exatamente como o crescimento gradual da inteligência de uma criança corresponde ao crescimento gradual da inteligência da espécie e, num certo sentido, a recapitula, assim também um estudo da sociedade selvagem em vários estágios de evolução permite-nos seguir, aproximadamente - embora, é claro, não exatamente -, o caminho que os ancestrais das raças mais elevadas devem ter trilhado em seu progresso ascendente, através da barbárie até a civilização. Em suma, a selvageria é a condição primitiva da humanidade, e, se quisermos entender o que era o homem primitivo, temos que saber o que é o homem selvagem hoje.

A solução para preencher as "lacunas" do longo período "primitivo" de evolução cultural humana era utilizar o método comparativo, aplicando-o ao grande número de sociedades "selvagens" existentes contemporaneamente. O método comparativo não era uma novidade da antropologia: ele já havia sido utilizado com sucesso na anatomia animal, por Cuvier, e na lingüística, por autores que buscavam chegar a uma língua ancestral comum da qual teriam se originado as diversas línguas indo-européias. Em relação à sociedade humana, na medida em que condições externas (como isolamento geográfico e influências ambientais) fizeram com que o ritmo de evolução dos grupos humanos fosse diferente (embora seguindo o mesmo caminho), a variedade daí resultante era fundamental para que a reconstrução dos diferentes estágios do processo evolutivo geral, através do uso do método comparativo, fosse possível. Era isso que permitia aproximar as sociedades "selvagens" contemporâneas a estágios anteriores, "primitivos", do desenvolvimento das sociedades complexas modernas. Nas palavras de Tylor, "os europeus podem encontrar entre os habitantes da Groenlândia ou entre os maoris muitos elementos para reconstruir o quadro de seus ancestrais primitivos". Um trecho do mesmo autor é claro a respeito de como deve ser feita a aplicação do método comparativo na antropologia:

Um primeiro passo no estudo da civilização é dissecá-la em detalhes e, em seguida, classificá-los em seus grupos apropriados. Assim, ao examinar as armas, elas devem ser classificadas como lança, maça, funda, arco-e-flecha, e assim por diante; "... o trabalho do etnógrafo é identificar esses detalhes com vista a estabelecer sua distribuição na geografia e na história e as relações existentes entre eles. Em que consiste essa tarefa é um ponto que pode ser quase perfeitamente ilustrado comparando esses detalhes de culturas com as espécies de plantas e animais tal como estudadas pelo naturalista?"

A respeito de como ordenar os itens culturais assim classificados, Tylor apela para o senso comum. Para ele, a idéia de progresso estaria "tão inteiramente instalada em nossas mentes que, por meio dela, reconstruímos, sem escrúpulos, a história perdida, confiando no conhecimento geral dos princípios do pensamento e da ação humana como um guia para pôr os fatos em sua ordem apropriada".

Outra idéia fundamental do evolucionismo cultural era a de "sobrevivências", definidas por Tylor como "processos, costumes, opiniões, e assim por diante, que, por força do hábito, continuaram a existir num novo estado de sociedade diferente daquele no qual tiveram sua origem, e então permanecem corno provas e exemplos de uma condição mais antiga de cultura que evoluiu em uma mais recente". Nas palavras de Frazer, seriam como que "relíquias" de crenças e costumes dos selvagens "que sobreviveram como fósseis entre povos de cultura mais elevada".

Exemplos de sobrevivências seriam, em nossas sociedades "modernas", os muitos costumes, superstições e crendices populares dos quais não se percebia a racionalidade ou a função social. Vistos pelo olhar evolucionista, no entanto, eles ganhavam sentido ao se transformarem em "sobrevivências" de um estágio cultural anterior, vestígios através dos quais se poderia, num trabalho semelhante ao de um detetive, reconstituir o curso da evolução cultural humana. O estudo científico das "sobrevivências" autorizava o antropólogo a recorrer, portanto, não apenas às sociedades "selvagens", como também à sua própria sociedade. Tal procedimento ampliava enormemente o campo de investigação, permitindo que se incorporasse à antropologia aquilo que se costumava designar como "folclore".

Os autores evolucionistas aqui reunidos não acreditavam que mesmo a mais "primitiva" sociedade existente - geralmente, os aborígines australianos - fosse equivalente ao estágio inicial da cultura humana, o "ponto zero" da evolução cultural. Isso, no entanto, não frustrava o sucesso do empreendimento antropológico, pois o que o transformava em uma ciência para além daquilo que poderia ser visto como mera especulação histórica sobre as origens culturais do homem - era a possibilidade de se descobrirem leis, a exemplo das ciências naturais. Corno resumiu Tylor, "se existe lei em algum lugar, existe em todo lugar". É interessante observar, aliás, que o título do texto de Tylor aqui reproduzido é, justamente, "a ciência da cultura".

Uma "antropologia de gabinete"

No trabalho de reconstituição do processo geral da evolução cultural do homem, a antropologia evolucionista não demonstrava grande preocupação com aspectos mais específicos de povos particulares, nem com a exigência de alta confiabilidade nos relatos etnográficos. Em seu texto, Tylor dá uma resposta à questão de como mesmo relatos pouco confiáveis (escritos, por exemplo, por missionários, comerciantes, viajantes ou observadores superficiais) poderiam vir a ser usados como evidência científica. Ele assinala, em primeiro, lugar, que se deve tentar obter diversos relatos sobre o mesmo objeto, submetendo-os, assim, a um "teste de recorrência". Caso relatos independentes de elementos culturais em épocas ou lugares diferentes sejam convergentes, ficaria difícil, segundo Tylor, atribuí-los ao acaso ou a uma fraude intencional. Ao contrário, parece razoável julgar que, de modo geral, eles são verdadeiros, e que sua proximidade e regular coincidência devem-se ao surgimento de fatos semelhantes em vários distritos da cultura. Os fatos mais importantes da etnografia são provados dessa maneira. A experiência leva o estudante, depois de algum tempo, a esperar que os fenômenos da cultura, como resultados de causas similares de ampla atuação, devam surgir repetidamente no mundo, e é isso que irá constatar.

Tylor conclui afirmando que: "Tão forte, realmente, é esse meio de autenticação, que o etnógrafo, em sua biblioteca, pode às vezes ousar decidir não apenas se um explorador particular é um observador honesto e perspicaz, mas também se o que ele relata está de acordo com as regras gerais da civilização."

A imagem do antropólogo trabalhando sentado em sua biblioteca era plenamente justificada na tradição da antropologia evolucionista, tanto pelos objetivos a que se propunha quanto pelo métodos que seguia. Embora o antropólogo devesse saber reconhecer a diferença entre um relato superficial ou preconceituoso e um relato bem fundamentado e isento, o resultado final de seu trabalho, no geral, prescindia de uma grande atenção ao detalhe etnográfico: buscava-se compreender, como indicam os títulos dos livros de Morgan e Frazer: "A sociedade antiga" e "Cultura primitiva".

Vimos como, no caso de Morgan, essa caracterização do antropólogo fechado em sua biblioteca não é exata, diante da importância de suas viagens a campo e entrevistas com nativos, embora o trabalho com fontes secundárias continuasse sendo fundamental. Esta, no entanto, é uma exceção à regra, e a imagem do antropólogo confinado à sua biblioteca será muito criticada pelas gerações seguintes de antropólogos. A expressão depreciativa "armchair anthropology" - literalmente, "antropologia de poltrona", mas com o sentido, como ficou usual em português, de "antropologia de gabinete" - passou a ser amplamente utilizada pelos críticos da tradição clássica da antropologia evolucionista.

Os pressupostos evolucionistas foram muito criticados, nas duas primeiras décadas do século XX, por antropólogos que preferiam explicar a questão da diversidade cultural humana através da idéia de difusão e não da de evolução. Para a chamada escola difusionista, a ocorrência de elementos culturais semelhantes em duas regiões geograficamente afastadas não seria prova da existência de um único e mesmo caminho evolutivo, como pensavam os evolucionistas; o pressuposto difusionista, diante do mesmo fato, era que deveria ter ocorrido a difusão de elementos culturais entre esses mesmos lugares (por comércio, guerra, viagens ou quaisquer outros meios).

Dois outros marcos de ruptura com a tradição evolucionista, tanto em seus aspectos teóricos quanto práticos, foram as obras de Franz Boas (1858-1942) e de Bronislaw Malinowski (1884-1942).

Em seu artigo "As limitações do método comparativo da antropologia", de 1896, Boas fez críticas incisivas ao método evolucionista. Para ele, antes de supor, sem provas cabais, como faziam os evolucionistas, que fenômenos aparentemente semelhantes pudessem ser atribuídos às mesmas causas, era preciso perguntar, para cada caso, se eles não teriam se desenvolvido independentemente, ou se não teriam sido transmiti. dos por difusão de um povo a outro. Ao contrário dos autores

evolucionistas, que usavam as palavras cultura e sociedade humana no singular, Boas passou a usar cultura no plural. O objetivo da antropologia, nessa perspectiva, passava a ser não a reconstituição do grande caminho da evolução cultural humana, mas sim a compreensão de culturas particulares, em suas especificidades. A classificação de diferentes elementos culturais tomados de todos os lugares do mundo, cujo ordenamento Tylor via como natural, por estar "inteiramente instalada em nossas mentes", passava a ser criticada como etnocêntrica, com o fruto de uma perspectiva prisioneira dos pressupostos e valores da cultura do observador. As culturas "primitivas" deixavam, assim, de serem percebidas e avaliadas por aquilo que lhes faltava ou aquilo em que estariam "atrasadas" em comparação com a cultura ocidental moderna: Estado, família monogâmica, ciência, propriedade privada e religião monoteísta. Além desse relativismo metodológico, Boas praticou e estimulou em seus alunos um gosto pela pesquisa de campo desconhecido para a maior parte dos autores que o precederam.

Em relação especificamente à necessidade de o antropólogo ter uma experiência direta e prolongada de convívio com seu "objeto" de pesquisa, o grande marco de ruptura com a tradição evolucionista foi a publicação de "Argonautas do Pacífico Ocidental", de Malinowski, em 1922, fruto de prolongada pesquisa de campo entre os nativos das ilhas Trobriand. Ir a campo passava a ser visto como uma experiência existencial fundamental para o conhecimento etnográfico, o meio através do qual o antropólogo se torna apto a observar uma cultura "de dentro", para poder compreender o "ponto de vista do nativo" e sua "visão de mundo". Além de pregar uma antropologia ao ar livre, Malinowski enfatizava a necessidade de se compreender cada cultura em sua totalidade, sem fragmentá-la.

Boas já criticara o antigo padrão de disposição das peças dos museus etnográficos, com sua classificação por tipo de atividade ou instrumento, misturando peças de povos de todo o mundo. Esse padrão, de inspiração evolucionista, foi sendo substituído pelo ordenamento de conjuntos de elementos relacionados a diferentes culturas. Nesse sentido, o procedimento fundamental do método comparativo, tal como preconizado por Tylor - "dissecá-la [a civilização] em detalhes e, em seguida, classificá-los em seus grupos apropriados" com evidências recolhidas em todo o mundo - passava a ser visto como um método equivocado, e o antropólogo evolucionista aproximava-se do modelo de um colecionador de borboletas que classificava seus espécimes em formatos e cores, sem entender-lhes a morfologia e a fisiologia.

"Argonautas" veio com um prefácio de Frazer. Malinowski, além de atribuir à leitura de O ramo de ouro o despertar de seu interesse pela antropologia, contava há anos com o estímulo de Prazer para suas pesquisas. No prefácio, Prazer qualificou a pesquisa de seu "estimado amigo" como valiosa e disse que ela prometia tornar-se, com a publicação de outras monografias de Malinowski sobre os trobriandeses, "um dos trabalhos mais completos e científicos já produzidos sobre um povo selvagem". Vinte anos mais tarde, Malinowski faria o obituário de Prazer, elogiando suas qualidades de grande humanista e erudito clássico, mas rejeitando sua teoria e método, e enfatizando que sua morte simbolizava o fim de uma época da antropologia.

De fato, Frazer foi o último dos antropólogos do período "clássico" do evolucionismo cultural. Essa tradição não mais atingiria, na disciplina, o prestígio que desfrutou entre os anos 1870 e a Primeira Guerra Mundial. Não é correto, no entanto, pensar que o evolucionismo cultural tenha desaparecido com a morte de Frazer. No caso específico das idéias de Morgan, como vimos, a admiração que despertaram em Marx e Engels lhes deu grande sobrevida. Vários antropólogos procuraram dar continuidade ao pensamento evolucionista, buscando atualizá-lo em muitas de suas formulações e, em geral, adotando perspectivas multilineares para a evolução cultural humana. Nessa tradição podemos destacar Leslie White (1900-1975), Julian Steward (1902-1972) e, no Brasil, Darcy Ribeiro (19221997), que, em "O processo civilizatório" (1968), retraça sua linhagem intelectual, passando por esses autores, até Morgan. Mais recentemente, o evolucionismo cultural, em seus aspectos mais deterministas, voltou a ganhar força ao ser englobado (porém modificado) por uma vertente da biologia moderna que passou a ser conhecida pelo nome de sociobiologia após a publicação do livro com esse título por Edward O. Wilson, em 1975, e que desde então ressurge periodicamente, sob novas roupagens.

Para além desses exemplos do campo acadêmico, muitas idéias introduzidas pela tradição clássica do evolucionismo cultural permanecem até hoje disseminadas no senso comum.