Currículo, Formação, Pertencimentos e Decolonialidade
Em destaque
Currículo, Formação, Pertencimentos e Decolonialidade
Em destaque
Larisse Miranda de Brito
Fernando Pina Tavares
A abordagem decolonial assenta-se na ideia da colonialidade como um tipo de poder estabelecido pelo colonialismo cujo principal elemento é a raça. Desse modo, o poder colonial dissemina-se através de processos nomeados “civilizatórios” tendo na educação – para disciplinarização e controle dos corpos – seu principal instrumento, a partir da tentativa de “aculturação” dos povos colonizados através do silenciamento e genocídio físico, cultural e simbólico de suas produções intelectuais, culturais e materiais.
Nesse cenário, o currículo, em qualquer espaço educacional, mas especialmente nas instituições universitárias responsáveis pela (re) produção do pensamento científico, irá exercer papel fulcral como dispositivo capaz de contribuir para o estabelecimento do conhecimento científico europeu como único possível na experimentação e compreensão do mundo. Desse modo, o conteúdo eleito como formativo (MACEDO, 2011) reitera as práticas socioculturais e políticas dos povos dominadores.
De-s-colonizar[1] o currículo é, portanto, assumir os jogos de poder orquestrados pela empreitada colonizadora nos quais as produções simbólicas e intelectuais dos povos su-l-balternizados[2] foram reduzidas a misticismos; desconsideradas, pois, como modelos válidos para interpretar, experienciar e se relacionar socialmente com o mundo. Desse modo, a experiência, as produções e práticas simbólico-culturais dos povos africanos, afrodiaspóricos, indígenas, latino americanos tornam-se lastro fundamental para a construção de processos formativos orientados para a desconstrução do colonialismo educacional. Esse cenário requer a elaboração de práticas pedagógicas multirreferenciadas para superar o “epistemicídio” (TORRES, 2010, RAMOSE, 2011, e CARNEIRO, 2005) e o “semiocídio cultural” (SODRÉ,1988) impregnados no projeto civilizatório universalizante da modernidade racista.
Urge refazer o caminho de sankofa como chave hermenêutica para descifrar experiências e saberes ancestrais impregnados nas cosmogonias dos povos africanos, ameríndios e latino-americanos. Essas cosmogonias, apagadas pelo mito da supremacia branca europeia, constituem locus enunciativo de uma “Pedagogia Sankofa” como projeto formativo “pluriversal” (RAMOSE, 2011), comprometido com novos paradigmas do educar.
Pedagogia Sankofa emerge, assim, na contramão do eurocentrismo universalizante, como espaço de inclusão de culturas africanas, ameríndias e latino-americanas na “cartografia da encruzilhada” (DELEUZE e GUATARI, 1995). Nessa encruzilhada, a descolonização do saber e do pensamento educacional tem como meta fundamental a justiça curricular, materializada no estudo de histórias e culturas de povos su-l-balternizados pela máfia da escravidão e da dominação colonial. As universidades, enquanto esferas de (re)produção da ciência, podem postular pedagogias libertadoras, consciência histórica.
Larisse Miranda de Brito: Assistente Social. Mestra em Estudos Interdisciplinares Sobre Universidade. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa FORMACCE em Aberto (FACED/UFBA).
Fernando Pina Tavares: Doutor e Pós-doutor em Educação. Professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (UNILAB). Coordenador do Centro de Estudos Africana (CEA/UNILAB). Professor Visitante da Universidade de Santiago-Cabo Verde. Professor Visitante da Universidade de São Paulo (USP)
CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. 339f.Tese (Doutorado em Educação). FE- USP, São Paulo, 2005.
DELEUZE,Gilles; GUATARI, Félix. Mil Platôs:Capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. São Paulo, Ed.34, 1995
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. 4 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
MALDONADO-TORRES, Nelson. A Topologia do Ser e a Geopolítica do Conhecimento.Modernidade, Império e Colonialidade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo, Cortez, 2010
RAMOSE, Mogobe. Sobre a legitimidade e o estudo da filosofia africana. In: Ensaios Filosóficos. Vol. IV – Outubro/2011 pág. 10-11.
SODRÉ, Muniz. A Verdade Seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S. A. , 1988.
[1] O uso do “-s-” aponta para as tensões existentes em torno dos conceitos, colonialidade e decolonialidade, especialmente aquelas elaboradas por Boaventura de Sousa Santos
[2] O uso dessa grafia dá conta do debate estabelecido pelos estudos “pós-coloniais” que sinaliza para o poder exercido por países que controlam o capitalismo imperial e impõem seus modos de Ser e conviver como representativos de civilização e erudição. Esses países são melhor representados pelo conceito de Norte Global, em contrapartida, o Sul Global seria representativo dos países que são colocados à margem desse poder.