Na mesa, pratos variados com os mesmos ingredientes: queer, querer, viver, corpos, diversidade e vida.
A palavra Queer acolhe todos, todas e todes aqueles que não cabem nas caixas da normatividade.
Antes usada para rotular, enquadrar, marginalizar e excluir, Queer é a palavra que, subvertendo sua própria natureza, hoje celebra a liberdade de ser.
Dentro dela, o verbo querer é livre, amplo e diverso como deve ser a arte.
Liberdade para deslocar, romper, reorganizar, inventar, questionar...
Registrar a carvão o beijo entre iguais como imagem residual de dois corpos que se consumiram na luz e no calor do querer.
Bordar em ponto livre o objeto do desejo sem dissimular ou esconder.
Confrontar com olhos recortados e multiplicados, os olhares que condenam e converter o alvo em flecha.
Reivindicar o espaço público como lugar de expressão dos afetos em sua diversidade.
Desenhar com palavras, na parede espessa da opressão, um horizonte mais bonito.
Traduzir o peso e a delícia de cada existência em sua singularidade.
Resistir à incompreensão com a força de um sonho.
Liberdade para VIVER!
Sirva-se!
Yan Nikolas
O homem perfeito
Pedro Siqueira
Thamires Rodrigues
Lúh Henry
Eu sou uma bicha preta
Com todos seus pesos e suas delicias
Com toda sua luz e sua escuridão
Com toda sua beleza e todo seu estilo
Sua poesia e
Seus silêncios
Sua arte
Seu poder
Sua magia
E sua luta
Me ame e cuide de mim
Não me subestime
e
Cuidado comigo!
Lúh Henry
Erinilton Gomes
Aquelas roupas estavam proibidas. A mãe iria levá-la à igreja. O pastor Eustáquio tinha o poder de Deus na garganta. Era ele falar e o diabo tremer. Mas o pastor não estava ali, deveria estar em alguma reunião eclesiástica. A mãe estava trabalhando, chegaria tarde da noite. Cansada do trabalho, do ônibus e de carregar preocupações com os planos de Satanás.
Ela estava livre. Poderia usar as lingeries mais bonitas da mãe e o salto alto que encontrou, jogado na rua, em uma manhã de Carnaval. Poderia experimentar a maquiagem, inclusive.
E sonhar, sonhar sobretudo. Sonhar, imaginar um mundo delicado, repleto de liberdade, paz e beleza . Um sol gentil sobre todas as criaturas, fazendo com que as cores fossem sempre dadivosas e brilhantes...
Eram tardes bonitas, depois da escola. Chegar ao apartamento e tirar as cinzentas roupas de menino. Almoçar e, enfim, ser a garota que queria ser. Usar um batom suave. Ficar bonita e escrever poesia. O universo, em alguns momentos, era belo e harmônico. Vanessa, naquela tarde, adormeceu...
Ela acordou com o pastor Eustáquio chamando: "Pedro, Pedro, Pedro". Pedro era o nome de batismo tão pesado e antigo quanto o livro que o pastor carregava para todos os lugares.
O olhar do venerando líder era de severa reprovação. A mãe não tinha palavras, apenas chorava.
A mãe havia voltado mais cedo do trabalho, por estar se sentindo mal. Não havia enviado mensagem para o filho, pois queria aproveitar para verificar se ele continuava com aquelas loucuras de se vestir de mulher. Abriu a porta com o máximo cuidado para não fazer barulho, caminhou suavemente até o quarto do filho e viu a menina dormindo...
Maldita ideologia de gênero, ela pensou. Ligou para o pastor e ele, como um solícito líder cristão, atendeu prontamente ao chamado. Presenciou a nefasta cena e teve que agir imediatamente!
Combinou com a mãe que o menino Pedro não iria mais à escola, aquele terrível antro de ideologia de gênero e doutrinação marxista. Haviam feito até um mural sobre orgulho gay naquele espaço diabólico, imaginem só! O filho iria trabalhar na Igreja e ser vigiado 24h por dia pelo pastor e ou por outras pessoas de confiança, ou seja, a esposa e a filha, a jovem Rute. Muita oração, estudo bíblico, envolvimento nas atividades religiosas e afastamento de influências negativas fariam com que o menino esquecesse aquele comportamento tão contrário à natureza. "Vamos também procurar uma namorada para ele, só não pode ser minha filha, porque ela é bonita demais para ele", gracejava o pastor.
" Ele é um bom menino, não se preocupe, mãe. Precisamos manter nosso amor cristão pelas ovelhas perdidas, porque Deus deseja recuperá-las. O Pedro voltará para o caminho certo, em nome de Jesus", o pastor disse e a mãe aceitou o trato. Pedro agora era um operário de Cristo.
Caía uma chuva terrível e o pastor, assim como a esposa, ficaram presos em uma cidade vizinha. Teriam que pernoitar na residência de um irmão solidário. Assim, Pedro ficou sozinho com a filha do casal de Deus, Rute. Ela era uma moça de 19 anos, negra, alta e com um soberbo cabelo crespo. Nunca havia conversado com Pedro e ele imaginava que ela o detestava, como a um intruso inconveniente e ridículo. Mas naquela noite de tempestade, ela, Rute, olhou para ele e enxergou ela, Vanessa. Seus olhos eram sedentos e expectantes...
" Verdade que você gosta de se vestir de mulher?"
" Sim, eu sou Vanessa, porém todos me obrigam a ser Pedro."
" Eu te empresto minhas roupas e deixo você ser Vanessa. E não conto para ninguém, nem para meus pais, nem para sua mãe."
Vanessa sentiu-se no céu. Era como um presente para os 18 anos, recentemente completados. Arrumou-se muito, sentiu-se radiante e plena. Ela era uma jovem mulher, Rute era sua amiga e o mundo parecia bom...
Colocou um batom, agora um intenso e vermelho. Rute disse " você está linda" e o beijo delas foi o encontro de duas Eternidades...
Wallacy Neto