Quando as teorias da administração começaram a ser desenvolvidas, elas estavam mais preocupadas em fazer com que o processo de produção ficasse mais eficiente. Assim, Taylor e Ford tinham sua atenção voltada para a produção. Apesar dos avanços que as teorias deles trouxeram para a gestão das empresas, muitos problemas continuaram ocorrendo e, os gestores da época e seus sucessores não conseguiam entender o que acontecia. Mesmo Fayol, que foi o primeiro a enxergar a empresa como um conjunto de departamentos, também não conseguiu resolver vários problemas de gestão.
Nesta lição, estudaremos o momento em que as teorias de transição apresentam uma grande mudança de perspectiva para as teorias da administração, mudando o foco da produção para o comportamento humano. Guarde esses nomes, Mary Parker Follet e Chester Barnard. São eles os responsáveis por identificarem que, adivinha, as empresas tinham pessoas trabalhando e, o seu comportamento contribui, de maneira positiva ou negativa para o resultado das organizações.
Conheceremos os primeiros estudos relacionados com o comportamento humano na gestão e, o que viria mais tarde ficou conhecido como Psicologia Organizacional.
As pessoas são individuais, ou seja, são únicas. Isso significa que cada indivíduo tem comportamentos, objetivos e desejos diferentes uns dos outros. Podem até querer a mesma coisa, mas a maneira como pensam e como procuram alcançar os seus objetivos, na maioria das vezes, será de acordo com a sua maneira de ser. Agora, pegue essa maneira de ser e transporte para uma empresa. Várias pessoas diferentes com desejos diferentes trabalhando juntas em um mesmo local. Como fazer com que elas ajam de maneira igual para alcançar os mesmos objetivos que interessam para a empresa?
Esta é a grande questão e o maior desafio para as organizações. Já pensou como seria uma empresa se cada pessoa trabalhasse da maneira que achasse melhor? Provavelmente, a empresa seria uma confusão. Cada um indo por um caminho diferente. Cada pessoa fazendo do seu jeito, não daria muito certo, não é mesmo? Sem falar no prejuízo financeiro que isso traria para a empresa.
Portanto, estudar as teorias de transição nos mostra como os primeiros estudiosos da administração começaram a perceber que, dentro das empresas, havia pessoas que estavam trabalhando, que os gestores precisavam perceber a maneira como elas se comportavam no ambiente de trabalho, e isso trazia situações que precisavam ser cuidadas, pois, muitas vezes, deixar de levar os funcionários em consideração na gestão trazia mais problemas do que benefícios, mesmo com os avanços das teorias clássicas da administração.
Nos estudos das teorias da Administração, Mary Parker Follett é considerada a precursora da Escola de Relações Humanas por realizar estudos que identificaram problemas na resolução de conflitos entre os funcionários das organizações. Com esses estudos, ela, bem antes do que qualquer estudioso pudesse imaginar, propôs temas, como liderança democrática e participação dos funcionários na solução de conflitos, entendendo que a capacidade criativa dos colaboradores poderia contribuir em tal situação. Ela também entendia que os conflitos nas organizações são inevitáveis por causa das interações sociais entre os funcionários, e, nessas situações, os dois lados, inicialmente, estão corretos. Por isso, Mary incentivava que o conflito deveria ser utilizado a favor da organização levando as partes em desavença a refletirem a respeito de suas posições sobre o problema em questão e, com isso, de maneira racional identificar o que estaria gerando o conflito e transformar esta diferença em uma nova resposta, e as partes a aceitassem como correta.
Na prática, isso é uma tentativa de colocar as pessoas em frente ao problema e deixar que eles mesmos resolvam suas diferenças, sem a necessidade de um mediador. Em um mundo ideal, com pessoas racionais, talvez, isso seria a melhor solução, no entanto não é assim que vemos funcionar nas empresas. A maioria das pessoas tem dificuldade em reconhecer seus erros ou acertos de seus colegas, e as brigas entre funcionários, inevitavelmente, criam inimizades que nunca são superadas e causam, inclusive, sabotagens profissionais, além de separar os colegas de trabalho. Em outras palavras, esses conflitos podem afetar a qualidade do trabalho de todo um setor.
Por mais bem intencionada que Follet estivesse, conflitos sem mediação são muito difíceis de serem resolvidos e, para isso, é importante que o gestor permita que exista liberdade entre os funcionários para se abrirem e colocarem suas ideias sempre que necessário. Essa simples atitude permite que os funcionários se sintam ouvidos e que sua opinião, quando pertinente, possa ser considerada. Nestas condições, mesmo que a ideia não seja acatada, as pessoas se sentem importantes, e isso já ajuda a amenizar qualquer possibilidade de conflito.
Estamos em um mundo pós-revolução industrial. As cidades estão crescendo, junto com as empresas, que, nos grandes centros urbanos, empregam milhares de pessoas. A qualidade de vida é péssima, a infraestrutura local é insuficiente e, essa condição de vida reflete na eficiência dos trabalhadores. Para tentar resolver isso, alguns dos principais teóricos da administração, Taylor e Ford desenvolvem teorias da administração com foco nos meios de produção. Sim, suas principais preocupações estavam no chão de fábrica, ou seja, com os operários. No entanto esses teóricos entendiam que as pessoas não passavam de partes das máquinas que trabalhavam, única e exclusivamente, por conta de ganhar dinheiro. Suas teorias ajudaram bastante, mas não resolveram todos os problemas.
Fayol e Weber, percebendo isso, passaram a estudar a estrutura organizacional, para eles, além da produção, os problemas estavam na maneira como os administradores lidavam com a estrutura organizacional. Fayol ressaltou a importância da departamentalização, e Weber complementou com a implementação da burocracia. Mas isso também não resolveu boa parte dos problemas, até porque estes dois estudiosos ainda deixaram de lado em seus estudos, os trabalhadores.
Esta situação começa a mudar quando dois estudiosos, Mary Parker Follet e Chester Barnard fazem o que nenhum de seus antecessores fez, reconhecer a existência das pessoas dentro das organizações como indivíduos, ou seja, pessoas com suas vidas, seus comportamentos e seus desejos próprios. Isso muda tudo nos estudos da administração, porque, a partir de agora, os estudiosos começam a levar em consideração o comportamento das pessoas dentro das empresas e como isso afeta a organização.
Mary Parker Follet, percebeu que “o ser humano tem necessidade de convívio social e, principalmente, ser aceito pelo grupo que ele faz parte” (ALBUQUERQUE, 2021, p. 75). Sua tese era de que o verdadeiro homem dentro da organização só seria encontrado quando este tivesse suas potencialidades individuais liberadas pela vida em grupo. O que Follet quer dizer com isso é que as pessoas, quando se sentem parte de algo maior do que elas, mesmo que seja no trabalho, elas se sentem dispostas a dar o melhor de si na realização de suas tarefas. Assim, para ela, o verdadeiro desafio das organizações é conseguir integrar as pessoas com suas atividades dentro da empresa e com a administração central, por meio de quatro princípios:
Coordenação pelo contato direto entre os diversos níveis na organização;
Coordenação do processo de planejamento, que deve envolver os participantes desde o início do processo;
Coordenação pelos relacionamentos recíprocos, em que todas as partes influenciam e são influenciadas por outros;
Coordenação como um processo contínuo, que não deve ter fim, como função administrativa nas organizações (SILVA, 2013, p. 173).
Além disso, Follet foi também quem criou a lei da situação na qual se faz necessário afastar os elementos subjetivos como vontade pessoal do chefe, de maneira que a própria situação determine o que é certo ou errado. Para ela, a situação concreta é quem governa as ordens que devem ser dadas e a atenção que os funcionários darão para essas ordens. Esse é o tipo de situação em que Mary Parker acreditava, o controle passa para o grupo, e é ele que tem o poder decisão em como agir diante das ordens recebidas. O que Follet buscava era implantar um modelo de gestão de coação, mudando o conceito de autoridade e de poder. Em outras palavras, os funcionários, por conhecerem as necessidades da empresa, uma vez que eram eles que estavam desenvolvendo o trabalho diários, pudessem decidir se as ordens dadas eram realmente pertinentes de serem seguidas, ou não.
Silva (2013, p. 174) resume os aspectos relevantes da filosofia de Mary Parker Follet em:
A redução do conflito, por meio de uma integração de interesses;
A obediência à lei da situação, para a integração do trabalho;
A elaboração de processos psicológicos básicos, para a integração dos indivíduos no grupo de trabalho.
Mary, no entanto, não estava sozinha na tentativa de relacionar o comportamento das pessoas com a eficiência e a eficácia organizacional. Chester Barnard também estava estudando isso e trouxe muitas contribuições que ajudariam os futuros estudiosos da administração nessa nova maneira de encarar a gestão.
Barnard trouxe algumas ideias bastante inovadoras para a época, ideias essas que Silva (2008, p. 176) explica serem o relacionamento entre a eficiência/eficácia com o alcance de objetivos pessoais/organizacionais, ou seja:
Um sistema formal de cooperação requer um objetivo ou um propósito; se a cooperação resultar em processo, a meta será alcançada e o sistema será eficaz.
O conceito de eficiência é diferente; eficiência cooperativa é o resultado das eficiências individuais, desde que a cooperação seja dirigida somente para satisfazer ‘motivos individuais’.
Em outras palavras, Barnard sugeriu que, segundo Albuquerque (2021, p. 77) “quando o indivíduo alcança objetivos pessoais, ele está sendo eficiente, ao passo que o mesmo indivíduo se torna eficaz quando alcança os objetivos organizacionais”.
O importante das teorias de transição é entender que tanto Follet quanto Barnard, desenvolveram conceitos que permitiram integrar pessoas e organizações como um conjunto que trabalha em harmonia. A diferença entre os dois se deu na medida em que Follet focou seu trabalho nas pessoas e em como elas poderiam direcionar os seus esforços para os objetivos. Já Barnard se preocupou mais com a parte formal e informal das organizações.
Para facilitar sua compreensão no assunto, leia o texto a seguir:
Era um dia nublado, um pouco de frio quando o vento chegava, mas na linha de produção estava quente, mais do que o normal. Os operários trabalhavam em ritmo um pouco mais acelerado do que o normal.
O supervisor chegou, pediu para desligarem a linha de produção, reuniu-se com os operários, apresentou uma folha com números, gráficos e explicou que seria necessário aumentar o ritmo da produção, talvez, até ficar após o expediente para tentar cumprir a nova meta estabelecida pela diretoria. O ânimo dos funcionários claramente mudou, mas, como de costume, todos ficaram quietos. O medo de perder o emprego paralisa as pessoas, porém um deles decidiu falar que seria impossível cumprir as novas metas, mesmo que todos trabalhassem o triplo do tempo porque a quantidade de funcionários era insuficiente. Seus colegas se admiraram com a coragem do jovem operário e, aos poucos, iniciaram uma concordância. O supervisor, também surpreso, ficou sem reação. Nesse momento, um dos operários mais velho do que os demais, de ralos cabelos brancos e a pele enrugada denunciando sua idade, sugeriu utilizarem a lei da situação. Ninguém entendeu o que era aquela sugestão, nem mesmo o supervisor que se dizia estudado. Com a calma que a sabedoria da experiência proporciona, o operário ancião explicou que essa lei foi criada, no início do século XX, por Mary Parker Follet, que recomendava que os funcionários discutissem a respeito dos problemas enfrentados e chegassem a um acordo.
Todos concordaram, inclusive, o supervisor, que se mostrou feliz em conhecer mais uma estratégia de gestão de pessoas. Bem, o que se seguiu foi muito interessante. Os operários se dividiram em dois grupos, os que concordavam com as novas diretrizes impostas pela diretoria, e aqueles que eram contra. Cada um pode expor a sua opinião, mas, além disso, precisavam apresentar uma solução. Opiniões vazias não eram aceitas. Era preciso explicar os motivos e chegar a uma solução, pois, independentemente de aceitar, ou não, o fato era que o problema permanecia: como aumentar a produção para bater a meta? Após cerca de duas horas de debate, os funcionários chegaram a uma solução, a meta poderia ser alcançada trabalhando as mesmas horas diárias. O que eles decidiram foi que havia alguns itens na produção que poderiam esperar. Enfim, a diretoria via apenas os números e suas necessidades sem levar em consideração a realidade que ocorria no chão de fábrica. Os operários puderam chegar a uma solução que agradou a todos porque eram eles quem tinha conhecimento da realidade da linha de produção. No final, a meta foi alcançada, e todos ficaram satisfeitos e, a partir desse dia, foi criado o comitê da situação em que todas as decisões eram discutidas e compartilhadas entre os funcionários.
ALBUQUERQUE, R. A. L. Teorias da Administração. Maringá: UniCesumar, 2021.
CHIAVENATO, I. Teoria Geral da Administração. v. 2. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002.
SILVA, R. O. Teorias da Administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2013.