"O filho eterno" (parte 1)

Uma obra que tem mexido comigo: O filho eterno, de Cristóvão Tezza!

Essa história nasce da necessidade do autor falar, usando a literatura, sobre sua experiência de pai de um menino com Síndrome de Down.

 – Acho que é hoje – ela disse. – Agora – completou, com a voz mais forte, tocando-lhe o braço, porque ele é um homem distraído.

Assim começa o romance. A criança vai nascer e o narrador nos apresenta o  pai como “alguém provisório”, cheio de ansiedades, de dúvidas, tentando ser escritor, sustentado pela mulher...

No hospital, sozinho, durante a madrugada, enquanto a mulher está na sala de parto, o homem de 28 anos repassa algumas vivências e projeta outras...

Na manhã seguinte – “a manhã mais brutal da vida dele” – ele e os familiares se preparam para  conhecer o recém nascido...

Súbito, a porta se abre e entram os dois médicos, o pediatra e o obstetra, e um deles tem um pacote na mão. Estão surpreendentemente sérios, absurdamente sérios, pesados, para um momento tão feliz – parecem militares.

Assim, com o quarto cheio de gente, anunciam a Síndrome de Down do bebê. Naqueles anos oitenta, mongolóide era o termo que designava essa variação genética.

O pai

recusava-se a ir adiante na linha do tempo; lutava por permanecer no segundo anterior à revelação, como um boi cabeceando no espaça estreito da fila do matadouro; recusava-se mesmo a olhar para a cama (...) nem a morte teria esse poder de me destruir. A morte são sete dias de luto, e a vida continua. Agora, não. Isso não terá fim.

Meio fora de órbita, se consola:

tudo que tenho é um filho recém-nascido que deve morrer em breve. (...) essa morte anunciada, parecia-lhe, nesse momento, o único lado bom da vida.

A morte precoce: uma das características da Síndrome de Down presentes na literatura médica na época.

Ainda não terminei a leitura, mas esse início coincide com os relatos dos pais de crianças com Síndrome de Down, no documentário "Do luto à luta", de Evaldo Mocarzel.

Sei que superando a  dor, a frustração, o pai, sobretudo, antevê o espaço que aquela criança ocupará em sua vida: um filho eterno:  título poético, lírico, que revela, lindamente, uma pitada de melancolia.

 

Suely Aymone