Tipificação dos riscos
Uma das questões a serem consideradas na elaboração de projetos de pesquisa que envolvem estudos com seres humanos, seja de forma direta ou indireta, é a definição do grau do risco e a possibilidade de ocorrência de danos dela decorrentes.
Segundo a Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012, item V.:
Toda pesquisa com seres humanos envolve risco em tipos e gradações variados. Quanto maiores e mais evidentes os riscos, maiores devem ser os cuidados para minimizá-los e a proteção oferecida pelo Sistema CEP/CONEP aos participantes. Devem ser analisadas possibilidades de danos imediatos ou posteriores, no plano individual ou coletivo. A análise de risco é componente imprescindível à análise ética, dela decorrendo o plano de monitoramento que deve ser oferecido pelo Sistema CEP/CONEP em cada caso específico.
Já segundo a Resolução CNS nº 510 de 7 de abril de 2016, tem-se:
Art. 18. Nos projetos de pesquisa em Ciências Humanas e Sociais, a definição e a gradação do risco resultam da apreciação dos seus procedimentos metodológicos e do seu potencial de causar danos maiores ao participante do que os existentes na vida cotidiana, em consonância com o caráter processual e dialogal dessas pesquisas.
Art. 19. O pesquisador deve estar sempre atento aos riscos que a pesquisa possa acarretar aos participantes em decorrência dos seus procedimentos, devendo para tanto serem adotadas medidas de precaução e proteção, a fim de evitar dano ou atenuar seus efeitos
Art. 21. O risco previsto no protocolo será graduado nos níveis mínimos, baixo, moderado ou elevado, considerando sua magnitude em função de características e circunstâncias do projeto, conforme definição de Resolução sobre tipificação e gradação de risco e sobre tramitação dos protocolos.
§2º - A gradação do risco deve distinguir diferentes níveis de precaução e proteção em relação ao participante da pesquisa
A relação existente entre o nível de risco (mínimo, baixo, médio e elevado) ao tipo de estudo encontra-se descrita a seguir:
Risco mínimo
1) Estudos retrospectivos que não realizam nenhuma intervenção ou modificação intencional nas variáveis fisiológicas, psicológicas ou sociais dos participantes de pesquisa.
Os riscos incluem: possibilidade de constrangimento ao responder o questionário, cansaço ou aborrecimento ao responder às perguntas, desconforto, constrangimento ou alterações de comportamento durante as gravações de áudio e vídeo, alterações na autoestima provocadas pela evocação de memórias ou por reforços na conscientização sobre uma condição física ou psicológica restritiva ou incapacitante, medo, vergonha, quebra de sigilo e quebra de anonimato.
Exemplos: aplicação de questionários, entrevistas, revisão de prontuários clínicos e outros, nos quais não se identifique nem seja invasivo à intimidade do indivíduo.
2) Estudos prospectivos que empreguem registro de dados por meio de procedimentos comuns em exames físicos ou psicológicos do diagnóstico ou tratamento rotineiros.
Exemplos: pesar o indivíduo, audiometria, eletrocardiograma, termografia, coleção de excretas e secreções externas, obtenção de saliva, dentes deciduais e permanentes extraídos por indicação terapêutica, placa bacterina dental e cálculos removidos por procedimentos profiláticos não invasivos, corte de cabelo e unhas sem causar desfiguramento, extração de sangue por punção venosa em adultos em bom estado de saúde, com frequência máxima de duas vezes por semana e volume máximo de 450 ml em dois meses, exceto durante gravidez, exercício moderado em indivíduos sãos, provas psicológicas a indivíduos ou grupos nos quais não se manipulará a conduta do indivíduo, pesquisa com medicamentos de uso comum, com ampla margem terapêutica autorizados para sua venda, empregando-se as indicações, doses e vias de administração, obtenção de placenta durante o parto, coleta de líquido amniótico ao romper-se a membrana da bolsa amniótica.
Risco baixo
1) Procedimentos cuja utilização durante o processo de pesquisa possa causar dor ou sensibilidade, escoriações ou até pequenas cicatrizes.
Exemplo: uso de agulhas.
2) Estudos radiológicos e com micro-ondas
3) Pesquisas com medicamentos e produtos biológicos para uso em seres humanos, a respeito dos quais não se tenha experiência prévia no Brasil, e que não tenham sido registrados pelo Ministério da Saúde, ou seja, estudos com medicamentos que não sejam registrados e aprovados para venda, quando se pesquisa seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de administração diferentes daquelas estabelecidas.
4) Estudos com procedimentos cirúrgicos, extração de sangue maior que 2% do volume circulante em recém-nascidos, punção liquórica, amniocentese e outras técnicas ou procedimentos invasivos.
5) Uso de placebo.
Risco médio
Procedimentos que envolvem riscos intermediários entre risco “baixo” e “elevado”.
Risco elevado
1) Estudos que utilizam biópsias, punção arterial, cateterismo cardíaco (procedimentos que normalmente não podem ser justificados apenas para fins de pesquisa, ou seja, só devem ser feitos quando a pesquisa é combinada com o diagnóstico e tratamento com a intenção de beneficiar determinados participantes de pesquisa.
2) Estudos que utilizam agentes de tratamento experimentais.
Obs.: não existe estudo “sem risco”
Na Resolução CNS nº 674, de 6 de maio de 2022, que dispõe sobre a tipificação da pesquisa e a tramitação dos protocolos de pesquisa no Sistema CEP/Conep, lê-se: “A tipificação de risco da pesquisa é o processo pelo qual se define o grau de risco de uma pesquisa. Baseia-se na possibilidade de ocorrência de danos dela decorrentes, na magnitude desses e nas consequências à integridade dos participantes de pesquisa em todas as suas dimensões.” Desta forma, os danos decorrentes podem ser classificados em:
Danos físicos
Risco de doença, lesão, dor e outros males associados ao bem-estar físico (ex: lesão durante procedimentos médicos invasivos ou possíveis efeitos colaterais da droga de pesquisa).
Danos psicológicos
Inclui o risco de produzir estados negativos ou comportamento alterado, incluindo ansiedade, depressão, culpa, sentimentos de choque de inutilidade, raiva ou medo.
Danos sociais
Inclui um possível risco de envolver perturbação das sociais dos participantes da pesquisa (famílias, amigos, associados, comunidades cívicas e religiosas) ou alteração nos seus relacionamentos com outras pessoas e podem envolver estigmatização, vergonha ou perda de respeito.
Danos jurídicos
Inclui o risco de descoberta e instauração de processo por conduta criminosa se, por exemplo, informações sobre usuários de substâncias ilícitas fossem reveladas à polícia.
Danos financeiros ou econômicos
Incluem o risco de sujeição ou imposição de despesas financeiras diretas ou indiretas aos participantes de pesquisa.
O método selecionado para a coleta de dados durante a pesquisa está sujeito a riscos e possíveis danos, como apresentado a seguir:
Estudos com aplicação de questionários e entrevistas
Invasão de privacidade;
Responder a questões sensíveis, tais como atos ilegais, violência, sexualidade;
Revitimizar e perder o autocontrole e a integridade ao revelar pensamentos e sentimentos nunca revelados;
Discriminação e estigmatização a partir do conteúdo revelado.
Divulgar dados confidenciais (registrados no TCLE).
Tomar o tempo do sujeito ao responder ao questionário/entrevista.
Considerar riscos relacionados à divulgação de imagem, quando houver filmagens ou registros fotográficos.
Estudos de rastreabilidade (screenings operacionais)
Identificar dados de alterações genéticas e/ou condições de saúde sem tratamento definido – angústia.
Conflito de interesses x obrigatoriedade de divulgação às autoridades sanitárias de informações sobre a saúde da população.
Invasão de privacidade.
Divulgação de dados confidenciais.
Estudos com dados secundários
Estigmatização – divulgação de informações quando houver acesso aos dados de identificação.
Invasão de privacidade.
Divulgação de dados confidenciais.
Risco de segurança dos prontuários.
Estudos com observação participante (grupo focal)
Estigmatização – divulgação das informações.
Invasão de privacidade.
Divulgação de dados confidenciais.
Interferência na vida e na rotina dos participantes.
Embaraço de interagir com estranhos, medo de repercussões eventuais.
Considerar riscos relacionados à divulgação de imagem, quando houver filmagens ou registros fotográficos.
Ensaios clínicos/vacinas/novos medicamentos/novos procedimentos
Riscos físicos (efeitos colaterais, toxicidade, exposição acentuada a situações de desconforto como exames invasivos, morte).
Estigmatização – divulgação das informações.
Invasão de privacidade.
Divulgação de dados confidenciais.
Interferência na vida e na rotina dos sujeitos.
Conflito de interesse patrocinador x pesquisa x participante da pesquisa.
Duplo padrão.
Coerção para participar da pesquisa.
Estudos com material biológico
Uso da amostra para novas pesquisas sem a autorização do participante de pesquisa.
Estigmatização a partir da divulgação dos resultados.
Descarte inadequado do material (deve seguir as normas da ANVISA e ser informado no TCLE).
Invasão de privacidade.
Divulgação de dados confidenciais.
Importante:
1) Descrever claramente os procedimentos a que os participantes estarão submetidos. É fundamental que o TCLE deixe claro para o participante a que procedimentos ele vai estar sujeito durante a pesquisa.
2) Descrever as providências e cautelas a serem empregadas para evitar e/ou reduzir efeitos e condições adversas que possam causar danos ao participante.
3) Além de informar ao participante que ele terá atendimento médico adequado em caso de acidente ou mal-estar, poderá ser eventualmente necessário informar que o participante de pesquisa terá acesso a atendimento psicológico. Esses atendimentos deverão ser custeados pela equipe de pesquisa, não devendo sobrecarregar o SUS.